Em seguida, comprei uma passagem só de ida para um país pequeno e desconhecido do outro lado do mundo, partindo na manhã seguinte.
Então, comecei a limpar. Percorri nosso quarto, nosso espaço compartilhado, e metodicamente o purguei da minha existência. Roupas, livros, fotos. Empilhei tudo na grande lareira de pedra da sala de estar. Encontrei uma garrafa de uísque e um isqueiro.
Observei as chamas se enrolarem em torno de uma foto nossa no dia do nosso casamento. O sorriso dele era tão brilhante, tão carismático. Uma mentira. Derramei uísque no fogo, e ele rugiu. O calor era bom na minha pele fria. Parecia purificação.
Quando terminei, já era tarde. O quarto estava estéril, impessoal, como um hotel. Tudo o que restava de mim era uma pilha de cinzas na lareira.
Verifiquei meu celular. Trinta e sete chamadas perdidas de Caio. Uma série de mensagens, cada vez mais frenéticas.
*Laurinha, onde você está?*
*Atende o celular.*
*Estou voltando pra casa.*
*LAURA.*
Assim que li a última, ouvi o carro dele cantar pneu na entrada da garagem. Momentos depois, a porta do quarto se abriu com um estrondo.
Caio estava lá, o cabelo desgrenhado, o peito arfando. Quando me viu, a tensão em seus ombros diminuiu. Uma onda de alívio inundou seu rosto.
"Graças a Deus", ele suspirou. "Eu estava tão preocupado."
Então, seu alívio se transformou em raiva. "Por que você não atendeu o celular? Eu te liguei quase quarenta vezes. Você tem alguma ideia do que eu estava pensando?"
A preocupação em sua voz era uma piada. Uma performance doentia e distorcida. Eu não sentia nada além de gelo em minhas veias.
Ele estendeu a mão para mim, e eu dei um pequeno passo para trás, um movimento sutil, quase imperceptível. Ele congelou, a mão pairando no ar entre nós.
"Meu celular estava no silencioso", eu disse, minha voz neutra. "Eu estava limpando."
Ele olhou ao redor do quarto, um lampejo de confusão em seus olhos. Ele notou os armários vazios, as superfícies nuas.
"Limpando?"
"Sim", eu disse, olhando para a lareira. "Me livrando de algumas coisas que não preciso mais."
Ele não entendeu a metáfora. Provavelmente pensou que eu estava tendo uma crise de humor. Ele sorriu, um sorriso apaziguador e paternalista que costumava me acalmar, mas que agora só me dava vontade de gritar.
"Ok, bem, fico feliz que você esteja segura", disse ele, aproximando-se novamente. Ele tirou uma pequena caixa de veludo do bolso. "Eu trouxe uma coisa pra você."
Ele a abriu. Dentro havia uma delicada pulseira de diamantes. Era linda, e eu sabia sem olhar que o fecho continha um rastreador GPS. Outra linda coleira.
"Para que eu nunca mais precise me preocupar em te perder", disse ele, a voz suave e possessiva.
Eu quis rir. Ele realmente achava que isso consertaria alguma coisa? Ele achava que uma joia poderia me acorrentar a ele depois do que eu sabia agora?
"Você sequer me ama, Caio?" A pergunta escapou antes que eu pudesse impedi-la.
Seu rosto escureceu. "Que tipo de pergunta é essa? Claro que eu te amo. Eu te amo mais que a minha própria vida."
Ele se moveu em direção à cama, desabotoando a camisa. "Eu preciso de você, Laurinha. Tive um dia longo."
A promessa familiar de sua necessidade, a coisa que um dia foi meu propósito, agora parecia uma ameaça.
"Vou tomar um banho", disse ele, seus olhos já distantes, perdidos nas necessidades de seu próprio corpo.
Ele desapareceu no banheiro. No momento em que a água começou a correr, meu celular vibrou na mesa de cabeceira. Era uma mensagem. Mas não era para mim. Era para o celular que Caio havia deixado para trás.
Um impulso estranho tomou conta de mim. Eu nunca tinha olhado o celular dele antes. Sempre pareceu uma violação. Agora, eu não me importava.
Eu o peguei. A tela de bloqueio era uma foto minha. A senha, eu adivinhei na primeira tentativa, era o meu aniversário. A ironia era tão espessa que sufocava.
Abri suas mensagens. Havia uma longa conversa com um contato chamado simplesmente "S". Meu coração martelava contra minhas costelas. Era a Sofia.
Dezenas de mensagens, todos os dias. Fotos do Leo.
*O Leo ralou o joelho hoje. Ele chorou por você.*
*Ele perguntou quando o papai ia voltar pra casa.*
*O médico disse que a febre dele baixou. Eu estava com tanto medo.*
Então eu vi as respostas de Caio. Ele usava as mesmas palavras suaves e ternas que usava comigo. As mesmas promessas. As mesmas garantias. Mas havia um desespero em suas mensagens para ela que eu nunca tinha visto antes.
Rolei para uma mensagem daquela noite.
*Sofia: Ele tossiu um pouco. Acho que está ficando doente de novo. Estou preocupada.*
*Caio: Estou a caminho. Não se preocupe. Chego aí logo. Eu resolvo tudo.*
Olhei para o horário. Era de uma hora atrás. Enquanto ele me ligava freneticamente, fingindo estar preocupado comigo.
O amor dele não era exclusivo. Não era nem mesmo especial. Era apenas um roteiro que ele usava, uma performance que ele dava para quem pudesse satisfazer suas necessidades no momento.
Deixei o celular cair na cama como se estivesse queimando minha mão. Uma dor profunda e física se espalhou pelo meu peito.
Deitei-me, puxando os cobertores sobre mim. Os lençóis de seda pareciam frios contra minha pele. Eu estava tremendo, mas não pelo frio do quarto. Era um frio que vinha de dentro, de um lugar onde o amor e a esperança tinham acabado de morrer.
A porta do banheiro se abriu. Caio saiu, uma toalha enrolada na cintura.
Ele deslizou para a cama atrás de mim, seu corpo quente pressionando minhas costas. Ele me envolveu com os braços, puxando-me para perto. "Laurinha", ele murmurou, seu hálito quente no meu pescoço.
Meu corpo inteiro ficou rígido. Cada músculo gritava em protesto. Foi uma rejeição visceral, instintiva.
"O que há de errado?", ele perguntou, a voz tingida de confusão. "Você está gelada."
Ele colocou a mão na minha testa. "Você está queimando. Está com febre."
Seu tom mudou imediatamente para um de preocupação urgente. "Precisamos ir para o hospital."
Ele começou a sair da cama, mas naquele momento, o celular dele, aquele que eu havia deixado cair na mesa de cabeceira, começou a tocar. A tela se iluminou com o nome "S".
Ele o pegou, sua expressão tornando-se séria ao atender. "O que foi?"
Ele ouviu, seu corpo tensionando. "Eu sei. Estou a caminho."
Ele desligou e olhou para mim, o rosto uma máscara de desculpa. "Laurinha, me desculpe. Há uma emergência no escritório. Uma grande. Eu tenho que ir."
Ele se inclinou e beijou minha testa. "Tem remédio no armário. Tome um pouco. Me ligue se se sentir pior. Voltarei assim que puder."
Eu não disse uma palavra. Apenas encarei a parede, meu corpo imóvel e frio.
Enquanto ele saía correndo pela porta, eu ouvi. Fracamente, através do telefone que ele agora pressionava contra o ouvido, ouvi o som de uma criança chorando.
Ele não havia escolhido o escritório. Ele os havia escolhido. Ele me deixou, queimando de febre, por sua outra família. E naquele momento, eu soube com certeza absoluta que estava finalmente, irrevogavelmente, livre.