/0/16623/coverbig.jpg?v=d838ff3518cdbead49fade06e543f35d)
Acordei em uma casa vazia. Não me surpreendeu.
Uma mensagem de André estava esperando. *'Desculpe, meu amor. A reunião se estendeu, tive que ficar na cidade. Sinto sua falta. Vou te compensar.'*
Abaixo dela, outra foto de Anabela. Uma selfie dela e de André, se beijando, com a luz da manhã entrando atrás deles. A legenda dizia: *'Ele diz que vai sentir minha falta hoje.'*
Contive a fúria que ameaçava explodir. Respondi a André com um simples: *'Ok. Se cuida.'*
A ausência dele era um presente. Me dava tempo.
Comecei a limpar. Não a arrumação de sempre. Eu o estava apagando. Juntei todas as fotos nossas, todos os presentes que ele já me deu, todos os bilhetes que ele já escreveu. Coloquei tudo em caixas e as escondi no fundo de um armário que ele nunca usava.
Fui cuidadosa. Deixei coisas suficientes à vista para que ele não suspeitasse de nada quando voltasse. Eu tinha que manter a ilusão até estar pronta.
Ele voltou para casa no dia seguinte, parecendo cansado, mas feliz.
Ele tentou me abraçar, mas eu me desviei, fingindo estar ocupada.
"Tenho uma surpresa para você," ele disse, com os olhos brilhando. Ele estava tentando comprar meu perdão por um crime que não sabia que eu havia descoberto.
"Não estou no clima, Dé."
"Para isso você vai estar," ele disse, pegando minha mão. Ele me puxou para fora de casa e para dentro de seu carro, seu aperto forte demais.
Ele dirigiu por uma hora, para fora da cidade, até uma propriedade grande e isolada. No centro dela, erguia-se um prédio novinho em folha, de última geração.
"O que é isso?", perguntei.
Ele sorriu, com o peito estufado de orgulho.
"É para você, Júlia. Seu próprio estúdio de cinema."
Ele me conduziu para dentro. Era de tirar o fôlego. Um estúdio de som, suítes de edição, uma sala de projeção. Tudo que um cineasta poderia sonhar. Era o presente mais extravagante e atencioso que ele poderia ter me dado.
E tudo foi construído sobre uma base de mentiras.
Havia pessoas lá. Sua equipe, algumas pessoas da indústria. Eles aplaudiram enquanto ele me apresentava o lugar. Todos me olhavam com inveja, sussurrando sobre como eu era sortuda por ter um marido tão dedicado.
A ironia era um gosto amargo de fel na minha boca. Esse grande gesto não era amor. Era um suborno. Uma jaula dourada de vidro e aço. Ele estava tentando me acorrentar a ele com meus próprios sonhos.
Algumas semanas depois, eu estava no set, tentando trabalhar. Era difícil focar, mas o processo de criar, de dirigir, era a única coisa que me fazia sentir remotamente como a minha antiga eu.
André me visitava com frequência, observando-me das laterais com um sorriso satisfeito, como se fosse o mestre daquele pequeno universo que ele havia criado para mim.
Um dia, Anabela apareceu. Ela entrou no meu set como se fosse a dona do lugar, com um olhar arrogante no rosto.
"Que passatempo adorável," ela disse, olhando ao redor com desdém. "O André é tão generoso."
"Saia do meu set, Anabela," eu disse, minha voz baixa e perigosa.
Ela apenas riu. "Isso aqui é propriedade dele, querida. Eu posso ir onde eu quiser."
Ela ficou por ali o dia todo, uma presença venenosa, observando cada movimento meu. Tentei ignorá-la, focando em uma cena complicada que envolvia uma câmera montada em uma grua.
Durante um intervalo, eu a vi conversando com um maquinista júnior perto do painel de controle da grua, fingindo um interesse animado no equipamento. Mais tarde, durante um momento de caos organizado enquanto nos preparávamos para a próxima tomada, notei que ela passou de raspão pelo console novamente. Ignorei, pensando que ela estava apenas no caminho. Esse foi o meu erro.
Quando começamos a filmar de novo, eu estava posicionada sob a grua, guiando o ator. De repente, ouviu-se um terrível som de rangido. O braço da grua tremeu e depois balançou descontroladamente, fora de controle.
"Cuidado!", alguém gritou.
O caos explodiu. As pessoas se espalharam. Olhei para cima e vi um pesado equipamento de iluminação, deslocado pela grua em movimento, caindo diretamente em minha direção.
Não tive tempo de me mover. O mundo explodiu em um clarão de luz e um universo de dor.
A última coisa que me lembro antes de apagar foi o som de André gritando. Mas ele não estava gritando meu nome.
Ele estava gritando: "Anabela!"