As palavras foram um golpe de martelo, mesmo que eu as tivesse arquitetado. O aborto forjado. A equipe de Hélio fora minuciosa. Usaram bolsas de sangue cenográfico e tinham um médico de prontidão, pronto para criar um relatório médico crível. Mas ouvir as palavras em voz alta ainda parecia uma ferida física.
"Meu... meu marido sabe?", perguntei, minha voz tremendo. Eu precisava controlar a narrativa.
Ela balançou a cabeça. "Ainda não. Ele passou a noite toda na sala de espera. Recusou-se a sair. Queríamos esperar até você acordar."
"Não conte a ele", eu disse, agarrando seu braço. "Por favor. Ainda não. Deixe que eu seja a pessoa a contar. Preciso de um pouco mais de tempo."
Ela me olhou com pena, provavelmente pensando que eu era uma esposa enlutada tentando adiar a dor inevitável. "Claro, querida. Avisarei a equipe."
Ela saiu, e eu fiquei sozinha com o silêncio.
Breno entrou alguns minutos depois. Ele estava com uma aparência terrível. Seu terno estava amassado, seu cabelo uma bagunça, e seus olhos estavam vermelhos. Parecia um homem despedaçado pela preocupação.
Era uma performance magistral.
"Amélia", ele sussurrou, correndo para a minha cabeceira. Ele tentou pegar minha mão, mas eu a puxei.
"O bebê está bem", disse ele, um sorriso aliviado se espalhando por seu rosto. "Acabei de falar com o médico. Ele disse que foi por pouco, mas o bebê é um lutador. Assim como você."
Meu sangue gelou. Ele não havia sido informado. A enfermeira seguiu minhas instruções, mas Breno passou por cima dela. Ele tinha seus próprios médicos neste hospital, seus próprios espiões. Claro que tinha. Ele tinha que estar no controle de tudo.
Mas sua informação estava errada. As pessoas de Hélio eram melhores que as dele.
Eu tive que recalibrar meu plano. Rápido.
"Isso é... uma notícia maravilhosa", eu disse, forçando um sorriso fraco.
Ele relaxou visivelmente. "Eu estava com tanto medo. Quando te vi deitada ali... pensei que tinha perdido vocês dois."
Ele se inclinou para me beijar, mas eu virei a cabeça. "Estou cansada, Breno."
Ele recuou, um lampejo de contrariedade em seus olhos. "Eu sei que você está com raiva. Eu nunca deveria ter te deixado. Foi um erro. Catarina... ela está um caos. Mas ela não é mais sua preocupação. De agora em diante, somos só você, eu e nosso filho. Eu prometo."
Outra mentira. Outra promessa vazia. Mas eu podia usar isso.
"Eu quero acreditar em você", sussurrei, deixando uma única lágrima rolar pela minha bochecha. "Eu realmente quero."
Olhei para ele, meus olhos arregalados e suplicantes. "Leve-me para longe daqui, Breno. Apenas por alguns dias. Vamos voltar para o iate. Só nós dois. Sem médicos, sem negócios, sem Catarina. Vamos apenas ser uma família."
Era uma aposta. Mas eu contava com sua arrogância, com sua crença de que ele finalmente me quebrara.
Ele caiu. Seu rosto se iluminou. Ele viu isso como uma vitória, um sinal da minha rendição completa.
"O que você quiser, meu amor", disse ele, beijando minha testa. "Farei os arranjos. Partiremos amanhã."
No dia seguinte, estávamos de volta ao 'Amélia'. A tripulação era mínima, apenas um capitão e um marinheiro, ambos na folha de pagamento de Hélio. O iate parecia enorme e vazio.
Breno foi um modelo de atenção. Ele cozinhou para mim. Afofou meus travesseiros. Falou incessantemente sobre o futuro, sobre os nomes para nosso filho, sobre a vida que construiríamos juntos.
Eu fiz meu papel, sorrindo e assentindo, meu coração um bloco de gelo no peito. Eu estava contando as horas.
No segundo dia, seu telefone tocou.
Ele tentou ignorar, mas foi persistente. Ele finalmente atendeu, de costas para mim. Por suas respostas curtas e tensas, eu sabia quem era.
Catarina. Sempre havia uma Catarina.
Ele desligou, o rosto uma mistura de frustração e culpa.
"Eu tenho que ir", disse ele, sem me olhar. "É uma emergência. Catarina... ela tentou se machucar."
Era a mesma desculpa, a mesma mentira. Ele sempre a escolheria.
Desta vez, não protestei. Não discuti.
"Você deveria ir", eu disse, minha voz calma e firme. "Ela precisa de você."
Ele pareceu surpreso, depois aliviado. "Obrigado por entender, Amélia. Voltarei antes que você perceba. Eu prometo."
Ele me beijou de despedida. Um helicóptero já estava descendo para buscá-lo no heliponto do iate.
Enquanto ele voava para longe, desaparecendo no céu azul, eu sabia que nunca mais o veria.
A notícia veio algumas horas depois. Assisti na TV via satélite na cabine principal. "Bilionário da Tecnologia Breno Queiroz Salva Socialite Perturbada Catarina Vasconcelos de Aparente Tentativa de Suicídio." Havia fotos dele carregando-a para fora de sua cobertura, o rosto dela enterrado em seu ombro. Um herói, salvando a donzela em perigo.
Era a hora.
Fui para nossa cabine. Tirei a simples aliança de ouro que ele colocara em meu dedo todos aqueles anos atrás. A última peça da minha antiga vida. Coloquei-a na mesa de cabeceira.
Ao lado, coloquei um pequeno disco rígido portátil. Continha um único arquivo de vídeo. Minha mensagem final para ele. Nele, eu contava tudo. Sobre o aborto que ele não sabia. Sobre o acordo com Hélio. Sobre o fato de que eu sabia que ele havia assassinado minha mãe. Eu disse a ele que estava escolhendo acabar com minha vida em vez de passar mais um segundo como sua prisioneira.
Então, saí para o convés. O sol estava se pondo, pintando o céu em tons ardentes de laranja e vermelho. O mar estava calmo.
Olhei para a costa à distância. Uma lancha me esperava, um pequeno ponto preto no horizonte. Minha nova vida.
Respirei fundo, o ar salgado enchendo meus pulmões. Pela primeira vez em anos, senti uma sensação de paz. Uma sensação de liberdade.
Subi no corrimão.
Do disco rígido na mesa de cabeceira, um sinal silencioso foi enviado. Um cronômetro começou.
À distância, pude ouvir o zumbido de um helicóptero se aproximando. Ele estava voltando. Assim como Hélio havia previsto que faria. Ele não suportaria não ter a última palavra.
Ele estava atrasado demais.
Dei uma última olhada na vida que estava deixando para trás.
E então, eu pulei.
A água fria foi um choque, um abraço brutal e purificador. Ao emergir, ofegante, vi o helicóptero pairando sobre o iate.
Vi a figura de Breno na porta aberta. Ouvi-o gritar meu nome.
E então, o mundo explodiu.
Uma enorme bola de fogo engoliu o iate, enviando uma pluma de fumaça preta para o céu crepuscular. O som foi ensurdecedor, a força da explosão me empurrando para longe, mais fundo na água.
Ele encontraria minha aliança. Ele encontraria o disco rígido. E ele encontraria as amostras de sangue e o tecido queimado que a equipe de Hélio havia plantado nos destroços.
Ele acreditaria que eu estava morta. Acreditaria que havia perdido seu herdeiro.
Acreditaria que me levara ao suicídio.
Enquanto a lancha me puxava da água, envolvendo-me em um cobertor quente, olhei para trás, para a pira em chamas da minha antiga vida.
Não senti tristeza. Não senti arrependimento.
Não senti absolutamente nada.