Fui até a janela da sala. Lá fora, no gramado perfeitamente aparado, Cristiano ensinava Joca a arremessar uma bola de futebol americano. Kássia estava sentada em uma manta por perto, observando-os com um sorriso suave e possessivo. Eles pareciam a família perfeita. Uma família construída sobre meu filho roubado e meu coração em pedaços.
Pressionei a mão contra o vidro frio, forçando a raiva para dentro. Ainda não. Eu tinha que ser esperta.
Cristiano entrou alguns minutos depois, o rosto corado com um brilho saudável. Ele passou os braços pela minha cintura por trás, roçando o pescoço em mim.
"Oi, linda. Você perdeu um ótimo arremesso. O Joca tem um braço e tanto."
O toque dele fez minha pele se arrepiar. "Eu estava pensando nisso", disse eu, minha voz cuidadosamente neutra. "Sobre o Joca."
Virei-me para encará-lo, forçando-me a encontrar seus olhos. "Cristiano, qual é o meu tipo sanguíneo?"
Ele piscou, pego de surpresa pela pergunta aleatória. "O-negativo. Igual a mim. Por quê?"
"E qual é o do Joca?"
Ele não hesitou. "O-negativo, claro. Ele é nosso filho."
A mentira era tão suave, tão praticada. Ele não tinha ideia. Ele genuinamente pensava que eu estava apenas distraída.
"Carla, você está se sentindo bem?", ele perguntou, a testa franzida com falsa preocupação. "Você parece um pouco... estranha hoje."
Eu queria gritar. Queria arranhar seu rosto bonito e mentiroso. Em vez disso, forcei um sorriso pequeno e vacilante. "Só estou cansada."
Lágrimas brotaram nos meus olhos, e me virei antes que ele pudesse vê-las. Minha mente repassava as palavras da enfermeira. A-positivo. A verdade era uma presença constante e gritante na minha cabeça.
Se não fosse por aquela queda no parquinho, por aquele comentário casual, eu poderia ter passado o resto da minha vida sem nunca saber. O pensamento era aterrorizante.
"Preciso resolver uma coisa", disse eu, pegando minha bolsa.
"Eu posso te levar", ele ofereceu.
"Não", disse eu, minha voz mais ríspida do que eu pretendia. "Preciso de um pouco de ar. Vou para a galeria."
Ele havia construído um ateliê de arte particular para mim, um gesto grandioso e vazio para apoiar a carreira que eu abandonei por ele. Outra parte da fachada de marido perfeito.
Eu não fui para a galeria. Fui direto para o escritório da Bia.
Ela estava me esperando, sua expressão sombria. "Carla."
Nós nos abraçamos, e por um momento, me permiti apoiar em sua força.
"Vou me divorciar dele", disse eu, minha voz sem emoção.
Bia não pareceu surpresa. Ela apenas assentiu. "Imaginei. Traição é uma coisa, mas isso..." Ela parou, balançando a cabeça em descrença. "Qual é o motivo?"
"Ele tem um filho", disse eu, as palavras com gosto de veneno. "Com a Kássia."
O queixo de Bia caiu. "Kássia? A babá? Mas eu pensei que o Cristiano era o marido perfeito. O homem que comemora o aniversário de adoção do seu cachorro com mais festa do que o seu próprio aniversário."
Era verdade. Ele havia construído essa imagem pública impecável, o marido dedicado, o pai amoroso. Era tudo uma performance.
Bia foi até um arquivo trancado e tirou uma pasta grossa. "Ainda bem que sou paranoica."
Ela colocou os papéis na mesa. Era nosso acordo pré-nupcial. E lá, na última página, estava a assinatura confiante e fluida de Cristiano, logo abaixo da cláusula de infidelidade e má conduta grave. Uma cláusula que o tornava a parte culpada.
"Obrigada, Bia", sussurrei, meus dedos traçando o nome dele.
Dirigi para casa atordoada. Quando entrei pela porta, meus sentidos foram assaltados pelo cheiro de baunilha e açúcar. A sala de jantar estava cheia de balões. Uma faixa dizia "Feliz Aniversário de Adoção, Apolo!"
Cristiano estava ao lado da mesa, radiante, ao lado de um bolo de vários andares que parecia pertencer a um casamento. Ele, mais uma vez, tinha exagerado completamente no aniversário de adoção do nosso cachorro.
"Surpresa!", ele disse, seus olhos brilhando. "Sei o quanto você ama matcha, então pedi para a confeiteira fazer um especial só para você."
Ele cortou uma fatia grande e me estendeu, o marido perfeito e amoroso desempenhando seu papel.
Peguei o prato, minha mão firme, e forcei um sorriso que não alcançou meus olhos.