Ela percebeu então. Na casa principal, todas as fotos dela haviam sido substituídas. Na lareira, onde antes havia uma foto dela e de Caio na festa de noivado, agora havia uma de Caio e Beatriz, rindo em algum baile de caridade. No corredor, os retratos de família haviam sido reorganizados, com Beatriz inserida perfeitamente onde Alana costumava estar.
Seu coração doía com uma dor surda e pesada. Ela havia sido apagada.
Ela abriu um aplicativo personalizado na área de trabalho, um pequeno ícone em forma de coração. Caio, um magnata da tecnologia por direito próprio, o havia projetado para ela. Era o espaço privado deles, um diário digital onde ele deixava bilhetes, poemas e doces palavras para ela.
Ela rolou para trás, seus olhos embaçando com lágrimas enquanto lia as entradas antigas.
"Mal posso esperar para te ver esta noite, meu amor. Contando os segundos."
"Você estava tão linda hoje. Sou o homem mais sortudo do mundo."
Então ela chegou à data em que foi levada. As entradas mudaram.
Ela encontrou a primeira escrita após seu desaparecimento.
"Onde você está, Alana? Meu mundo está cinza sem você. Sinto muito, sinto tanto. Eu deveria ter te protegido. A culpa é toda minha. Volte para mim."
As entradas estavam cheias de angústia e autoculpa. Ele narrava sua busca desesperada e frenética. Descreveu um acidente de carro que sofreu enquanto perseguia uma pista falsa, como acordou no hospital com uma perna quebrada, chamando o nome dela.
Ler sua dor era uma forma estranha de tortura. Uma parte dela ansiava pelo homem que havia escrito aquelas palavras.
Então, um novo nome apareceu.
"Beatriz me trouxe sopa no hospital hoje. Ela chorou, dizendo que se sente tão impotente. Ela é uma garota doce. Me lembra um pouco de você."
As menções a Beatriz se tornaram mais frequentes.
"André está um caco. Beatriz é a única que consegue fazê-lo comer. Ela tem sido uma rocha para nós dois."
"Fui checar outra pista nas montanhas hoje. Beatriz veio comigo. É bom não estar sozinho."
Lentamente, o tom das entradas mudou. A dor crua começou a desaparecer, substituída por uma companhia silenciosa. Alana sentiu um nó de pavor se apertar em seu estômago, mas não conseguia parar de ler. Era como pressionar um hematoma, uma dor autoinfligida que ela não conseguia resistir.
Ele estava se apaixonando pela irmã dela. Sua substituta.
As entradas sobre a busca por Alana se tornaram menos frequentes. Em vez disso, estavam cheias de lugares que ele havia ido com Beatriz. A busca por ela havia se tornado a história de amor deles.
Alana encostou as costas na parede fria e empoeirada, o notebook pesado em seu colo. O homem que escreveu essas palavras era um estranho.
Então ela viu a última entrada, datada de apenas uma semana atrás.
"Eu a amo. Sei que não deveria. Sinto que estou te traindo, Alana, onde quer que você esteja. Mas eu amo a Beatriz. Não sei o que fazer."
Uma lágrima caiu na tela, distorcendo as palavras. Tinha acabado. O amor que ela havia se agarrado como um farol na escuridão se fora. Ele o havia dado a outra pessoa.
A porta rangeu ao se abrir. Caio estava ali, uma silhueta contra a luz do corredor.
Ele viu as lágrimas em seu rosto, seu olhar caindo para a tela do notebook. Ele não parecia surpreso. Parecia cansado.
Ele entrou e tentou fechar o notebook. A mão de Alana disparou, impedindo-o. Ela olhou para ele, seus olhos questionando, exigindo.
Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos. Tirou um maço de cigarros do bolso e acendeu um, um hábito que adquirira depois que ela desapareceu. A fumaça se enrolou em volta de sua cabeça, obscurecendo seu rosto.
"Eu a amo, Alana", disse ele, as palavras silenciosas, mas claras na sala imóvel.
Uma coisa era ler. Outra era ouvi-lo dizer. A confirmação estilhaçou o último pedaço de seu coração.
"Mas você é minha noiva", ele continuou, sua voz assumindo um tom mais gentil e persuasivo. "Vou honrar minha promessa. Vamos nos casar. Eu só... preciso de um tempo."
Ele olhou para ela, seus olhos suplicantes. "Por favor, só não desconte na Beatriz. Ela é inocente em tudo isso. Assim que nos casarmos, cortarei o contato com ela, eu prometo."
Alana sentiu uma risada histérica borbulhar em sua garganta. Ele estava pedindo a ela, a vítima, para ser paciente enquanto ele superava seu amor por sua sequestradora.
Ela não disse nada. Em vez disso, levantou-se lentamente. Sem uma palavra, ela levantou a barra de sua blusa.
A sala ficou em silêncio, exceto pela inspiração aguda de Caio. Seu tronco era um mapa da crueldade. Cicatrizes lívidas, antigas e novas, cruzavam sua pele. Queimaduras de cigarro pontilhavam seu estômago como constelações de dor.
"Eles continuavam me vendendo", disse ela, sua voz assustadoramente calma. "Mas meu corpo estava danificado demais. Os compradores reclamavam. Então eles me mandavam de volta. E toda vez que me mandavam de volta, eles me puniam por ser defeituosa."
Caio olhou, seu rosto uma máscara de horror. Ele deu um passo para trás, sua mão se erguendo como se para afastar a visão. Então ele a baixou rapidamente.
"Alana, eu...", ele começou, mas sua voz falhou. Ele não conseguia olhar para as cicatrizes dela. Não conseguia nem olhar para o rosto dela. Ele olhou para a parede atrás dela. "Não importa. Eu ainda vou me casar com você. Vamos conseguir os melhores médicos."
Mas ela viu. Naquela fração de segundo antes que ele mascarasse, ela viu o lampejo de repulsa em seus olhos. Ele era um homem obcecado pela perfeição. Seus carros, seus ternos, sua empresa, sua mulher. Ela não era mais perfeita. Ela estava manchada. Quebrada.
Um sorriso amargo torceu seus lábios. "Estou cancelando o noivado."
Ele pareceu chocado. "O quê?"
"Não posso me casar com um homem que está apaixonado por outra pessoa", disse ela, sua voz ganhando força. "Eu tenho meu orgulho."
"Orgulho?" Ele soltou uma risada áspera e incrédula. "Depois de tudo, você está falando de orgulho? O que mais você quer de mim, Alana? Eu ainda estou disposto a me casar com você!"
Suas palavras, que deveriam soar nobres, pareceram o insulto mais profundo. O amor que ele tinha por ela se fora, substituído por um senso de dever, de pena. E mesmo isso era condicional.
Seu coração, que ela pensava que não poderia se quebrar mais, parecia estar se transformando em gelo.
Naquele momento, a porta se abriu novamente.
"Caio? Está tudo bem? Achei que ouvi gritos." Beatriz estava ali, usando um deslumbrante vestido de noite de seda azul-clara. Ele brilhava sob a luz fraca, uma cascata de cristais costurados à mão cintilando no corpete.
Alana o reconheceu instantaneamente. Era uma peça de alta-costura única de um designer famoso. Caio o havia comprado para ela dois aniversários atrás.
Ele lhe dissera: "Este vestido foi feito para uma rainha. Foi feito para você, Alana. Ninguém mais no mundo poderia usá-lo."
E agora, estava em Beatriz.
Beatriz sorriu docemente, ignorando completamente a atmosfera tensa. Ela deu uma pequena pirueta. "Não é lindo, Alana? Caio disse que eu poderia usá-lo na minha festa de despedida."
A visão daquele vestido naquela mulher foi o golpe final e brutal. Era uma declaração de guerra. Uma afirmação de que tudo o que antes era de Alana agora pertencia a Beatriz.
Uma risada seca e rouca escapou dos lábios de Alana. Era um som de puro e absoluto coração partido.
Ela olhou para o rosto culpado de Caio, depois para o triunfante de Beatriz. Sem outra palavra, ela bateu a porta, trancando-os do lado de fora.
Ela ouviu o suspiro de frustração de Caio do outro lado, e então seus passos se afastando, seguidos pelos mais leves de Beatriz.
Alana deslizou pela porta, seu corpo finalmente cedendo. Ela se sentou no chão frio e duro do depósito, cercada pelos fantasmas de seu passado, e soube que estava completa e totalmente sozinha.
Durante toda a noite, ela ficou acordada, vasculhando metodicamente as caixas. Pegou cada foto, cada carta, cada presente de Caio e André e os selou em uma única e grande caixa. A cada item que guardava, sentia um pedaço de seu amor por eles morrer.