Meu contrato vitalício, o amor dos torcedores, o carinho da minha "família" do clube, tudo desapareceu. O sistema que me dava uma recuperação física sobre-humana, que me ligava a esta família, agora mostrava um contador de afeto zerado. Minha missão de me tornar uma lenda do Flamengo estava acabada.
"Kieran, você é um ingrato," o presidente gritou, com o rosto vermelho de raiva. "Você só pensa em dinheiro e fama, sugando os recursos que deveriam ser de outros jovens, como o Leonel!"
Sua esposa, a mulher que eu considerava uma mãe, olhava para mim com desprezo.
"A competição com você está a matar o Leonel. A saúde frágil dele não aguenta."
Eu fiquei ali, isolado, o calor da família que eu conhecia substituído por um frio cortante. A única pessoa que parecia estar do meu lado era a minha noiva, Raegan Hayes, a fisioterapeuta mais famosa do Rio de Janeiro. Ela segurou a minha mão, mas o seu toque não tinha o calor de antes.
Ela olhou para mim, os seus olhos antes cheios de amor, agora frios e calculistas.
"Kieran, se você doar um dos seus pulmões para o Leonel, eu caso com você."
A proposta dela atingiu-me com a força de um soco. Eu não conseguia acreditar no que estava a ouvir. A mulher que eu amava estava a pedir-me para sacrificar a minha carreira, a minha saúde, pela vida de outro homem.
"O quê?"
"Com o seu Sistema de Legado, você pode viver bem com um pulmão só," ela disse, a sua voz calma e racional, o que a tornava ainda mais cruel. "O Leonel vai morrer sem um transplante. Pense nisso. Depois da cirurgia, o clube vai aceitá-lo de volta. A sua missão de se tornar uma lenda será cumprida. Seremos uma família feliz."
Eu olhei para o medidor de afeto dela no meu sistema. Zero. Um zero frio e absoluto. Eu ri, um som amargo que arranhou a minha garganta.
"Tudo bem. Eu faço isso."
Eu não disse isso por esperança. Eu disse isso para pagar a dívida que sentia ter com o clube que me criou. Para acabar com tudo de uma vez por todas.
O meu corpo doeu. Uma dor aguda no peito, um aviso do sistema. A missão estava a falhar, e a minha vida estava a esgotar-se. Eu percebi a verdade: o meu amor, a minha lealdade, tudo era apenas uma ferramenta para eles.
Fui para o meu quarto, o quarto que o presidente me tinha dado na sua mansão. Peguei nas fotografias. Eu, o presidente e a sua esposa, sorrindo no Maracanã. Eu e a Raegan, abraçados na praia. Memórias de uma vida que agora parecia uma mentira. Rasguei cada uma delas em pedaços pequenos, vendo o passado transformar-se em lixo nas minhas mãos.
A minha vida tinha sido um sonho. Órfão, acolhido pelo clube mais poderoso do Brasil, tratado como um príncipe. Então, Leonel apareceu. Frágil, doente, mas com um talento para a manipulação que superava o meu talento para o futebol. Ele sussurrou nos ouvidos do presidente e da sua esposa, pintando-me como um vilão ganancioso.
E a Raegan, a minha Raegan, que me prometeu apoio eterno, apaixonou-se pela fragilidade dele. Ela tornou-se a sua cúmplice.
No dia do meu aniversário, ninguém se lembrou. O presidente confrontou-me com um documento. Um termo de doação que dizia que eu estava a doar o meu pulmão por culpa e arrependimento.
"Assine," ele ordenou.
"Não. Eu não sou culpado de nada."
A sua mão voou e atingiu o meu rosto com força. Eu caí, o gosto de sangue na minha boca.
"Seu ingrato!"
O telemóvel da Raegan tocou. Era o Leonel. Ela olhou para mim, caído no chão, e depois para o telemóvel.
"Leonel? Estou a caminho."
Ela saiu, deixando-me ali, ferido e sozinho. Ela correu para a festa de aniversário surpresa do Leonel, onde ele recebeu as chaves de um apartamento de luxo na Barra da Tijuca como presente dos meus "pais".
Eu, ferido e esquecido, peguei no meu telemóvel e liguei para uma ambulância.
"Sistema," eu disse em voz baixa, enquanto a dor se espalhava pelo meu corpo. "A missão falhou. Encontre-me um novo objetivo."
A voz do sistema respondeu na minha mente. "Analisando... Novo objetivo definido: Tornar-se o maior jogador do mundo."
Mesmo que fosse noutro lugar. Longe daqui.