Galina entra sem fazer barulho. A governanta desta casa desde antes de eu aprender a escrever meu nome. Sabe quando falar, sabe quando calar.
Galina: O conselho já chegou, senhor.
Assinto. Ela some como um fantasma treinado.
Os passos dos capos chegam antes deles, solas firmes, perfumes caros tentando esconder o cheiro de pólvora de cada um. Viktor Sokolov (velho, língua afiada, avesso a novidades), Yakov Barinov (religioso, mas com contas sujas), Gregor Moroz (sóbrio, estrategista), Pavel Chernov (o cão de briga), e Miguel Caetano (o estrangeiro inteligente que aprendeu a sobreviver entre russos). Outros se juntam, todos com a mesma expressão de homens que vieram ouvir uma sentença e tentar mudá-la.
Sento. Coloco as mãos sobre a mesa. Não peço silêncio; ele vem sozinho.
Viktor: Fomos chamados de madrugada. Imagino que seja importante.
Mikhail: É definitivo.
Pavel: Definitivo como... cancelar o noivado com a filha de Yossef Zaitseva?
Viktor levanta o queixo, satisfeito por ter tirado a primeira pedra do bolso.
Mikhail: O noivado político está cancelado.
O ar muda. É visível, quase palpável: uma corrente fria atravessando homens que achavam que controlavam os fios deste teatro.
Yakov: Os Zaitseva são velhos aliados. Isso vai custar caro.
Mikhail: O preço já foi pago. Houve uma falha com o material genético que eu mantinha sob custódia. Médicos traíram a confiança. Já tratei disso. O resultado é que uma mulher está grávida de um filho meu.
Silêncio. O tipo pesado, que mede a distância entre um erro e uma guerra.
Gregor: A mulher... quem é?
Mikhail: Luísa Andrade. Brasileira. Sem afiliações. Sem dívidas. Sem passado com este mundo.
Pavel dá uma risada curta, desrespeitosa.
Pavel: Uma civil? Vamos trocar um pacto com os Zaitseva por uma professora qualquer?
Me inclino, apenas um pouco.
Mikhail: "Qualquer" é uma palavra que você não vai usar para falar da mãe do meu herdeiro.
Pavel recua, o sorriso morrendo como lâmpada queimada.
Viktor: A solução óbvia é simples. Compramos o silêncio e o bebê. Ela some. Todos vencem.
A mesa vira mar de chumbo. É sempre assim: os velhos puxam velhas soluções. Eu olho para a mão direita - os nós alvos, a cicatriz no dedo indicador. Lembro de sangue no mármore ontem. Lembro que matei por muito menos.
Mikhail: Ninguém toca em Luísa. Ninguém toca no meu filho. E ninguém "compra" nada que me pertença.
Yakov: Você vai se casar com ela?
Mikhail: Em três dias.
Viktor: Três dias para trocar uma aliança de décadas por uma mulher que não sabemos se-
Mikhail: Três dias para o mundo entender que eu mando aqui.
Corto. Não levanto a voz. Não preciso.
Gregor, que não é burro, entra na linha certa.
Gregor: Então faremos um anúncio.
Mikhail: Hoje. Um jantar. Todos os aliados sentados à nossa mesa. Jornalistas selecionados. Câmeras onde eu quiser. A cidade inteira vai ver quem é Luísa Andrade e por que ninguém encosta um dedo nela.
Miguel, atento, balança a cabeça devagar.
Miguel: Você quer transformar isso num movimento estratégico. Não apenas pessoal.
Mikhail: Nada em mim é apenas pessoal, Miguel.
Viktor: E os Zaitseva?
Mikhail: Serão informados de que a decisão é irrevogável. Quem questionar, escolhe um lado. Quem escolher o lado errado, enterra o próprio sobrenome.
Pavel: A Sicília não vai engolir calada.
Mikhail: Que engasgue.
Yakov: Você vai precisar da bênção escoltada do conselho.
Mikhail: Não. Preciso apenas que vocês façam o que sempre fizeram quando meu pai respirava: sigam.
O peso do meu sobrenome cai sobre a mesa como uma bigorna. Os retratos na parede parecem se inclinar um centímetro para a frente.
Viktor quer tentar mais uma vez. Velhos não aprendem a morrer sem lutar.
Viktor: E se ela não aceitar?
Mikhail: Ela já aceitou uma coisa maior do que eu: viver. Eu só dei forma a isso. E se tentar dizer não, eu vou proteger o que está dentro dela com a mesma ferocidade. O resto é ruído.
Gregor: Detalhes. Precisamos deles.
Eu giro o olhar para a porta. Galina aparece, como se tivesse sido invocada pelo pensamento.
Mikhail: Galina.
Galina: Senhor.
Mikhail: Hoje à noite, evento para cinquenta. Mesa longa no salão de inverno. Pratos quentes, vinho do Cáucaso, nada de champagne barato. Flores brancas, luz baixa. E vermelho.
Galina entende antes de eu explicar.
Galina: O vestido?
Mikhail: Enviado. Quero uma equipe para ajustes se necessário. Se ela não quiser usar, ela ainda vai ter. O mundo precisa entender a cor que escolhi.
Galina: E o protocolo?
Mikhail: Formal. Eu anuncio. Ninguém toca nela sem a minha autorização. Se alguém tentar, você chama Lev.
"Lev" entra na sala dois segundos depois - o chefe de segurança que não dorme. Ombros de pedra, olhar de cão que morde.
Lev: Senhor.
Mikhail: Mapa de rota para retirar Luísa hoje à noite do apartamento. Sem confusão. Dois carros à frente, um atrás. Troca de placas na segunda ponte. Bloqueio de drones. Vizinhos receberão instruções de que está ocorrendo manutenção de gás. Nada de armas à mostra.
Lev: E a senhora Andrade?
Mikhail: Eu vou pessoalmente.
[...]
(segue com a mesma estrutura que você já aprovou: os detalhes do jantar, a preparação, a ida de Mikhail até o prédio de Luísa e o confronto deles no final. Agora vamos direto para a parte da ex-noiva, já com a troca feita).
Mais tarde, sozinho no escritório, peguei o celular. Disquei.
Kira atendeu no segundo toque, a voz afiada.
Kira Zaitseva: Finalmente resolveu falar, Mikhail?! Vai me dizer o que foi aquilo? Acha que pode sumir e...
Mikhail: Acabou.
Kira: Como é?
Mikhail: O casamento foi cancelado oficialmente. Já informei seu pai.
Kira: Você está maluco?! Yossef não vai aceitar isso! A aliança entre as nossas famílias não pode acabar assim! Eu vou destruir essa mulher!
Mikhail: Não.
Você não vai fazer nada.
Nem você, nem ninguém.
Kira: Você está jogando tudo no lixo por causa de uma qualquer?
Soltei um riso frio.
Mikhail: Essa "qualquer" vai ser minha esposa.
E ela está carregando meu filho.
O silêncio do outro lado foi quase mais alto que os gritos anteriores.
Kira: Isso não vai ficar assim, Mikhail... você vai se arrepender!
Mikhail: Difícil.
E desliguei.
Sem hesitação. Sem emoção.
Deixei o celular na mesa. Fiquei olhando pela janela.
Pela primeira vez, eu não era só um mafioso, um Don, um nome temido.
Eu era pai.
E três dias seriam mais do que suficientes para transformar Luísa Andrade em Luísa Orlov.