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Entre cafés e diamantes

Grasielle
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Capítulo 1 1 – Um café, dois mundos

[Ponto de Vista: Luna]

O sino na porta do Jazz & Café soou pela terceira vez naquela manhã nublada. Luna não se virou. Era, provavelmente, o Sr. Gaspar, com seu habitual chapéu de lã e o pedido de croissant de amêndoas com cappuccino sem espuma.

- O de sempre, Sr. Gaspar? - perguntou ela, com um sorriso suave, equilibrando uma bandeja com dois cafés e um muffin de blueberry.

- Você leu minha mente, minha querida - respondeu ele, pendurando o casaco úmido no cabide junto à porta e se ajeitando com lentidão na cadeira de sempre, perto da estante de livros.

O Jazz & Café ficava em uma rua charmosa e silenciosa de Elmridge, um bairro antigo com calçadas de pedra, vitrines floridas e fachadas preservadas. No interior do café, o cheiro de torra fresca e pão de fermentação natural preenchia o ambiente, misturando-se à música instrumental que saía de uma vitrola antiga no canto.

Luna trabalhava ali havia dois anos. Desde que deixara a faculdade para cuidar da irmã mais nova, Emily, e equilibrar as contas de casa com turnos duplos e noites mal dormidas. O café, comandado pela exigente mas bondosa Sra. Dalton, era mais do que um emprego - era seu refúgio.

Às 8h45, o sino tocou novamente.

E dessa vez, ela olhou.

E ficou imóvel por um instante.

Um homem alto, de postura firme, entrou com passos decididos. O terno preto ajustado, o casaco longo e a pasta de couro escura denunciavam uma figura poderosa. Ele não parecia apressado, nem relaxado. Apenas... calculado.

- Bom dia - disse Luna, mantendo o tom neutro, o profissionalismo no rosto.

- Café preto. Forte. Sem açúcar - respondeu ele, sem desviar os olhos do celular.

Frio. Pragmático. Quase robótico.

Ela virou-se em silêncio e preparou o pedido. Não era raro atender empresários por ali. Muitos trabalhavam nos prédios modernos ao sul da praça. Mas aquele homem... era diferente.

Sua presença parecia empurrar o ar para os cantos da sala. E, mesmo calado, fazia todos os sons parecerem mais baixos.

[Ponto de Vista: Theo]

Theo Montenegro não costumava frequentar lugares como aquele.

Nem por gosto. Nem por hábito. Mas precisava respirar.

A sede do Grupo Montenegro era um campo minado de escândalos recentes, repórteres, reuniões e olhares falsos. Havia contratos travados em Bruxelas, processos internos em Genebra, e um pai - Arthur Montenegro - que cobrava resultados como um general de guerra.

O Jazz & Café era o tipo de lugar onde esperavam que ele nunca entrasse. Pequeno. Discreto. Aconchegante.

E foi exatamente por isso que ele voltou.

Na terceira vez em que foi servido pela mesma garçonete - jovem, serena, de olhos escuros e postura firme - algo mudou. Ela não sorria para agradar. Não forçava simpatia. Fazia o que precisava com dignidade.

- Aqui está - disse ela, depositando o café com precisão ao lado de um guardanapo dobrado com cuidado.

Ele não respondeu.

Mas reparou.

[Ponto de Vista: Luna]

Dia após dia, ele aparecia no mesmo horário. E, aos poucos, as pequenas coisas mudavam.

No quarto dia, ele levantou os olhos para encontrá-la.

No quinto, assentiu com a cabeça ao receber o pedido.

No oitavo, murmurou algo surpreendente:

- Essa música é melhor do que a de terça.

Ela piscou. - Gosta de jazz?

- Jazz sem alma é só barulho - respondeu ele, com a voz grave e pausada.

Ela não soube o que dizer. Apenas se afastou, tentando esconder o sorriso que ameaçava escapar.

- Ele falou contigo? - cochichou Claire, colega de Luna, empolgada.

- Falou. Sobre jazz - respondeu ela, ainda surpresa.

- Isso é praticamente um milagre. O Robô de Armani está criando emoções!

- Claire...

- Tá, tá. Mas que é estranho ele vir aqui todo dia, é.

Luna não conseguia discordar.

Quem era ele, afinal?

E por que um homem claramente milionário estaria gastando as manhãs em uma cafeteria pequena, longe dos centros luxuosos da cidade?

[Ponto de Vista: Theo]

Na manhã seguinte, Theo chegou dez minutos antes da abertura.

Sentado no carro, observava a movimentação do bairro, os galhos secos das árvores balançando ao vento, os pedestres apressados.

Então a viu.

Luna, destrancando a porta do café, ajeitando os vasos, acendendo as luzes, colocando o avental com um leve suspiro. Tudo com gestos automáticos, mas firmes. Disciplinados.

Ele não sabia ainda, mas algo nele já havia mudado.

E ela... talvez começasse a perceber.

            
            

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