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O som do telefone caindo ecoou na sala de reuniões silenciosa. Bernardo Medeiros olhava para o nada, o rosto pálido. As palavras do médico se repetiam em sua mente, um mantra ensurdecedor.
É ela. É a Heloísa. É a filha do seu pai.
Seu telefone estava no viva-voz. Todos tinham ouvido. Seu pai, Vicente, que estava revisando relatórios trimestrais. Sua mãe, Alícia, que estava planejando a disposição dos assentos do casamento. E Eva, sua noiva, que estava sentada bem ao seu lado.
"Bernardo?", a voz de Eva era uma pergunta pequena e aguda. "O que foi isso? O que ele quis dizer?"
Vicente ergueu os olhos de seus papéis, a testa franzida. "O que é isso sobre um teste de DNA?"
Alícia se levantou, o rosto uma máscara de confusão. "Bernardo, quem era?"
Bernardo não respondeu. Ele sentiu como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés. A moradora de rua. As cicatrizes. A tatuagem. Os olhos que o suplicaram.
Heloísa.
Era ela. Ele havia olhado para seu antigo amor, sua meia-irmã, no rosto e a chamado de imundície. Ele havia ordenado que ela fosse jogada fora como lixo.
O peso total disso o atingiu. O ácido. A mão esmagada. As cordas vocais cortadas. Alguém tinha feito isso com ela. E ele não tinha feito nada.
O rosto de Eva estava pálido. Ela tentava manter a compostura, mas um lampejo de pânico estava em seus olhos. "Deve ser um engano. Uma brincadeira. O teste foi feito há dois anos. Eu sou sua filha, papai." Ela se virou para Vicente, a voz trêmula.
Vicente olhou de Eva para Bernardo, sua expressão endurecendo. "Bernardo, explique-se. O que está acontecendo?"
"A mulher", disse Bernardo, a voz um sussurro rouco. "A moradora de rua da outra noite. Pedi ao meu assistente para encontrá-la. Pedi ao médico para fazer um teste." Ele não conseguia olhá-los. Só conseguia encarar suas mãos na mesa de mogno polido. "Ele disse... ele disse que o teste original era uma farsa."
"Isso é impossível!", ofegou Alícia, levando a mão ao peito. "O laboratório era o melhor do país!"
"Não...", sussurrou Eva, balançando a cabeça. "Não, ele está mentindo. Por que ele mentiria?"
Bernardo finalmente ergueu o olhar, seus olhos se fixando nos de Eva. Ele viu então. O terror por trás da máscara de inocência. A culpa.
"Por quê, Eva?", ele perguntou, a voz baixa e perigosa. "Por que você fez isso?"
"Fiz o quê?", ela chorou, lágrimas brotando em seus olhos. "Eu não fiz nada! Eu sou a vítima aqui! Lembra? Heloísa me atacou! Ela roubou de nós!"
"A Heloísa que eu conhecia nunca teria se tornado aquilo", disse Bernardo, as peças se encaixando com uma clareza horrível. "Ela era orgulhosa. Ela era uma lutadora. Alguém teve que quebrá-la. Alguém teve que destruí-la completamente."
Seu olhar era implacável. "Alguém como você."
A memória da história de Eva de dois anos atrás veio à tona. Ela alegou que Heloísa havia fugido para a Europa. Ela até produziu extratos de cartão de crédito mostrando gastos luxuosos em Paris e Roma.
"Os cartões de crédito", disse Bernardo em voz alta. "Nunca vimos o rosto dela em nenhuma filmagem de segurança. Apenas transações. Qualquer um poderia tê-los usado."
"Bernardo, pare com isso!", gritou Alícia. "Você está perturbando a Eva! Ela é sua noiva! Ela está esperando um filho seu!"
A menção do bebê, o suposto herdeiro da dinastia Medeiros, deu a Eva uma onda de confiança. Ela se endireitou, colocando uma mão protetora em sua barriga ainda lisa.
"Ele está certo, Bernardo. Você está me assustando. E não faz bem para o bebê."
Mas Bernardo não estava ouvindo. Ele estava se lembrando do beco. O olhar desesperado nos olhos de Heloísa. A maneira como ela se encolheu quando ele falou. A dor crua e animal. Ele tinha visto, e tinha escolhido ignorar. Ele tinha escolhido a verdade mais fácil. Ele tinha escolhido Eva.
Uma onda de auto-aversão tão poderosa que o deixou fisicamente doente o dominou. Ele era tão culpado quanto a pessoa que empunhou o ácido e o martelo. Ele a havia abandonado.
Ele pegou seu telefone caído. A voz de Marcos era metálica e frenética.
"Senhor? Senhor, está aí? Há um problema. Ela sumiu. A mulher... Heloísa... ela deixou a clínica. Ninguém a viu sair."
Um pavor frio, pior do que qualquer coisa que ele já sentira, o dominou.
"Encontre-a", ele ordenou, a voz tremendo com uma nova urgência. "Use todos os recursos que temos. Verifique seus cartões de crédito, seu telefone... espere, ela não tem nada. Verifique os abrigos da cidade, os hospitais. Agora, Marcos. Encontre-a agora!"
Ele desligou e se levantou, sua cadeira raspando ruidosamente no chão. Ele olhou para sua família, para a vida que construíra sobre uma base de mentiras.
"Esta reunião está encerrada", disse ele. Ele olhou para Eva, seus olhos cheios de uma fúria fria que ela nunca tinha visto antes. "Nós não terminamos. Você e eu vamos ter uma conversa quando eu voltar."
Ele saiu da sala, deixando um silêncio atordoado em seu rastro.
Vicente lentamente afundou de volta em sua cadeira, o rosto pálido. "Alícia... e se for verdade?"
Alícia torceu as mãos. "Não pode ser. Vicente, pense no escândalo. Pense na empresa."
Eva chorava silenciosamente, seu mundo cuidadosamente construído desmoronando ao seu redor. Mas por baixo das lágrimas, sua mente corria, procurando uma nova mentira, uma nova fuga. Ela era uma sobrevivente. Não deixaria que tirassem isso dela. Não agora.
Bernardo já estava no elevador, sua mente uma tempestade caótica de culpa e medo. Para onde ela iria? Uma mulher sem nada, quebrada e sozinha. Para onde alguém vai quando perdeu tudo?
Ele pensou na ponte que costumavam atravessar à noite, olhando para as luzes da cidade que pensavam possuir.
Por favor, Helô, ele rezou para um deus em que não acreditava. Por favor, esteja viva.