Laura: Destino Reescríto
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Capítulo 1

A voz do reitor da universidade soava distante, como um eco vindo de um longo túnel. Eu estava sentada na primeira fila do auditório, um lugar de honra reservado para mim, a aluna mais promissora do ano. As luzes ofuscavam meus olhos, e um zumbido estranho preenchia minha cabeça. O reitor sorria, falando sobre meu futuro brilhante, sobre como a universidade estava orgulhosa de me ter.

Mas eu não conseguia me concentrar em suas palavras.

Eu olhei para minhas próprias mãos, pousadas no meu colo. Elas eram jovens, sem as cicatrizes e calos do trabalho forçado. A pele era lisa, saudável. Eu levantei a cabeça e olhei para o grande telão atrás do palco. A data estava lá, em letras garrafais. O dia do meu exame de admissão. O dia em que tudo começou.

Eu estava de volta.

De alguma forma, eu tinha voltado ao ponto de partida.

Um arrepio percorreu minha espinha, mas não era de medo. Era um alívio tão profundo que quase me fez chorar. Eu tive uma segunda chance.

Na minha vida anterior, este dia tinha sido o auge da minha felicidade. Eu olhava para a Dra. Beatriz, sentada na mesa do conselho acadêmico, com uma admiração que beirava a adoração. Ela era a pesquisadora mais renomada do país, uma lenda em sua área. E ela queria ser minha orientadora.

Eu a escolhi sem hesitar. Foi o maior erro da minha vida.

A memória da traição veio como uma onda, afogando a alegria do meu renascimento. Lembrei-me do rosto dela, contorcido de ódio, enquanto me acusava no tribunal.

"Foi ela! Ela usou sua influência para arruinar a carreira do Pedro! Ela o forçou a se tornar um mero assistente de pesquisa para que ele nunca pudesse me alcançar!"

Pedro. Dr. Pedro. O homem que ela amava. Um suposto gênio que, segundo ela, havia mudado de nome e abandonado uma carreira estelar para ficar perto dela, trabalhando como um humilde assistente. Ela acreditava que eu era a culpada por essa "injustiça".

Por causa dessa crença distorcida, ela se uniu a ele para me destruir. Eles vazaram a estrutura do meu projeto de pesquisa, o trabalho da minha vida. Fui acusada de fraude, meu nome foi manchado e fui presa. Na prisão, a vingança dela continuou. Ela ordenou que me dessem drogas, dia e noite. Não para me matar, mas para me manter acordada, alerta, funcional. Fui forçada a trabalhar para dezenas de outros pesquisadores, resolvendo seus problemas, desenvolvendo suas teorias, escrevendo seus artigos. Meu cérebro era um recurso a ser explorado até a última gota.

Eu morri de exaustão, sozinha em uma cela fria, com o nome de Beatriz sendo a última maldição nos meus lábios.

E agora, eu estava aqui. Viva. Com a chance de fazer tudo diferente.

"Laura?" a voz do reitor me trouxe de volta à realidade. "O conselho acadêmico selecionou quatro professoras excepcionais para sua escolha. Dra. Beatriz, Dra. Helena, Dra. Clara e Dra. Sofia. Você pode escolher sua orientadora de tese agora."

Todos os olhos estavam em mim. O silêncio no auditório era total. Na minha vida anterior, eu teria me levantado e declarado o nome da Dra. Beatriz com orgulho.

Desta vez, eu me levantei lentamente. Olhei para a mesa do conselho. Vi o sorriso confiante de Beatriz, a expectativa em seus olhos. Ela sabia que eu a admirava. Ela tinha certeza da minha escolha.

Eu respirei fundo.

"Com todo o respeito, reitor e membros do conselho," minha voz saiu firme, sem nenhum traço de hesitação. "Essa é uma decisão muito importante. Eu não quero tomá-la baseada em fama ou admiração prévia. Eu gostaria de deixar ao acaso."

Um murmúrio percorreu o auditório. O reitor franziu a testa, confuso. "Ao acaso? O que você quer dizer, Laura?"

"Eu gostaria de tirar a sorte," eu disse, simplesmente.

A confusão no rosto do reitor se transformou em espanto. Os membros do conselho se entreolharam, chocados. Tirar a sorte para escolher um orientador de tese? Era inédito. Era um insulto à tradição e à hierarquia acadêmica.

"Isso é... um tanto quanto incomum," disse o reitor, sem saber como reagir.

"É a minha condição," eu insisti, mantendo meu olhar firme. "Caso contrário, prefiro não escolher ninguém."

Minha firmeza os pegou de surpresa. Eles não podiam se dar ao luxo de me perder. Após uma breve e tensa deliberação, eles concordaram. Uma assistente trouxe uma caixa com quatro papéis dobrados, cada um com o nome de uma professora.

Eu caminhei até a caixa. Minha mão não tremeu. Eu não olhei para Beatriz, mas podia sentir seu olhar queimando em minhas costas. Ela devia estar furiosa com o espetáculo, com a minha recusa em escolhê-la publicamente.

Eu enfiei a mão na caixa e peguei um papel. Abri-o lentamente e li o nome em voz alta para que todos pudessem ouvir.

"Dra. Sofia."

O silêncio que se seguiu foi ainda mais profundo do que antes. Se a minha decisão de tirar a sorte foi chocante, a escolha em si foi um terremoto. Dra. Sofia era a mais jovem das quatro, com a reputação de ser a mais difícil e exigente. Ela tinha poucos alunos e seus projetos eram considerados de alto risco e pouco ortodoxos. Ninguém em sã consciência a escolheria em detrimento da Dra. Beatriz.

Eu olhei para a mesa do conselho. Dra. Sofia me encarava com uma expressão indecifrável, uma mistura de surpresa e curiosidade. As outras professoras pareciam perplexas.

Mas foi a reação da Dra. Beatriz que me deu a maior satisfação. Seu sorriso confiante havia desaparecido. Seu rosto estava pálido, os lábios entreabertos em choque. A rejeição pública, a humilhação de ser preterida por uma escolha aleatória em favor de uma colega menos prestigiada, foi um golpe direto em seu ego.

No momento em que o reitor oficializou a decisão, anunciando minha escolha, a Dra. Beatriz não aguentou. Ela se levantou abruptamente, sua cadeira arrastando ruidosamente no chão, e cambaleou. Seus olhos, cheios de uma fúria incrédula, encontraram os meus por um segundo.

Então, ela desabou.

Eu observei enquanto ela era socorrida, a comoção se espalhando pelo auditório. Mas dentro de mim, não havia pena. Não havia culpa. Havia apenas um vazio gelado onde antes existia admiração.

Adeus, Dra. Beatriz.

Nesta vida, nossos caminhos não se cruzarão mais. Eu terei minha redenção, e você terá o seu nada.

            
            

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