Capítulo 5 5 - Linhas Que Se Cruzam

[Ponto de Vista: Luna]

Na manhã seguinte, Luna chegou à cafeteria quinze minutos antes da abertura. Havia algo de reconfortante no silêncio do lugar antes do barulho das xícaras, dos talheres e das conversas alheias.

Ligou a vitrola, organizou o balcão, alinhou os açucareiros. O movimento automático das mãos contrastava com o tumulto que carregava no peito.

Não sabia se Theo voltaria. E parte dela achava que seria melhor se ele não voltasse.

Mas às 9h02, o sino da porta tocou. E ela nem precisou olhar para saber que era ele.

Theo Montenegro. Terno cinza, expressão contida, presença firme.

Foi direto para a mesma mesa. Sentou-se, como sempre. Mas não olhou ao redor procurando por ela.

Porque ela já estava ali.

- Bom dia - disse Luna, mantendo a compostura.

- Bom dia - respondeu ele, sem disfarçar o leve alívio que atravessou seu rosto. - Pensei que tivesse sumido.

- Tive um dia fora. Emergência de família.

Ele assentiu, como quem já sabia, mas preferia ouvir da boca dela.

- Como está sua mãe?

- Está... estável. Por enquanto.

- E você?

Ela parou por um instante. Não sabia o que responder a isso.

- Aparentemente, de pé.

Theo sorriu com respeito.

- Parece o suficiente, por enquanto.

Luna pousou a xícara com suavidade sobre a mesa.

- Seu café. Forte. Sem açúcar.

- Como minha reputação - disse ele, com um ar de provocação leve.

- E tão quente quanto seus segredos?

Ela ergueu a sobrancelha. Theo riu. Aquela risada contida, quase rarefeita.

- Talvez.

A tensão entre eles ainda estava ali. Mas agora vinha misturada com um tipo de familiaridade perigosa. Como se os dois soubessem que estavam avançando por terreno movediço - e ainda assim continuassem caminhando.

-

[No balcão – minutos depois]

- Ele veio? - perguntou Natasha, surgindo com a bandeja na mão, fingindo surpresa.

- Sim.

- Pena que você faltou ontem. Ele tava... diferente. Mais falante. Até perguntou de você.

- Que bom que alguém respondeu por mim - disse Luna, com um leve sorriso.

- Só fui educada - rebateu Natasha, inclinando-se no balcão. - Mas sabe como é, né? Gente ocupada demais costuma perder oportunidades.

Luna não respondeu.

Mas alguma coisa se remexeu por dentro.

-

[Ponto de Vista: Theo]

Ele ficou ali por mais de uma hora. Mais do que o habitual.

A cada visita, parecia menos um homem matando o tempo e mais alguém tentando criá-lo.

A cada resposta seca de Luna, ele via não frieza, mas contenção. Um cuidado para não deixar a porta aberta demais. E ele respeitava isso.

Mas também sentia: alguma coisa nela já o deixara entrar.

Enquanto mexia no celular, uma notificação piscou no canto da tela: e-mail marcado como URGENTE. Theo ignorou. Preferiu observar Luna, do outro lado da sala, rindo de algo que uma criança dissera ao avô.

Aquela mulher parecia carregar o caos com uma graça que desafiava tudo que ele conhecia.

E isso... o atraía mais do que gostaria de admitir.

-

[No fim do turno]

Luna vestia o casaco já com as mãos geladas quando ouviu a voz atrás de si.

- Posso te acompanhar até a esquina?

Ela virou-se. Theo estava ali, sem pasta de trabalho, sem pressa.

- Não precisa.

- Eu sei.

Ela hesitou. Estava cansada. Mas aceitar ou não parecia ter peso demais. Então apenas assentiu com a cabeça.

Caminharam em silêncio por alguns metros. O céu estava cinza, mas a rua brilhava com a luz dos postes refletida nas poças da chuva da tarde.

- Sabe, eu nunca perguntei - disse ele. - Você tem um sonho?

- Tenho - respondeu. - Dormir oito horas seguidas.

Ele riu.

- Justo.

- E você? Tem algum?

Theo pareceu pensar por um momento.

- Ter uma conversa como essa... sem me perguntarem quanto ganho, o que escondo ou com quem estou dormindo.

Luna o encarou por alguns segundos.

- Então boa noite, Theo. Porque eu não vou perguntar nenhuma dessas coisas.

E cruzou a rua.

Deixando-o ali, parado, no meio da calçada - como se, por um instante, o homem mais poderoso da cidade não soubesse muito bem o que fazer com a própria solidão.

No dia seguinte, Natasha chegou mais cedo que o habitual. Mais maquiada. Mais falante.

Carregava um envelope nas mãos. E um plano nos olhos.

Luna não viu.

Mas o leitor viu.

E era apenas o começo.

                         

COPYRIGHT(©) 2022