A Luta Pela Filha
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Capítulo 1

A luz do hospital era branca e fria, zumbindo de um jeito que parecia perfurar meus pensamentos. O cheiro de antisséptico enchia o ar, um cheiro que eu passaria a associar para sempre à pior noite da minha vida.

O médico falou, mas as palavras dele eram um ruído abafado, distante. Eu só conseguia focar em uma frase que ele repetiu, como se tentasse se certificar de que eu havia entendido.

"Sua filha, Sofia, sofreu um traumatismo craniano grave. Ela está em coma."

Minha filha. Minha pequena Sofia, de apenas sete anos. A imagem dela rindo naquela manhã, com o cabelo preso em um rabo de cavalo torto que ela mesma tinha feito, invadiu minha mente.

Ela tinha sofrido um acidente. Atropelamento e fuga. Foi o que a polícia disse.

Meu mundo desabou. Cada som, cada luz, cada respiração parecia um ataque. Eu me apoiei na parede, o chão parecia instável sob meus pés.

Então, minha esposa, Alice, chegou.

Ela caminhou pelo corredor com seus saltos caros fazendo um barulho seco e preciso, um som que não combinava com a angústia de um hospital. Ela é advogada, e sempre se portou como se estivesse em um tribunal, mesmo em casa.

Ela olhou para mim, e seus olhos não tinham lágrimas. Tinham cálculo.

"Pedro, onde você estava quando isso aconteceu?"

A pergunta dela não era de uma mãe preocupada. Era um interrogatório.

"Eu... eu estava no estúdio, finalizando o código. Você sabe disso, Alice. Eu te mandei uma mensagem."

"Uma mensagem", ela repetiu, o tom de voz dela era puro desprezo. "Uma mensagem não protege uma criança, Pedro. Você deveria estar com ela. Onde ela estava?"

"No parquinho perto de casa. Ela só queria brincar um pouco antes do jantar." Minha voz falhou. A culpa me atingiu como uma onda, uma culpa que todo pai sente quando algo terrível acontece com seu filho.

Alice se aproximou. Seu perfume caro se misturou com o cheiro do hospital, criando uma combinação enjoativa.

"A polícia vai querer falar com você. É melhor ter uma história clara. Eles vão perguntar por que você a deixou sozinha. Vão perguntar sobre nosso relacionamento. Sobre as brigas."

Fiquei chocado, olhando para ela sem entender. "Brigas? Alice, que brigas? O que você está dizendo?"

"Não se faça de inocente, Pedro. Você sabe muito bem do que estou falando."

Ela se virou e foi falar com o médico, me deixando ali, paralisado pela frieza dela. A mulher com quem eu era casado há quase uma década, a mãe da minha filha que estava lutando pela vida em uma cama de hospital, estava me tratando como um criminoso.

Horas se passaram. Eu não saí do lado de fora da UTI, olhando pelo pequeno vidro da porta, vendo o corpo imóvel de Sofia, cercado por máquinas que apitavam ritmicamente. Cada apito era uma tortura.

Meu celular vibrou no bolso. Era uma notificação de que o armazenamento em nuvem estava cheio. Eu tinha o hábito de gravar notas de voz para o desenvolvimento dos meus jogos, e o aplicativo estava configurado para fazer backup automático.

Abri o aplicativo para apagar alguns arquivos antigos e liberar espaço. Meus dedos tremiam. Vi a última gravação. Tinha mais de duas horas de duração. Eu devo ter esquecido de parar. Começava comigo falando sobre uma nova mecânica de jogo.

Eu ia apagar, mas hesitei. Por algum motivo, apertei o play. Ouvi minha própria voz por alguns minutos, e então um silêncio. Eu devia ter colocado o celular no bolso e esquecido.

E então, ouvi outras vozes.

A voz de Alice. E a voz de um homem.

Lucas Costa. O ex-namorado dela. Meu maior rival na indústria de jogos.

Meu coração parou.

"O plano está funcionando perfeitamente, Alice", dizia a voz de Lucas, suave e venenosa. "O idiota do Pedro está no hospital agora, provavelmente se afogando em culpa."

A voz de Alice respondeu, fria como gelo. "Ele precisa pagar. Não só por ter roubado você de mim, mas por tudo. Ele vai perder a empresa, a reputação e, se tivermos sorte, a liberdade."

Meu estômago se revirou. Eu não conseguia respirar.

"E a garota?", perguntou Lucas. "Temos certeza de que ela não vai... acordar e falar alguma coisa?"

Houve uma pausa. O silêncio foi mais aterrorizante do que qualquer palavra.

"Eu rezei para que não", disse Alice. A voz dela era um sussurro cruel, desprovido de qualquer emoção. "Seria... mais limpo se ela não acordasse. O sofrimento dele seria eterno. E a guarda ficaria fora de questão. O projeto dele, o 'Éden Digital', seria nosso sem nenhuma complicação."

Eu deixei o celular cair. O aparelho bateu no chão com um baque surdo.

Minha esposa. A mãe da minha filha. Ela não queria que Sofia acordasse. Ela estava conspirando com o ex-namorado para me destruir, para roubar meu trabalho, e estava usando nossa própria filha, que estava entre a vida e a morte, como uma peça nesse jogo doentio.

A gravação continuou, a voz de Lucas agora cheia de arrogância. "Ele nunca vai entender. Ele pensa que você o amou."

"Amor?", Alice riu, uma risada curta e amarga que me causou calafrios. "Eu nunca o perdoei, Lucas. Nunca. Ele me drogou naquela festa, anos atrás. Foi assim que ele me engravidou. Foi assim que ele me separou de você. Ele me prendeu a ele com uma criança."

Uma tontura me atingiu com força. A acusação era tão absurda, tão monstruosa, que meu cérebro se recusou a processá-la. Eu nunca faria uma coisa dessas. Eu a amava. Ou pelo menos, eu achava que amava a mulher que eu pensava que ela era.

Aquele rancor antigo, uma mentira que ela alimentou por anos, era o combustível para essa traição.

Levantei-me, minhas pernas como se fossem de chumbo. Caminhei de volta para o corredor, o som da gravação ainda ecoando na minha cabeça. Vi Alice através do vidro, olhando para Sofia. Sua expressão era indecifrável.

Quando ela se virou e me viu, seu rosto se fechou. Ela veio em minha direção.

"O que foi, Pedro? Parece que viu um fantasma."

"Eu ouvi, Alice", minha voz saiu rouca, um sussurro carregado de dor e fúria. "Eu ouvi tudo."

O pânico brilhou nos olhos dela por um segundo, mas foi rapidamente substituído por uma máscara de desprezo.

No meu bolso, meus dedos se fecharam em volta da chave de casa. Nela, havia um pequeno chaveiro, uma foto em acrílico. Era uma foto nossa, de nós três, no primeiro aniversário de Sofia. Nós estávamos sorrindo. Uma família feliz.

Puxei a chave do bolso. Olhei para a foto, para a mentira que ela representava. E então, na frente dela, com toda a força que consegui reunir, eu quebrei o pequeno porta-retrato. O acrílico estalou e se partiu em dois, a imagem da nossa família feliz rasgada ao meio.

O som da pequena destruição ecoou no corredor silencioso.

O mundo que eu conhecia, a família que eu achava que tinha, tudo havia se quebrado junto com aquele pedaço de plástico.

E a guerra estava apenas começando.

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