"Você não precisa disso", disse ele, a voz desprovida de emoção. Ele quebrou a moldura contra a lareira e jogou os restos estilhaçados na pilha crescente.
Ele encontrou meus diários antigos, cheios de meus pensamentos privados, meus sonhos, meu luto. Ele folheou um, o lábio se curvando em desdém.
"Besteira sentimental."
Ele os jogou no fogo. Eu vi minha vida virar cinzas.
"Você sabia, Henrique?", perguntei, minha voz um sussurro morto. "Todo esse tempo, você sabia o quanto essas coisas significavam para mim?"
Ele não respondeu. Apenas continuou sua destruição metódica. O silêncio era sua confissão. Ele sabia. Ele simplesmente não se importava. Meus sentimentos eram um inconveniente.
Então ele foi atrás da única coisa que eu achava intocável.
"Vista-se", ele ordenou. "Vamos sair."
Ele me levou ao sereno columbário de mármore onde as cinzas dos meus pais repousavam em uma pequena urna de bronze. Era minha última conexão física com eles, o único lugar onde eu podia ir para me sentir perto deles.
Eu sabia o que ele ia fazer.
Caí de joelhos em frente ao nicho.
"Não, Henrique, por favor", implorei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. "Isso não. Por favor, não isso."
Agarrei-me ao mármore frio, tentando proteger a urna com meu corpo.
Ele afastou meus dedos, um por um. Sua força era sem esforço, absoluta.
"Solte, Marina."
"Eu serei boazinha", solucei, minha voz quebrando. "Farei o que você disser. Apenas, por favor, não faça isso."
Por um único e fugaz momento, ele hesitou. Vi um lampejo de algo em seus olhos, uma sombra do homem que eu pensei amar. Então desapareceu, substituído pela determinação fria e dura de um tirano.
Ele pegou a urna do nicho e a entregou ao funcionário do local que estava ao lado, parecendo pálido e nervoso.
"Espalhe-as", ordenou Henrique.
Ele olhou para mim, meu corpo convulsionando em soluços no chão frio.
"Isso é para o seu próprio bem", disse ele, a voz tão estéril quanto o mármore ao nosso redor. "Essas coisas te deixam fraca. Te deixam instável."
O funcionário, seguindo ordens, levou a urna para o jardim de dispersão.
Eu gritei. Um som cru e rasgado de uma alma sendo despedaçada. Avancei, tentando pegar a poeira, os últimos resquícios das pessoas que me amaram incondicionalmente.
Meus dedos se fecharam no ar vazio.
O mundo ficou preto.
Acordei em nossa cama. Henrique estava sentado ao meu lado, uma bandeja de comida em seu colo. Era a rotina familiar. A crueldade, seguida pelo cuidado clínico.
"Coma", disse ele.
Virei a cabeça.
"Marina, não seja difícil", ele suspirou, uma nota de impaciência em sua voz. "Eu fiz o que era necessário. Você estava ficando histérica."
Ele chamou a enfermeira. Ela entrou e inseriu um soro no meu braço, bombeando nutrientes diretamente para o corpo que ele estava tão desesperado para preservar.
Alguns dias depois, ele me forçou a ir a um jantar da família Moraes. Sua mãe, Caroline, uma mulher formidável com olhos como lascas de granito, me encurralou.
"Já se passaram cinco anos, Marina", disse ela, a voz afiada. "Quando você vai dar um herdeiro a Henrique?"
Antes que eu pudesse responder, Henrique interveio.
"Não vamos ter filhos", disse ele com firmeza.
As sobrancelhas perfeitamente arqueadas de Caroline se ergueram. "Não seja ridículo, Henrique. A linhagem Moraes precisa continuar."
"A saúde da Marina não permite", disse ele. Era a desculpa perfeita, a que ele sempre usava. "Uma gravidez colocaria muita pressão em seu coração."
Ele parecia tão nobre, tão protetor. Eu queria rir. Ele não estava me protegendo. Estava protegendo o coração de Isadora. Ele não queria um herdeiro Moraes. Ele queria preservar seu memorial vivo para outra mulher.
Senti um sorriso amargo tocar meus lábios.
Um pouco mais tarde, o telefone de Henrique tocou. Uma crise em sua empresa na Ásia. Ele tinha que sair imediatamente.
Assim que ele se foi, os olhos frios de Caroline se fixaram em mim.
"Siga-me", ela ordenou.
Ela me levou a um pequeno escritório, mobiliado de forma espartana. O ar estava frio.
"Agora", disse ela, a voz como aço. "Diga-me a verdade. É você quem não quer ter um filho?"
Olhei para esta mulher fria e dominadora, a matriarca da família que me destruiu sistematicamente. Pela primeira vez, não senti medo. Não havia mais nada que eles pudessem tirar de mim.
"Sim", eu disse, minha voz baixa, mas clara. "Eu não terei um filho."
Seu rosto escureceu de raiva.
"Você é uma Moraes agora. Você cumprirá seu dever."
Olhei-a diretamente nos olhos.
"Não."
Naquele momento, fiz uma promessa silenciosa a mim mesma. Eu estava indo embora. Em breve. Eles não me segurariam aqui por mais um dia.