Fui ao banheiro e soltei meu cabelo do coque apertado. Deixei-o cair sobre meus ombros. Em seguida, esfreguei a maquiagem mínima e "natural" do meu rosto e passei um batom vermelho ousado que não tocava desde antes de nos casarmos.
Olhando no espelho, vi uma estranha, mas uma estranha familiar. Era a Laura que eu havia enterrado.
Ao sair de casa, pensei em todas as mudanças que fiz por ele. Ele disse que preferia meu cabelo comprido, então eu o deixei crescer. Ele disse que saias curtas não eram dignas, então eu as doei. Ele disse que meus amigos eram muito barulhentos, então eu os via cada vez menos. Eu havia remodelado meu mundo inteiro para caber no dele, e ele nem havia notado.
Liguei para meu amigo, André Costa. Nos conhecíamos desde a faculdade. Sempre tivemos uma espécie de rivalidade amigável, nos desafiando nas aulas e nos esportes, mas ele sempre esteve lá quando importava. Eu não o via muito desde que me casei com Ricardo.
"Laura? É você? Quanto tempo", sua voz era calorosa e familiar.
"André, você está livre? Preciso de um drinque. Muitos drinques."
Nos encontramos em um bar no Itaim Bibi, um lugar que eu não frequentava há anos. Minhas outras amigas, Lisa e Maria, nos encontraram lá. Assim que me viram, souberam que algo estava errado.
"Meu Deus, Laura", disse Lisa, me abraçando com força. "O que aconteceu?"
Contei tudo a eles. Toda a história sórdida de Larissa, a viúva enlutada que estava lentamente tomando conta da minha vida.
Eles ouviram, suas expressões passando de choque para pura fúria.
"Ela está manipulando ele direitinho", disse Maria, batendo o copo na mesa. "Essa atuação de viúva sofredora é clássica. Faz ele se sentir um herói e faz você parecer a vilã."
"Mas por que ele está caindo nessa?", perguntei, o álcool fazendo minha cabeça girar. "Ele é tão estúpido assim?"
André ficou quieto, apenas ouvindo. Agora ele falou. "Talvez não seja sobre estupidez, Lau. Talvez seja sobre o bebê."
Todos nós olhamos para ele.
"O que você quer dizer?", perguntei.
"O bebê", ele repetiu. "Ela diz que é do irmão dele. Temos certeza disso?"
A pergunta pairou no ar, feia e afiada. Todos nós estávamos pensando nisso, mas ele foi o primeiro a dizer em voz alta.
Eu não queria acreditar. Era horrível demais. Mas a maneira como Ricardo a defendia, a maneira como ele colocava as necessidades dela acima de tudo... começou a fazer um sentido doentio.
Pedi outro drinque. E outro. O mundo começou a inclinar e a ficar embaçado. A dor era um rugido surdo em meus ouvidos. Eu só queria que parasse. A última coisa que me lembro foi de André tentando pegar minhas chaves.
Então, houve uma comoção na porta. Olhei para cima, minha visão turva.
Era Ricardo.
Ele parecia furioso. Ele caminhou até nossa mesa, seus olhos fixos em André. "O que você está fazendo com a minha esposa?"
"Levando-a para casa, já que você claramente não está", disse André, levantando-se para encará-lo.
Ricardo o ignorou. Ele agarrou meu braço, me puxando para fora do sofá. "Nós vamos embora."
Eu estava bêbada demais para protestar. Ele meio que me arrastou, meio que me carregou para fora do bar e me enfiou no carro dele. O caminho para casa foi silencioso e tenso.
Na manhã seguinte, acordei em nossa cama com uma dor de cabeça latejante. Eu ainda estava com as roupas da noite anterior.
Desci as escadas cambaleando para pegar um pouco de água. Larissa estava na cozinha, cantarolando.
Ela se virou e me deu um sorriso solidário. "Ah, você acordou. Ricardo ficou tão preocupado com você ontem à noite. Ele te carregou até a cama. Ele realmente se importa com você, sabe."
Suas palavras eram doces, mas seus olhos zombavam. Ela estava se divertindo com isso.
Então eu vi. Na bancada, ao lado da cafeteira, havia um único copo e uma caixa de analgésicos. Mas ao lado, havia uma bandeja de café da manhã chique, cheia de panquecas e frutas, claramente destinada a Larissa. Ele me trouxe um analgésico, mas preparou um banquete para ela.
Ele não me carregou para a cama porque se importava. Ele fez isso porque estava com raiva de eu estar fazendo uma cena em público. Era controle de danos.
"Ele ficou tão preocupado", repeti, minha voz pingando sarcasmo, "que me deixou uma caixa de analgésicos e depois foi fazer um café da manhã de três pratos para você?"
O sorriso de Larissa desapareceu. Ela sabia que eu tinha visto através de sua pequena performance.
"Você se acha tão esperta, não é?", eu disse, me aproximando. "Você acha que o tem enrolado no seu dedo mindinho. Mas você é apenas um parasita, Larissa. E esta casa não vai mais te alimentar."