Ele Era Meu Destino (Mas Também Meu Fim)
img img Ele Era Meu Destino (Mas Também Meu Fim) img Capítulo 3 A primeira vida em que ele me notou
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Capítulo 6 O que você é img
Capítulo 7 A prisioneira entre lobos img
Capítulo 8 Ecos de outras vidas img
Capítulo 9 Vínculo quebrado img
Capítulo 10 Lembranças Sangradas img
Capítulo 11 A revelação img
Capítulo 12 A marca da guardiã img
Capítulo 13 A chegada de Yrene img
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Capítulo 3 A primeira vida em que ele me notou

- Eu sabia que te conhecia de algum lugar - ele repetiu, caminhando até o balcão com uma calma que beirava o perigo.

Minha garganta secou. O suor nas palmas das mãos não vinha do calor da chapa, mas do calor dele. Da presença dele.

Kael Noctis. Meu fim. De novo.

- Vai querer um café ou uma explicação? - perguntei, tentando manter a voz firme.

Ele sorriu. Devagar. Como se degustasse cada palavra.

- Os dois. Mas começo pelo café. Pode ser amargo. - E então, sentou-se no banco à frente do balcão, como se pertencesse àquele lugar. Como se pertencesse a mim.

Meu corpo inteiro protestava. Cada centímetro gritava para que eu fugisse, mas meus pés... meus pés estavam enraizados ali.

Lentamente, virei para pegar a xícara. Minhas mãos tremiam. Enquanto o café escorria da garrafa térmica, eu sentia o olhar dele cravado nas minhas costas. Ele lembrava. Mesmo sem lembrar. E isso era muito pior.

- Você trabalha aqui há muito tempo? - ele perguntou, casual, mas os olhos não sorriam.

- Só o suficiente pra saber que a maioria das pessoas que entram aqui não tem sonhos com estranhas - retruquei, deslizando a xícara para ele.

- Você não é uma estranha - ele respondeu de imediato, pegando a xícara com mãos firmes, grandes. - Eu sei disso. E você sabe disso também.

O som do sino da porta me salvou da resposta. Uma senhora entrou, acenou, sentou-se ao fundo. Tentei me ocupar, respirar. Mas ele não foi embora. Kael ficou.

Minutos passaram em silêncio tenso. Ele observava tudo - os clientes, os gestos mecânicos que eu fazia, os olhares que desviava. Eu sentia seu cheiro mesmo à distância. Madeira, vento e... lobo. Ele era um alfa. Isso me consumia de dentro pra fora.

Até que de repente, algo inesperado aconteceu. Um grito. Seguido de uma batida surda e o som da senhora do fundo caindo ao chão.

- Senhora Alzira! - gritei, correndo até ela. Estava pálida, os olhos virando, a respiração curta. - Chama uma ambulância! - gritei para a colega do caixa, já ajoelhada ao lado da cliente.

Mas Kael se adiantou.

- Me dá espaço - pediu com firmeza.

Ele tirou o casaco, ergueu a cabeça da senhora com cuidado. Os olhos estavam diferentes. Atentos. Experientes.

- Você sabe o que está fazendo? - perguntei, desconfiada.

- Sei. Já vi isso antes. É uma crise de hipoglicemia grave. Ela precisa de açúcar imediatamente. Tem mel ou refrigerante? Qualquer coisa doce?

Corri até o balcão, peguei uma garrafinha esquecida na geladeira e voltei. Ele levantou o rosto, e nossos olhos se cruzaram ali, em meio ao caos.

- Confia em mim - disse. E pela primeira vez, não soou como um pedido. Era um laço antigo se reconhecendo no presente.

Entreguei o refrigerante. Ele administrou com cuidado, murmurando palavras baixas. Na última vida, ele me entregou aos Caçadores sem hesitar. Agora... ele segura uma senhora com cuidado, como se qualquer vida fosse sagrada.

Pouco depois, a senhora tossiu. E então respirou. E foi no mesmo momento em que a ambulância chegou e a levaram, consciente. Agradecida.

Eu ainda estava parada no mesmo lugar, em choque, observando o automóvel se afastar, sentindo a presença de Kael bem ao meu lado.

- Você... salvou ela - sussurrei.

- Eu tento não deixar as pessoas morrerem - disse ele, com aquele mesmo sorriso triste de antes. - Mas você... você sempre foge antes.

Não respondi. Não tinha resposta. Sabia que ele se referia ao seu sonho, mas acima de tudo, sabia que aquilo também era de fato, uma realidade.

A lanchonete se esvaziou devagar após o incidente. A outra garçonete foi atrás dos paramédicos, esperando por notícias. Enquanto isso, ficamos sozinhos. Só eu, ele, e o silêncio que rugia como fera.

- Por que está me seguindo? - perguntei por fim. - O que você quer?

- Eu quero entender. Esses sonhos. Essas lembranças que eu nem deveria ter. Quero saber por que, toda vez que te vejo, meu peito aperta como se tivesse te perdido mil vezes.

Virei o rosto, contendo as lágrimas.

- Você nunca me teve para perder. - Rebato, mesmo sabendo que aquilo não era verdade, em todas as vidas, eu era dele.

- Lyris... o que você é? - Mesmo assim, Kael insistiu.

A pergunta me pegou de surpresa. O modo como ele olhava. Como se buscasse em mim uma verdade que ele sabia ser dele também.

- Eu sou... o erro que você vai cometer nessa vida.

Quando aquelas palavras saíram dos meus lábios, ele se aproximou, apenas um passo. Mas eu recuei dois.

- Não faz isso. Não vem mais perto.

- Por que você me teme tanto? - ele murmurou. - Eu nunca faria mal a você.

Olhei dentro dos olhos dele. Azuis. Intactos. Cheios de dor e ternura. E menti.

- Porque você já fez.

O ar se partiu entre nós.

Ele engoliu em seco, confuso. A respiração pesada. Mas não forçou. Dessa vez, apenas assentiu, como se alguma parte dele acreditasse. Como se uma memória esquecida latejasse na carne.

- Eu não vou desistir, Lyris - disse ele, caminhando até a porta. - Se existe algo entre nós, eu vou descobrir. E você também.

Antes que eu pudesse reagir, ele saiu. E tudo desabou. Eu me apoiei no balcão, as mãos trêmulas, os olhos marejados.

Kael Noctis. Meu assassino. Meu salvador. Meu destino. Outra vez.

            
            

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