De Vítima a Arquiteta do Destino
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Capítulo 1

O cheiro de poeira e livros velhos encheu meus pulmões, era o cheiro do meu quarto de adolescente.

Abri os olhos e a luz do sol da tarde entrava pela janela, iluminando o pôster desbotado da minha banda favorita na parede.

Meu coração batia descontrolado.

Isso não podia ser real, eu estava morta.

Lembro-me claramente da sensação de frio se espalhando pelo meu corpo, da visão turva enquanto Lucas me abandonava, correndo para o funeral de outra mulher.

A imagem final que tive foi a do seu carro desaparecendo na esquina, me deixando sozinha na casa fria e vazia que um dia chamamos de lar.

Um calafrio percorreu minha espinha, uma memória física, não apenas um pensamento.

Eu me levantei da cama, minhas pernas um pouco trêmulas, e caminhei até o espelho.

A garota que me encarava de volta era eu, mas uma versão mais jovem, com o rosto liso, sem as linhas de cansaço e tristeza que a vida com Lucas havia gravado em mim.

Meus olhos, no entanto, continham um conhecimento sombrio que não pertencia a uma jovem de dezoito anos.

No espelho, vi o calendário na parede. A data circulada em vermelho me atingiu com a força de um soco.

Era a véspera do vestibular. O ponto de virada, o começo do meu fim.

As lembranças da minha vida passada vieram de uma vez, não como um sonho, mas como fatos concretos e dolorosos.

Lembrei-me de Lucas, meu namorado de infância, o garoto que eu amava com toda a ingenuidade do meu coração jovem.

Lembrei-me de como ele começou a mudar, como suas palavras doces se tornaram facas afiadas.

Tudo por causa dela. Sofia.

Sua "verdadeira paixão", a garota doce e frágil que apareceu em nossas vidas e roubou tudo de mim.

Na minha vida passada, nesta mesma noite, Lucas me ligaria.

Ele diria que Sofia estava doente, precisando de ajuda, e me convenceria a faltar à revisão final para o vestibular para cuidar dela.

Foi a primeira de muitas sabotagens.

Ele interferiu nas minhas provas, criou "acidentes" que me impediram de participar de competições acadêmicas importantes, tudo para que eu não brilhasse mais que Sofia, para que eu não tivesse um futuro que ele, a mando dela, não pudesse controlar.

A pior parte, a crueldade final, foi a doação de sangue.

Sofia precisava de transfusões constantes, e Lucas, com sua manipulação habilidosa, me convenceu a doar sangue repetidamente.

"É por uma boa causa, Lívia. Você é forte, ela é fraca. É o que pessoas boas fazem."

Eu doei tanto que minha própria saúde entrou em colapso, meu corpo enfraqueceu, e os médicos me disseram as palavras que selaram meu destino: eu nunca poderia ter filhos.

Sem um futuro acadêmico, com a saúde debilitada, fui forçada a me casar com ele.

O casamento foi um inferno.

Ele vivia lamentando por Sofia, comparando-me a ela, me fazendo sentir como um prêmio de consolação sem valor.

A tragédia se completou quando Sofia, finalmente saudável, se casou com outro homem.

Lucas não aguentou.

Ele me abandonou e tirou a própria vida por ela.

E eu, que perdi tudo por ele, fiquei para trás para recolher os pedaços de uma vida que não era minha.

Respirei fundo, o ar do meu antigo quarto parecendo novo e cheio de possibilidades.

Desta vez, não.

Desta vez, eu não seria a garota ingênua e apaixonada.

Eu conhecia suas fraquezas, seus medos, suas manipulações.

Desta vez, eu seria egoísta.

Eu protegeria meu futuro, minha saúde, minha sanidade.

Eu me vingaria.

O som do meu celular tocando na escrivaninha quebrou o silêncio.

O nome na tela fez meu estômago revirar.

Lucas.

Atendi a chamada, minha voz firme, desprovida da excitação que teria tido no passado.

"Alô?"

"Lívia! Meu amor, finalmente atendeu. Estava preocupado."

Sua voz era a mesma, carismática e envolvente, mas agora eu podia ouvir a falsidade por baixo de cada sílaba.

"O que você quer, Lucas?"

Ele pareceu surpreso com meu tom direto.

"Nossa, que frieza. Só queria saber se você topa sair hoje à noite, talvez um cinema? Comemorar antes da prova de amanhã."

No passado, eu teria aceitado sem hesitar, feliz com sua atenção.

Agora, eu sabia que isso era apenas o começo de um plano para me distrair, para me afastar dos meus objetivos.

Um sorriso frio se formou em meus lábios.

"Não."

Houve um silêncio do outro lado da linha, um silêncio chocado.

"Como assim, não? Lívia, sou eu, Lucas."

Como se o nome dele fosse um feitiço mágico que eu era obrigada a obedecer.

"Eu sei quem você é. E a resposta é não. Eu tenho que estudar."

"Mas... nós sempre saímos antes de provas importantes. É a nossa tradição."

"Tradições mudam, Lucas. Eu não vou sair."

Fechei os olhos, saboreando o poder daquela simples palavra. "Não".

Uma palavra que eu deveria ter aprendido a dizer há muito tempo.

"Lívia, o que está acontecendo com você? Você está estranha."

"Estou focada, Lucas. Algo que você deveria tentar."

Antes que ele pudesse responder, antes que pudesse começar com suas manipulações e chantagens emocionais, eu desliguei.

Joguei o celular na cama e olhei novamente para o meu reflexo no espelho.

A garota ali não era mais uma vítima.

Era uma sobrevivente. E ela estava pronta para lutar.

A guerra pela minha vida tinha acabado de começar.

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