Seu Herdeiro, Sua Fuga
img img Seu Herdeiro, Sua Fuga img Capítulo 2
2
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
Capítulo 11 img
Capítulo 12 img
Capítulo 13 img
Capítulo 14 img
Capítulo 15 img
Capítulo 16 img
Capítulo 17 img
Capítulo 18 img
Capítulo 19 img
Capítulo 20 img
img
  /  1
img

Capítulo 2

O funeral foi um evento sombrio, um mar de ternos pretos e murmúrios baixos. O caixão da minha mãe estava fechado, um arranjo de lírios brancos cobrindo a madeira escura. Cada olhar de compaixão parecia uma mentira. Eles me viam como a filha enlutada, a amada esposa do grande Breno Queiroz. Não viam a mulher que estava sufocando.

Breno estava ao meu lado, um pilar de força para as câmeras, sua mão um peso pesado na base das minhas costas. Um genro perfeito e enlutado.

Então, eu a vi.

Catarina Vasconcelos, caminhando em nossa direção, seu rosto uma máscara de tristeza que não alcançava seus olhos frios e calculistas. Ela usava um vestido preto ridiculamente caro, mais adequado para um coquetel do que para um funeral.

Meu sangue virou gelo.

"O que ela está fazendo aqui?", sibilei para Breno, minha voz baixa e venenosa.

Ele apertou minhas costas, um aviso silencioso. "Comporte-se, Amélia. As pessoas estão olhando."

Catarina parou na nossa frente. "Amélia, eu sinto muito, muito mesmo pela sua perda. Sua mãe era uma mulher maravilhosa."

A hipocrisia era de tirar o fôlego.

"Saia daqui", eu disse, minha voz tremendo de raiva.

Ela fingiu choque, colocando a mão sobre o coração. "Eu só vim prestar minhas condolências."

"Você quer prestar suas condolências?" Minha voz se elevou, atraindo alguns olhares curiosos. "Ajoelhe-se, Catarina. Ajoelhe-se aqui neste chão frio e implore o perdão da minha mãe. Perdão pela vida que você e sua família destruíram. Perdão pelo meu pai."

Um suspiro percorreu a pequena multidão que se formava ao nosso redor.

Os olhos de Catarina brilharam de raiva antes que a máscara de luto voltasse ao lugar. Ela olhou para Breno, uma donzela em perigo.

"Breno, eu..."

"Amélia, já chega", disse Breno, seu tom não deixando espaço para discussão. Ele a estava protegendo. Ali, no funeral da minha mãe, ele estava protegendo sua amante.

"Chega?" Eu ri, um som agudo e quebrado. "Nunca será o suficiente. Eu quero que ela vá embora."

Ele se inclinou, seu hálito quente contra minha orelha. "Não faça uma cena. Discutiremos isso em casa." As palavras eram uma ameaça.

Catarina me deu um pequeno sorriso triunfante por cima do ombro de Breno. Ela tinha vencido. Ela sempre vencia.

Olhei para os lírios brancos no caixão, meu coração um peso frio e morto no peito. Eu não podia lutar com ele aqui. Não podia lhe dar essa satisfação.

"Tudo bem", sussurrei, a palavra uma rendição.

Ele se endireitou, seu rosto público de volta ao lugar. "Catarina, talvez seja melhor você ir", disse ele, sua voz gentil. Ele a estava livrando.

Ele a pegou pelo cotovelo e a levou para longe, murmurando algo que não consegui ouvir. A multidão os observava, seus sussurros seguindo o casal. Provavelmente pensaram que ele era um santo, lidando com sua esposa histérica com tanta graça enquanto confortava uma amiga da família.

A ironia era uma pílula amarga.

Virei-me, incapaz de observá-los. Senti-me completamente sozinha, uma ilha de luto genuíno em um oceano de performance. O resto do serviço passou como um borrão. Não ouvi o elogio fúnebre. Não senti os tapinhas de compaixão no meu ombro. Minha mente era um espaço em branco, entorpecido.

Depois, Breno nos levou para casa em silêncio. A tensão no carro era uma coisa viva. Olhei pela janela, observando as luzes da cidade se tornarem um borrão, evitando deliberadamente seu olhar.

Ele finalmente quebrou o silêncio quando entramos em nossa garagem. "Precisamos conversar sobre o que aconteceu hoje."

"Não há nada para conversar."

"Você me envergonhou, Amélia. Você se envergonhou."

Ele estacionou o carro, mas não desligou o motor. Virou-se para mim, o rosto duro. "Eu conhecia sua mãe há anos. Eu me importava com ela."

A mentira era tão descarada, tão insultuosa, que quase me fez rir. Pensei nele, anos atrás, comendo o ensopado caseiro da minha mãe em nosso pequeno apartamento, dizendo a ela que sempre cuidaria de sua filha. Prometendo-lhe o mundo.

"Você se importava com ela?", perguntei, minha voz perigosamente baixa. "É por isso que você a deixou morrer?"

Seus olhos brilharam. "Não seja ridícula. Não foi isso que aconteceu."

"Não foi?"

Antes que ele pudesse responder, um caminhão, com os faróis apagados, surgiu dobrando a esquina. Estava se movendo impossivelmente rápido.

Só tive tempo de gritar o nome dele.

O impacto foi violento, um esmagamento brutal de metal e vidro estilhaçado. Minha cabeça bateu contra a janela lateral. A dor, branca, quente e ofuscante, explodiu em meu abdômen.

O mundo girou. Senti o gosto de sangue.

"O bebê", ofeguei, agarrando minha barriga.

O carro fora arremessado para a calçada, o lado do motorista esmagado. Breno parecia praticamente ileso, protegido pelo volume do motor.

Ele olhou para mim, os olhos arregalados com algo que não consegui decifrar. Medo? Contrariedade?

Seu telefone tocou. A tela se iluminou com uma foto de Catarina.

Ele atendeu.

"Você está bem?", disse ele ao telefone, a voz tensa de preocupação. "Onde você está? Fique aí. Estou indo."

Ele soltou o cinto de segurança.

Eu o encarei, minha mente lutando para processar o que estava acontecendo. A dor irradiava por mim em ondas. O sangue se espalhava pelo meu vestido.

"Breno, não", implorei, minha voz fraca. "Me ajude. Por favor."

Ele olhou para mim, o rosto uma máscara fria e sem emoção. Olhou para o sangue manchando meu vestido. Olhou de volta para o meu rosto.

E então ele saiu do carro.

Ele nem olhou para trás. Apenas começou a correr pela rua, desaparecendo na escuridão, me deixando sozinha nos destroços.

O abandono foi mais doloroso que o acidente. Foi uma confirmação final e brutal do que eu já sabia. Eu não era nada para ele. O bebê não era nada. Apenas Catarina importava.

Lágrimas escorriam pelo meu rosto, misturando-se com o sangue. Tentei alcançar a maçaneta da porta, mas estava emperrada. A dor no meu estômago estava piorando, uma sensação aguda e cortante.

Um homem passeando com seu cachorro correu até a janela do carro. "Senhora, você está bem? Estou ligando para o 190!"

"Por favor", solucei, minha voz mal um sussurro. "Meu marido... ele me deixou. Por favor, você tem que me ajudar. Meu bebê..."

O mundo começou a desvanecer nas bordas. Pontos pretos dançavam em minha visão. A voz do homem tornou-se distante, abafada.

A última coisa que vi antes de desmaiar foi a rua vazia onde Breno estivera. Ele se foi. Total e completamente.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022