Não podia ser. Tínhamos sido tão cuidadosos.
"Não", sussurrei. "Isso não é possível."
"O laudo está bem aqui", disse ela gentilmente, me entregando uma prancheta.
Encarei as letras pretas e brancas. Positivo. Oito semanas. Era real.
Uma onda de memórias me invadiu. Arthur e eu, anos atrás, sentados em um banco de parque, sonhando com nosso futuro. Ele falava sobre ensinar nosso filho a jogar futebol, nossa filha a pintar. "Teremos uma casa cheia de amor e arte", ele dissera, seus olhos brilhando.
Agora, um bebê estava chegando a este pesadelo. Uma criança concebida no amor ia nascer em um mundo de ódio e abuso. Como isso podia estar acontecendo?
Eu tinha que contar a ele. Apesar de tudo, ele era o pai. Ele tinha o direito de saber.
Peguei meu celular, minhas mãos tremendo. Ao desbloqueá-lo, a tela se iluminou com o Instagram. Diana tinha acabado de postar uma nova foto. Era de Arthur, dormindo em nossa cama. Ele parecia pacífico, angelical. A mão dela estava no enquadramento, acariciando suavemente seu cabelo. O medalhão - o medalhão da minha mãe - estava visível contra sua pele.
A legenda dizia: "Cuidando do meu herói cansado. Ele se doa tanto para me proteger. Meu coração está tão cheio. ❤️ #amorverdadeiro #almagêmea #luzdegabriel"
Arthur havia comentado abaixo há poucos minutos. "Você é a minha luz, Diana. Sempre."
A bile subiu à minha garganta. Engoli em seco e disquei o número dele. Chamou e chamou. Finalmente, ele atendeu.
"O quê?", sua voz era fria, impaciente.
"Arthur, eu...", comecei, mas fui interrompida.
"Arthur, querido, estou com medo", ouvi a voz de Diana choramingar ao fundo. "Tive outro pesadelo com o Gabriel."
"Estou aqui, meu amor, estou aqui", a voz de Arthur suavizou instantaneamente, gotejando uma ternura que ele não me mostrava há meses. "Apenas respire. Eu te protejo."
Eu ouvi, meu coração se partindo em um milhão de pedaços, enquanto ele a acalmava e a mimava. Ele pousou o telefone, mas não desligou. Eu podia ouvir cada doce nada que ele sussurrava para ela, cada promessa de que nunca a deixaria. Durou o que pareceu uma eternidade.
Finalmente, ele pegou o telefone de volta. "Você ainda está aí?", ele estalou, sua irritação retornando.
"Arthur, estou no hospital."
"Você encontrou uma nova maneira de chamar a atenção? Estou ocupado, Ella. Não me incomode com seu drama, a menos que o prédio esteja pegando fogo."
Ele desligou.
Um segundo depois, meu celular vibrou com uma mensagem. Era de Diana.
Soube que você está no hospital. Tentando reconquistar a simpatia dele? Patético. Ele não se importa com você. Ele é meu agora. Fique longe dele, ou você vai se arrepender.
Deixei o celular cair. As lágrimas que eu estava segurando finalmente vieram, silenciosas e quentes. Envolvi meus braços em volta da minha barriga, um gesto primal e protetor.
Este bebê. Esta vida pequena e inocente. Era minha. Não dele. Não deles.
Ele não nos queria. Ele havia deixado isso perfeitamente claro.
Tudo bem. Nós também não o queríamos.
Olhei para o calendário no meu celular. Faltavam vinte dias. Eu seria forte por mais vinte dias. Pelo meu bebê.
Arthur nunca veio ao hospital. Ele nem mesmo ligou. A única visita que tive foi minha avó, Helena Soares. Ela era meu último parente em São Paulo, um farol de amor em meu mundo escuro.
Ela entrou apressada com um pote de sua sopa de galinha caseira, o rosto marcado pela preocupação. "Oh, minha querida. Olhe para você. Tão pálida."
"Estou bem, vovó", menti, forçando um sorriso. Não consegui contar a ela sobre o bebê. Ainda não. Isso só a preocuparia mais.
"Aquele homem", ela bufou, seus olhos brilhando de raiva. "Ele não é digno de você, Ella. Deixando você desmaiar sozinha."
"Eu sei", sussurrei. "Estou o deixando. Vou para a casa do papai no final do mês."
Seu rosto se suavizou com alívio. "Bom. Essa é a minha garota corajosa."
Ela ficou comigo, segurando minha mão, sua presença um bálsamo reconfortante em minha alma fraturada.
No dia em que recebi alta, ela deveria me buscar ao meio-dia. Mas o meio-dia veio e se foi. Depois uma da tarde. Liguei para o celular dela, mas foi direto para a caixa postal. Um nó de ansiedade se apertou em meu estômago. Isso não era típico dela. Ela era sempre pontual.
Uma enfermeira entrou, o rosto sombrio. "Sra. Martins? Houve um acidente. Sua avó... ela foi trazida para a emergência há cerca de uma hora. Atropelamento e fuga."
Meu mundo girou em seu eixo. Corri, meu avental de hospital batendo em minhas pernas, até a sala de emergência. Encontrei-a em uma maca no corredor, a cabeça enfaixada, o braço em uma tipoia improvisada. Ela estava consciente, mas com dor.
"Vovó!", gritei, correndo para o seu lado.
A emergência era um caos, mas notei algo estranho. Também estava estranhamente silenciosa. Não havia médicos.
"Onde estão os médicos?", perguntei a uma enfermeira de aparência frenética. "Ela precisa de ajuda!"
A enfermeira olhou para mim com pena. "Eles estão todos lá em cima. Na ala VIP."
"O quê? Por quê?"
Suas próximas palavras pararam meu coração. "O Sr. Bittencourt os chamou todos para lá. A mulher com quem ele está, uma Sra. Ferraz, desmaiou. Ele insistiu que ela tivesse a atenção total de toda a nossa equipe médica sênior."
Fúria, pura e incandescente, surgiu em mim. Corri para os elevadores, pressionando o botão para a ala VIP.
As portas se abriram para uma cena de pânico silencioso e focado. Uma equipe de pelo menos cinco médicos de ponta cercava uma cama onde Diana estava deitada, uma compressa fria na testa. Arthur estava ao seu lado, segurando sua mão, o rosto uma máscara de preocupação.
"Qual é o significado disso?", gritei, minha voz ecoando na suíte silenciosa.
Arthur olhou para cima, sua expressão se transformando em uma de aborrecimento. "Ella. O que você está fazendo aqui?"
"Minha avó está lá embaixo, sangrando, e você tem todos os médicos deste hospital aqui em cima por causa dela?", apontei para Diana, que parecia perfeitamente bem. "Porque ela desmaiou?"
Virei-me para os médicos. "Por favor. Minha avó sofreu um acidente de carro. Ela precisa de um médico."
Eles olharam para Arthur, seus rostos cheios de conflito.
Ele nem hesitou. Levantou-se, bloqueando o caminho deles. "Ninguém vai sair", disse ele, a voz baixa e perigosa. "A condição de Diana é... delicada. Ela precisa de observação."
Ele estava deixando minha avó morrer por uma mentira.