Um estranho vazio a preencheu. A dor lancinante se fora, substituída por uma dor fria e oca. Era a sensação de um membro que foi amputado. Ainda doía, mas não era mais parte dela.
"Quanto tempo até ser finalizado?", ela perguntou ao advogado, a voz monótona.
"Com a assinatura dele, podemos entrar com o pedido imediatamente. Algumas semanas para o período de reflexão, então você estará oficialmente divorciada."
Alexia assentiu e colocou a cópia do acordo em sua bolsa. Ela se virou para sair, mas um carro de luxo parou na calçada em frente a ela.
Kassandra abaixou o vidro.
"Entre, Alexia. Nós te damos uma carona para casa." Sua voz era enjoativamente doce, a magnanimidade de uma vitoriosa.
"Não, obrigada", disse Alexia.
De dentro do carro, ela ouviu Heitor tossir levemente. Seus olhos encontraram os dela no espelho retrovisor, um comando silencioso. Kassandra saiu e agarrou o braço de Alexia.
"Não seja boba. O Heitor quer que você venha conosco."
Alexia olhou do rosto falsamente simpático de Kassandra para o rosto impassível de Heitor no espelho. Era outro teste. Outra tentativa patética de controlá-la, de forçá-la a entrar em seu retrato de família distorcido.
A situação toda era tão absurda, tão trágica, que era quase risível. Ela deixou Kassandra puxá-la para dentro do carro.
A viagem para casa foi sufocante. Heitor e Antônio continuaram sua performance, mimando Kassandra, ocasionalmente olhando para Alexia para avaliar sua reação.
Ela não lhes deu nenhuma. Olhava pela janela, sua expressão um branco perfeito. As luzes da cidade passavam borradas, riscos de cor em um mundo cinza.
De repente, o motorista pisou no freio. Um caminhão havia entrado em sua faixa. O carro sacudiu violentamente, e a cabeça de Alexia bateu contra a janela.
O mundo girou. Através de uma névoa, ela viu Heitor se lançar sobre o assento. Por um momento louco e insano, ela pensou que ele estava vindo em sua direção.
Seus olhos se encontraram.
Então ele se virou, torcendo o corpo para proteger Kassandra do impacto.
A última lasca de esperança no coração de Alexia se transformou em gelo.
"Me desculpe, Sr. Almeida! As estradas estão escorregadias", gaguejou o motorista.
Heitor já estava verificando Kassandra.
"Você se machucou? Você está bem?"
"Estou bem, Heitor. Você me protegeu", ronronou Kassandra, a voz um pouco trêmula. Então ela ofegou, apontando para Alexia. "Meu Deus, Alexia! Sua cabeça!"
Sangue escorria pela têmpora de Alexia. Heitor finalmente se virou para olhá-la, seu rosto uma confusão de emoções conflitantes.
"Devemos voltar para o hospital, senhor?", perguntou o motorista.
O maxilar de Heitor se moveu. Ele olhou para Alexia, depois para Kassandra. O jogo, sempre o jogo.
"Não", disse ele, a voz dura. "Ela pode cuidar disso quando chegarmos em casa."
Antônio assentiu em concordância.
"Ela é forte. Vai ficar bem."
Alexia fechou os olhos. O esgotamento era profundo.
De volta à mansão, ela foi ao banheiro e limpou o corte na cabeça sozinha. Aplicou o antisséptico com a mão firme, sem se encolher com a ardência. Ela não chorou. As lágrimas haviam secado há muito tempo.
Ela ficou em seu quarto por dias, cuidando de suas feridas, visíveis e invisíveis.
Uma noite, ela foi levar o lixo para fora. Ao sair pela porta dos fundos, algo duro atingiu a parte de trás de sua cabeça. O mundo ficou preto.
Ela acordou em um espaço frio e escuro. O ar cheirava a ferrugem e decadência. Uma fábrica abandonada. Suas mãos e pés estavam amarrados a uma cadeira.
Um cronômetro digital estava preso à sua cintura. Era uma bomba. Marcava: 10:00.
Do outro lado, Kassandra também estava amarrada a uma cadeira, soluçando histericamente.
Alexia imediatamente começou a trabalhar em um nó que prendia seu pulso direito, seus dedos desajeitados e fracos pelo dano nos nervos.
De repente, as portas da fábrica se abriram com um estrondo. Heitor e Antônio entraram correndo, seus rostos pálidos de pânico.
Os olhos de Heitor se fixaram em Alexia. Ele deu um passo em sua direção.
"Heitor! Me ajude!", gritou Kassandra, sua voz cortando o silêncio tenso.
Heitor congelou. Seu olhar vacilou entre as duas mulheres. A luta interna estava clara em seu rosto. O amor, ou o que ele chamava de amor, contra o jogo.
O jogo venceu.
Ele se virou para Kassandra.
"Estou indo, Kassie." Ele correu para ela, de costas para Alexia. "Apenas espere, Alexia. Eu volto para te buscar."
Suas palavras foram uma sentença de morte. O cronômetro em sua cintura marcava: 02:17.
Seu coração, que ela pensava não poder mais se quebrar, foi espremido em um torno de desespero absoluto.
Ele desamarrou Kassandra em segundos. Puxou-a para cima e a apressou em direção à saída.
Enquanto passavam correndo, Kassandra virou a cabeça e deu a Alexia um sorriso triunfante e manchado de lágrimas.
Alexia os viu partir, uma percepção arrepiante a invadindo. Esta era apenas mais uma performance. Um teste de vida ou morte de seu amor.
E ela havia falhado. Ou talvez, ela finalmente tivesse passado.