Uma semana depois, o telefone de casa tocou. Era a governanta da mansão dos Gordon, no Douro.
"Dona Raegan, a D. Matilde exige a sua presença para o jantar de família esta noite. O Sr. Hugo também virá."
A matriarca. A mulher que me via apenas como um útero para o seu neto. Suspirei. Ainda era, legalmente, a mulher de Hugo. Tinha de cumprir as minhas obrigações até ao fim.
"Estarei aí," respondi e desliguei.
A atmosfera na sala de jantar era gélida. Hugo sentou-se na cabeceira da mesa, o telemóvel na mão, um sorriso nos lábios enquanto trocava mensagens. Com a Vanessa, sem dúvida. D. Matilde, a sua avó, sentou-se à sua direita, o seu olhar duro fixo em mim.
"Então, Raegan," ela começou, a sua voz como o som de vidro a partir. "Três anos de casamento e ainda não há sinal de um herdeiro. Pergunto-me qual será o problema."
Os outros membros da família à mesa baixaram os olhos para os seus pratos.
"Ainda por cima," continuou ela, "deixas o meu neto arriscar a vida numa cirurgia perigosa por causa da avó de uma... qualquer. O teu dever era impedi-lo!"
Hugo levantou a cabeça do telemóvel, a sua expressão irritada. "Avó, já falámos sobre isto. A decisão foi minha. A Raegan não teve nada a ver com isso."
A sua defesa foi fraca, quase uma formalidade. Ele não estava a defender-me; estava a afirmar a sua própria autoridade.
D. Matilde ignorou-o, o seu olhar nunca se desviando de mim. "Tenho aqui uns remédios tradicionais. Para a fertilidade. Vais começar a tomá-los hoje."
Ela fez um sinal a uma empregada, que se aproximou com uma pequena taça de porcelana contendo um líquido escuro e malcheiroso.
Olhei para a taça e depois para a matriarca. Pela primeira vez em três anos, senti uma faísca de rebelião.
"Não, obrigada. Eu não vou tomar isso."
O silêncio na sala tornou-se ensurdecedor. D. Matilde levantou-se lentamente, a sua expressão uma mistura de choque e fúria.
"O que é que disseste?"
"Eu disse que não," repeti, a minha voz firme. "Não há problema nenhum com a minha fertilidade. O problema é que o seu neto nunca quis ter um filho comigo. Ele nunca sequer dormiu no mesmo quarto que eu, exceto uma vez, por engano."
O choque no rosto de D. Matilde deu lugar a uma raiva gélida. "Insolente! Como te atreves a falar assim na minha casa?"
Ela caminhou até uma antiga arca de madeira num canto da sala e tirou algo de lá. Uma palmatória. Um objeto de museu, uma relíquia de tempos bárbaros.
"Vais aprender a respeitar os mais velhos e as tradições desta família," disse ela, aproximando-se de mim.
Ninguém se moveu. Ninguém disse uma palavra. Olhei para Hugo. Ele tinha voltado a olhar para o telemóvel, a rir de algo que a Vanessa lhe tinha enviado, completamente alheio ao que se estava a passar.
D. Matilde agarrou a minha mão e bateu com força com a palmatória na minha palma estendida. Uma, duas, três vezes. A dor era aguda, queimava. Mas eu não fiz um som. Suportei em silêncio, os meus olhos fixos na figura de Hugo, a rir ao telefone, a um mundo de distância. A dor física não era nada comparada com a humilhação e o abandono que senti naquele momento.