A Luta Pela Filha
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Capítulo 2

A dor da traição era uma ferida aberta, mas a imagem de Sofia deitada naquela cama me impedia de desmoronar. Eu não podia me dar ao luxo de quebrar. Não ainda. Minha filha precisava de mim.

Engoli a raiva e o desespero, transformando-os em uma armadura fria. Eu precisava ser forte. Por ela.

Passei a noite em uma cadeira desconfortável no corredor, recusando-me a sair de perto da UTI. Alice desapareceu por algumas horas e voltou com uma expressão ainda mais dura. Eu a ignorei. O silêncio entre nós era pesado, cheio de palavras não ditas e ódio mútuo.

Na manhã seguinte, quando saí do hospital para tomar um café e tentar colocar meus pensamentos em ordem, fui cercado.

Repórteres. Câmeras. Microfones empurrados na minha cara.

"Sr. Santos! É verdade que você é o principal suspeito no acidente da sua filha?"

"Fontes dizem que você e sua esposa estavam brigando muito. O acidente foi uma tentativa de vingança?"

"Você abusava da sua filha, Sr. Santos?"

As perguntas eram como socos. Fiquei cego pelas luzes das câmeras, surdo pelo barulho das vozes. Como eles sabiam? Quem...

Então eu o vi.

Lucas Costa estava parado atrás dos repórteres, com uma expressão de falsa preocupação no rosto. Ao lado dele, Alice, com os olhos vermelhos, parecendo uma mãe em luto. Era uma atuação digna de um Oscar.

Ela tinha vazado a "informação". Ela e Lucas tinham me jogado aos leões.

A raiva que eu estava reprimindo explodiu.

"Foi ele!", gritei, abrindo caminho entre os jornalistas e apontando para Lucas. "Ele fez isso! Ele machucou minha filha!"

Lucas levantou as mãos, fingindo estar chocado. "Pedro, acalme-se. Você está passando por muita coisa. Ninguém está te culpando."

"Mentiroso!", avancei na direção dele, a adrenalina correndo nas minhas veias. "Você planejou tudo isso com ela!"

Antes que eu pudesse alcançá-lo, seguranças do hospital me agarraram. Eu me debati, mas eram muitos.

Lucas se aproximou, o rosto contorcido em uma máscara de piedade. "Eu entendo sua dor, Pedro. Mas culpar os outros não vai ajudar."

"Eu tenho provas!", gritei, lutando contra os homens que me seguravam. "Eu tenho uma gravação! A sua voz, Lucas! E a sua, Alice! Confessando tudo!"

Alice deu um passo à frente, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto perfeitamente maquiado. Sua voz era a de uma vítima.

"Ele está delirando", disse ela aos repórteres. "O choque foi demais para ele. Ele tem um histórico de comportamento instável. Essa 'gravação' é provavelmente algo que ele editou, ele é um desenvolvedor de jogos, sabe como manipular áudio."

A multidão se virou contra mim. Os sussurros se tornaram acusações. Eu era o monstro. O pai louco e violento.

"É mentira!", eu berrei. "Eu vou mostrar para a polícia! Vocês vão para a cadeia!"

Lucas sorriu, um sorriso quase imperceptível, cheio de vitória. "Por favor, mostre. Estamos ansiosos para ouvir." Ele sabia que a acusação de Alice sobre manipulação de áudio plantaria a semente da dúvida. Em uma batalha de credibilidade entre um "pai instável" e uma "advogada respeitável", eu não tinha chance.

A polícia chegou, não para me ajudar, mas para me conter.

Fui levado para a delegacia para um "depoimento formal". Alice foi comigo, não como minha esposa, mas como minha adversária.

Na sala de interrogatório, a presença dela era opressora. Ela sentou-se ao lado do detetive, oferecendo "assistência legal" como a esposa preocupada, mas cada palavra que ela dizia era uma faca nas minhas costas.

"Oficial", disse ela, com a voz calma e controlada, "meu marido, Pedro, tem estado sob imensa pressão ultimamente. O projeto do jogo dele não está indo bem. Ele tem bebido mais do que o habitual."

Era uma mentira descarada. Meu projeto, "Éden Digital", estava prestes a ser o maior sucesso da minha carreira. E eu mal bebia.

"Ele desenvolveu uma... fixação doentia em Lucas Costa, meu antigo amigo", continuou ela. "Ele acredita que Lucas quer roubar seu trabalho. É uma paranoia. Eu temo que essa pressão o tenha levado a um colapso."

Ela estava construindo uma narrativa. Peça por peça. Me pintando como um homem ciumento, fracassado e mentalmente instável. Um homem capaz de machucar a própria filha em um acesso de raiva ou desespero.

Eu entreguei meu celular, insisti para que ouvissem a gravação. O detetive ouviu com uma expressão séria.

Quando terminou, ele olhou para Alice.

"Como advogada, Sra. Silva, você sabe que uma gravação obtida sem o consentimento das partes tem validade questionável em tribunal", disse Alice antes que ele pudesse falar. "Além disso, como mencionei, Pedro é um especialista em tecnologia. Criar uma 'deepfake' de áudio não seria difícil para ele."

O detetive me olhou com suspeita. A semente da dúvida havia sido plantada.

"Eu juro que é real", eu disse, a voz cheia de desespero.

Alice balançou a cabeça tristemente. "Eu queria poder acreditar em você, Pedro. Eu realmente queria."

Ela era a imagem da esposa traída e sofredora. E eu, o vilão da história dela.

A porta se abriu e outro policial entrou, entregando um papel ao detetive.

Ele leu e seu rosto ficou ainda mais sombrio.

"Sr. Santos, acabamos de receber uma declaração assinada. Uma testemunha ocular afirma ter visto você discutindo acaloradamente com sua filha no parque, momentos antes do acidente. A testemunha diz que você a agarrou pelo braço e a forçou a ir com você."

Meu queixo caiu. "Isso é impossível! É mentira!"

"A testemunha é bastante credível", disse o detetive, olhando para Alice.

Eu segui o olhar dele. E entendi.

"Foi você", sussurrei, olhando para Alice. "Você arrumou uma testemunha falsa."

Ela não respondeu. Apenas me olhou com aqueles olhos frios e calculistas. Ela, uma advogada, usando seu conhecimento da lei para me destruir. Ela não estava apenas me traindo como esposa, estava me destruindo como advogada, usando todas as ferramentas do seu ofício para me enterrar.

Naquele momento, na fria sala de interrogatório, sob as luzes fluorescentes, eu percebi que estava completamente sozinho. Preso em uma teia de mentiras tecida pela mulher que eu um dia amei.

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