"Laura, peço desculpas por ligar," ele disse, sua voz cansada. "Eu soube do que Beatriz tem feito. Em nome da minha família, eu peço perdão pela falta de profissionalismo dela."
"Dr. Alves, o senhor não precisa se desculpar por nada," respondi, surpresa com a ligação.
"Preciso sim," ele insistiu. "Eu tentei falar com ela. Tentei fazê-la ver a razão, mas ela está... obcecada por esse rapaz, o Pedro. Ela não escuta ninguém. Eu só quero que você saiba que nem todos nós concordamos com essa loucura. Sua escolha de orientadora é sua e de mais ninguém. Nós a respeitamos."
As palavras dele foram um pequeno consolo, mostrando que a sanidade ainda existia em algum lugar. Mas também revelaram a profundidade do problema. Se nem o próprio pai conseguia controlá-la, ninguém conseguiria.
"Eu aprecio suas palavras, Dr. Alves," eu disse com sinceridade. "Mas como o senhor disse, é uma escolha minha. Eu não quero me envolver nos assuntos pessoais da Dra. Beatriz."
"Você está certa, minha querida. Absolutamente certa," ele suspirou. "Apenas... tome cuidado. Quando Beatriz fica assim, ela pode ser... imprudente."
O aviso dele provou ser profético.
No final daquela semana, eu estava trabalhando até tarde no laboratório da Dra. Sofia. Estávamos montando um novo equipamento, um espectrômetro de massa customizado que havia chegado naquele dia. A máquina era pesada e delicada, e estávamos seguindo o manual de instalação com o máximo cuidado.
Por volta das nove da noite, a porta do laboratório se abriu. Eram Beatriz e Pedro. Eles não pareciam estar ali para me confrontar. Na verdade, eles mal me notaram. Estavam rindo, agindo como um casal de adolescentes. Pedro carregava uma garrafa de champanhe.
"Uma celebração antecipada, meu amor," ele disse alto, beijando Beatriz ruidosamente. "À minha nova posição como pesquisador sênior!"
Beatriz riu, encantada. "Eu te disse que conseguiria, não disse?"
Eles se acomodaram em um canto do laboratório, abrindo a garrafa com um 'pop' e brindando, completamente alheios ao fato de que aquele era um espaço de trabalho, e que eu e Sofia estávamos ali. A falta de respeito era gritante.
Dra. Sofia os fuzilou com o olhar. "Este é um laboratório, não um bar. Peço que se retirem."
"Relaxe, Sofia," Beatriz disse com desdém. "Estamos apenas comemorando. Não se preocupe, não vamos quebrar nenhum dos seus brinquedinhos."
Pedro, claramente embriagado pelo champanhe e pela atenção de Beatriz, começou a dançar pelo laboratório, fingindo ser um toureiro e usando seu paletó como uma capa. Era uma cena grotesca e perigosa.
"Pedro, pare com isso!" Beatriz riu, mas não fez nenhum esforço real para detê-lo.
Eu e Sofia tentamos ignorá-los e nos concentrar em nosso trabalho. Estávamos ajustando a posição final do espectrômetro, que estava sobre um carrinho hidráulico pesado. Eu estava posicionada atrás do carrinho, guiando-o para o lugar, enquanto Sofia operava os controles.
Foi quando o desastre aconteceu.
Pedro, em sua dança estúpida, tropeçou em um cabo de energia no chão. Ele tentou se equilibrar, mas acabou se chocando contra uma estante alta de metal, cheia de caixas pesadas de suprimentos e reagentes.
Tudo aconteceu em câmera lenta.
A estante balançou violentamente. As caixas começaram a cair. Uma delas, uma caixa de madeira maciça contendo peças de vácuo, despencou diretamente na minha direção.
Eu congelei. Meu corpo não respondia. A imagem da caixa caindo se misturou com as memórias da minha morte, do meu corpo exausto finalmente cedendo.
"LAURA, CUIDADO!" gritou Sofia.
Mas o grito que mais se destacou não foi o dela. Foi o de Beatriz.
"PEDRO! Você se machucou?"
No momento de crise, no segundo que separava a vida da morte, o instinto dela foi correr para o seu amante. Pedro havia apenas arranhado o braço na estante ao cair. Ele não estava em perigo real.
Eu, por outro lado, estava prestes a ser esmagada.
Beatriz correu até Pedro, agachando-se ao seu lado, inspecionando seu arranhão com pânico no rosto, completamente alheia a mim, ao perigo mortal que se aproximava a centímetros da minha cabeça. Sua negligência era tão absoluta, tão chocante, que confirmou tudo o que eu já sabia sobre ela. Naquele momento, para ela, eu não existia.
A sombra da caixa caindo me engoliu. Eu fechei os olhos, esperando o impacto que me levaria de volta à escuridão.