/0/16386/coverbig.jpg?v=11576d96975a1dc9ec0179b076915c93)
[Ponto de Vista: Luna]
Na manhã seguinte, Luna chegou à cafeteria quinze minutos antes da abertura. Havia algo de reconfortante no silêncio do lugar antes do barulho das xícaras, dos talheres e das conversas alheias.
Ligou a vitrola, organizou o balcão, alinhou os açucareiros. O movimento automático das mãos contrastava com o tumulto que carregava no peito.
Não sabia se Theo voltaria. E parte dela achava que seria melhor se ele não voltasse.
Mas às 9h02, o sino da porta tocou. E ela nem precisou olhar para saber que era ele.
Theo Montenegro. Terno cinza, expressão contida, presença firme.
Foi direto para a mesma mesa. Sentou-se, como sempre. Mas não olhou ao redor procurando por ela.
Porque ela já estava ali.
- Bom dia - disse Luna, mantendo a compostura.
- Bom dia - respondeu ele, sem disfarçar o leve alívio que atravessou seu rosto. - Pensei que tivesse sumido.
- Tive um dia fora. Emergência de família.
Ele assentiu, como quem já sabia, mas preferia ouvir da boca dela.
- Como está sua mãe?
- Está... estável. Por enquanto.
- E você?
Ela parou por um instante. Não sabia o que responder a isso.
- Aparentemente, de pé.
Theo sorriu com respeito.
- Parece o suficiente, por enquanto.
Luna pousou a xícara com suavidade sobre a mesa.
- Seu café. Forte. Sem açúcar.
- Como minha reputação - disse ele, com um ar de provocação leve.
- E tão quente quanto seus segredos?
Ela ergueu a sobrancelha. Theo riu. Aquela risada contida, quase rarefeita.
- Talvez.
A tensão entre eles ainda estava ali. Mas agora vinha misturada com um tipo de familiaridade perigosa. Como se os dois soubessem que estavam avançando por terreno movediço - e ainda assim continuassem caminhando.
-
[No balcão – minutos depois]
- Ele veio? - perguntou Natasha, surgindo com a bandeja na mão, fingindo surpresa.
- Sim.
- Pena que você faltou ontem. Ele tava... diferente. Mais falante. Até perguntou de você.
- Que bom que alguém respondeu por mim - disse Luna, com um leve sorriso.
- Só fui educada - rebateu Natasha, inclinando-se no balcão. - Mas sabe como é, né? Gente ocupada demais costuma perder oportunidades.
Luna não respondeu.
Mas alguma coisa se remexeu por dentro.
-
[Ponto de Vista: Theo]
Ele ficou ali por mais de uma hora. Mais do que o habitual.
A cada visita, parecia menos um homem matando o tempo e mais alguém tentando criá-lo.
A cada resposta seca de Luna, ele via não frieza, mas contenção. Um cuidado para não deixar a porta aberta demais. E ele respeitava isso.
Mas também sentia: alguma coisa nela já o deixara entrar.
Enquanto mexia no celular, uma notificação piscou no canto da tela: e-mail marcado como URGENTE. Theo ignorou. Preferiu observar Luna, do outro lado da sala, rindo de algo que uma criança dissera ao avô.
Aquela mulher parecia carregar o caos com uma graça que desafiava tudo que ele conhecia.
E isso... o atraía mais do que gostaria de admitir.
-
[No fim do turno]
Luna vestia o casaco já com as mãos geladas quando ouviu a voz atrás de si.
- Posso te acompanhar até a esquina?
Ela virou-se. Theo estava ali, sem pasta de trabalho, sem pressa.
- Não precisa.
- Eu sei.
Ela hesitou. Estava cansada. Mas aceitar ou não parecia ter peso demais. Então apenas assentiu com a cabeça.
Caminharam em silêncio por alguns metros. O céu estava cinza, mas a rua brilhava com a luz dos postes refletida nas poças da chuva da tarde.
- Sabe, eu nunca perguntei - disse ele. - Você tem um sonho?
- Tenho - respondeu. - Dormir oito horas seguidas.
Ele riu.
- Justo.
- E você? Tem algum?
Theo pareceu pensar por um momento.
- Ter uma conversa como essa... sem me perguntarem quanto ganho, o que escondo ou com quem estou dormindo.
Luna o encarou por alguns segundos.
- Então boa noite, Theo. Porque eu não vou perguntar nenhuma dessas coisas.
E cruzou a rua.
Deixando-o ali, parado, no meio da calçada - como se, por um instante, o homem mais poderoso da cidade não soubesse muito bem o que fazer com a própria solidão.
No dia seguinte, Natasha chegou mais cedo que o habitual. Mais maquiada. Mais falante.
Carregava um envelope nas mãos. E um plano nos olhos.
Luna não viu.
Mas o leitor viu.
E era apenas o começo.