"Já vais?"
A voz de Vanessa soou atrás de mim, falsamente doce. Virei-me. Ela tinha-se aproximado, os seus olhos vermelhos de tanto chorar, mas com um brilho de triunfo.
"O Hugo ficaria tão desapontado se soubesse que a sua 'esposa' nem sequer esperou para ver se ele saía bem da cirurgia."
"Ele tem-te a ti para isso," respondi, a minha voz vazia.
Ela riu, um som baixo e cruel. "É verdade. Ele sempre me teve a mim. Sabes, Raegan, às vezes tenho pena de ti. Pensas mesmo que algum daqueles momentos significou alguma coisa?"
Franzi a testa, sem perceber.
"Aquele colar que ele te deu," ela continuou, saboreando cada palavra. "O da Cartier. Fui eu que lhe disse que o queria, numa conversa casual. Ele viajou para o Brasil, no meio do Carnaval, só para mo trazer. Mas quando ele chegou, eu já estava com outra pessoa. Rejeitei o colar. Ele deve ter ficado sem saber o que fazer com ele, então deu-to a ti. Um prémio de consolação."
O ar faltou-me nos pulmões. O colar. Aquele que eu guardava como um tesouro, o símbolo da minha esperança.
Ela não parou. "E lembras-te daquela noite, há cerca de um ano? A noite de Fados em Alfama. Tu estavas lá a cantar com os teus amigos. O Hugo soube e foi até lá. Ele não entrou. Ficou do lado de fora, a ver-te pela janela, a rir com outro homem. Ele estava a morrer de ciúmes. Não de ti, sua tola. De mim. Porque ele imaginava que era eu ali com outro."
A sua voz baixou para um sussurro conspirador. "Ele voltou para casa furioso, consumido pelo ciúme. E descarregou tudo em ti. Aposto que foi a vossa noite mais apaixonada, não foi? E tu pensaste que era por ti."
Cada palavra era um golpe. Os momentos que eu tinha guardado, que tinha analisado vezes sem conta à procura de um sinal de afeto, eram todos mentira. Eram apenas o reflexo da dor dele por outra mulher. Eu era um espelho, uma sombra.
Senti as lágrimas a quererem sair, mas engoli-as. Não lhe daria essa satisfação.
"Obrigada por me contares, Vanessa," disse eu, a minha voz surpreendentemente calma. "Esclareceste muitas coisas."
Virei-lhe as costas e saí do hospital, sem olhar para trás. A minha decisão estava tomada. Não havia mais esperança, não havia mais amor. Apenas um vazio imenso.
Fui para casa e comecei a fazer as malas. As minhas roupas, os meus livros, os meus discos de Fado. Cada objeto parecia pertencer a outra pessoa, a uma mulher ingénua que eu já não reconhecia.
Nos dias seguintes, Hugo não ligou. Não mandou uma única mensagem. Fiquei a saber por uma das empregadas que ele tinha saído do hospital e se tinha mudado para um apartamento perto da casa da avó da Vanessa, para poder cuidar dela a tempo inteiro.
Eu era, mais uma vez, uma memória esquecida. E pela primeira vez, em vez de dor, senti uma estranha sensação de paz. A minha resolução de partir tornava-se mais forte a cada hora que passava em silêncio.