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A rotina tentou voltar.
Tentou.
Mas depois da noite que dividiram - pele com pele, olhos que se perderam sem medo, corações pulsando como se cada batida fosse uma súplica - era impossível fingir que nada tinha acontecido. O corpo de Isadora ainda carregava os rastros de Leonardo: o cheiro dele na fronha, o toque na cintura, o beijo na nuca, os sussurros abafados pelo travesseiro. E o bilhete. Dobrado e lido sete vezes antes de ser guardado entre as páginas de O Amante, como uma cápsula de verdade num mundo onde quase tudo era mentira.
Durante os três dias seguintes, ele não apareceu.
Nem mensagens. Nem ligações. Nada.
E Isadora soube, ainda que sem confirmação, que algo havia mudado. Que o silêncio de Leonardo não era desinteresse, mas medo. Medo do que haviam feito, do que estavam sentindo, do que isso poderia se tornar. Ela compreendia - e odiava compreender. Porque amar um homem como Leonardo era, inevitavelmente, amar também sua ausência.
Na manhã do quarto dia, enquanto Isadora organizava uma pequena pilha de romances recém-chegados, o celular vibrou sobre o balcão. Número oculto. O coração pulou, como sempre fazia desde aquela noite. Mas não era ele.
Era Beatriz.
A voz feminina do outro lado da linha era firme. Quase seca.
- Boa tarde. Falo com Isadora Almeida?
- Sim. Quem gostaria?
- Beatriz Avelar.
O nome caiu como um raio no peito de Isadora. O tempo parou. As estantes, as páginas, o mundo. Tudo emudecido pelo som daquelas três sílabas.
- Eu sei quem você é. E sei quem você... acha que o Leonardo é com você. - A voz de Beatriz não era de raiva. Era de ameaça serena. Mais assustadora que qualquer grito.
Isadora tentou responder, mas as palavras colaram na garganta.
- Não precisa dizer nada. Eu não ligo para ilusões. Já vi muitas. Sei exatamente o papel que você ocupa. E vou fingir, por enquanto, que isso foi apenas um... erro de percurso. Porque eu sou inteligente, Isadora. E mulheres inteligentes não entram em guerra por caprichos. Nós matamos com silêncio. Com estratégia. - Uma pausa. Um suspiro. - Fique longe dele. Ou eu não vou mais fingir.
A ligação caiu. Simples assim.
Isadora ficou ali, com o celular na mão e a alma esmigalhada.
Naquela noite, Leonardo apareceu.
Não na livraria. No apartamento. Com a gravata torta, os olhos vermelhos, os passos pesados.
- Ela ligou pra mim - ele disse, sem sequer um cumprimento. - Disse que falou com você. Que fez ameaças.
Isadora assentiu, tentando esconder o tremor nas mãos.
- Ela sabe. Ou desconfia o bastante. E agora?
Leonardo passou as mãos pelos cabelos, andou de um lado a outro, como quem procura uma saída num labirinto que construiu com as próprias mãos.
- Agora... agora eu preciso decidir se vou continuar vivendo como um fantasma em minha própria vida... ou se vou quebrar tudo que construí pra ter algo que nunca tive de verdade.
Isadora se aproximou. Tocou o rosto dele. Mas havia medo em seus olhos.
- Leonardo, eu não posso ser a ruína da sua vida. Não assim.
- Você é a única parte viva dela.
- Mas eu também sou a parte escondida. O risco. A ameaça ao seu nome, à sua reputação...
- Meu nome virou uma armadura que me sufoca, Isadora. E eu só respiro quando estou com você.
Ela o beijou. Um beijo sem fúria, mas com desespero. Como se quisesse salvá-lo - ou ser salva. E ele correspondeu. Mas aquele não era um beijo de prazer. Era um beijo de despedida que não ousava se pronunciar.
Na manhã seguinte, os jornais estavam diferentes.
"CEO da Avelar Group é alvo de rumores sobre traição e crise conjugal. Fontes indicam movimentações discretas de separação e tensão entre Leonardo Avelar e a esposa Beatriz."
O celular de Isadora explodiu em notificações. Ela não era citada nas matérias - mas sabia que era ela, mesmo no anonimato. As mensagens vieram. De amigos. Colegas. E, de forma mais cruel, de desconhecidos:
"Você acha que vai roubar o marido da rainha do mercado?"
"A amante do CEO. Quanto será que vale isso?"
"Você não combina com esse mundo. Vai se queimar."
Isadora desligou o celular. Vomitou. Chorou. Trancou-se em casa por dois dias. O mundo estava começando a conhecê-la, mas não como ela realmente era - e sim como a sombra de um escândalo.
Leonardo apareceu no terceiro dia.
- Eu vou me separar - disse ele, firme.
- Leonardo...
- Não adianta, Isadora. Já tentaram destruir sua imagem. Agora vão tentar a minha. E se eu não fizer nada, a próxima a ser arrasada vai ser você. Eu prefiro perder tudo... do que perder você.
Ela caiu em lágrimas.
- E se isso não for o bastante?
- Então, que queimem. Que rasguem contratos, que espalhem boatos. Eu cansei de viver por aparências. - Ele a segurou pelo rosto. - Mas eu preciso de você firme, Isadora. Porque os próximos dias vão ser... um inferno.
E foram.
Os boatos cresceram. Os sócios da empresa começaram a pressionar. A imagem pública de Leonardo começou a sofrer rachaduras. E Isadora passou a sair apenas à noite, de capuz, como se tivesse cometido um crime. A livraria foi alvo de olhares, de cochichos. E pela primeira vez, ela pensou em fechar.
O amor deles deixava marcas por onde passava. E agora, deixava feridas.
Mas mesmo no meio do caos, ele vinha.
À noite. Em silêncio. Com abraços que pediam desculpas por tudo. Com palavras que acalmavam a tempestade. E com juras que não eram mais promessas - eram planos.
Leonardo começou a se afastar da esposa. Documentos foram preparados. Advogados acionados. Mas nada vinha fácil. Beatriz não entregaria o sobrenome Avelar com facilidade. E muito menos o poder.
E numa noite de sexta-feira, Isadora recebeu a visita que mais temia.
Beatriz.
Na livraria. Impecável. Fria. Bela como uma escultura. Os olhos escondiam o veneno de uma mulher ferida - e armada.
- Eu avisei - disse ela, apoiando a bolsa sobre o balcão.
- E eu não quis acreditar - respondeu Isadora, de pé, sem se curvar.
Beatriz sorriu com escárnio.
- Você vai perdê-lo. Quando ele perceber que o amor não paga o preço do mundo que ele vive... ele vai voltar. Sempre voltam. Porque homens assim não ficam com mulheres como você.
- E que tipo de mulher sou eu?
- Uma distração. Um sonho. Mas sonhos não sustentam impérios.
Isadora respirou fundo.
- Talvez não. Mas sustentam almas. E eu prefiro uma alma viva a um império vazio.
Beatriz nada respondeu. Apenas deixou a livraria, como se a guerra tivesse acabado. Mas Isadora sabia: aquilo era só o começo.
Leonardo chegou naquela mesma noite. Encontrou-a em silêncio, sentada no chão da livraria, abraçada ao próprio corpo.
- Eu não quero te perder - ela disse, com os olhos vermelhos.
- E você não vai.
Mas ela sabia que amor, por mais forte que fosse, não era à prova de mundo. E agora o mundo inteiro estava contra eles.
A guerra tinha começado. E amar era, cada vez mais, um ato de coragem.