Meu nome é Heitor Martinez. Trinta anos bem vividos, alguns mais intensos do que eu devia, outros que renderam capa de revista de fofoca. Sou loiro, olhos claros, cabelo sempre no corte certo porque, afinal, imagem é tudo quando a gente carrega um sobrenome como o meu. Desde moleque, minha mãe insiste em me chamar de príncipe. Talvez pelo jeito, talvez por ser filho único, ou talvez porque, no fundo, ela sempre me protegeu dos ataques do "tubarão branco". Sim, meu pai. O país inteiro conhece Célio Martinez assim: frio, calculista, impiedoso nos negócios. Um predador. E eu? Bom, eu sou o oposto disso.
Nunca fui fã de relacionamento sério. Nunca. Gosto da adrenalina, de sair, de ser o centro das atenções. Festa é meu habitat natural, sempre foi. Desde os dezoito anos, quando comecei a frequentar as melhores boates de São Paulo, meu nome passou a figurar nas colunas sociais. Eu aparecia em blogs de celebridade, sites de fofoca, perfil de Instagram especializado em flagra de famoso. E isso, é claro, irritava profundamente o velho. Ele detesta exposição gratuita. Pra ele, reputação é construída com suor, contratos e poder. Pra mim, reputação é ser lembrado, é estar em evidência.
A gente discute muito por causa disso. Já perdi as contas de quantas vezes ouvi ele dizer que eu estrago a imagem da família. Mas a verdade é uma só: mesmo que a gente seja tão diferente, eu sou um excelente profissional. Não é ego, é fato. Me formei em Administração, mergulhei nos negócios e, quando estou dentro da empresa, viro outro cara. Ali não existe balada, não existe flash de paparazzi. Só existe a Martinez. Eu analiso números, identifico brechas no mercado, fecho contratos que até executivos experientes suariam pra conseguir. E, mesmo que não admita em voz alta, meu pai reconhece isso. Ele sabe que eu tenho potencial. Só que Célio Martinez nunca entrega nada de graça. Nunca.
Naquela noite, ele me chamou pro escritório da mansão. E quando ele chama, não é convite, é ordem. Eu já entrei achando que ia ouvir sermão por causa das fotos minhas saindo de uma boate às seis da manhã, rodeado de gente. Mas não. O clima era outro. Ele estava lá, atrás da mesa de mogno, postura impecável, terno alinhado, aquele olhar que atravessa a gente como faca. Quando faz aquele gesto com a mão, indicando a cadeira à frente, eu já sei: bomba à vista.
- Heitor, eu vou ser direto. - começou, sem rodeios. - Estou cansado dos seus escândalos.
- Escândalos? Pai, eu só estava...
- Não me interrompa. - cortou, gelado. - Estou cansado de limpar a sua imagem, cansado de brigar com a sua mãe por sua causa.
Suspirei fundo, tentando controlar a irritação.
- Tá, e o que você quer de mim agora? Que eu vire monge?
Ele ignorou.
- Eu decidi que está na hora de você assumir o controle total das empresas Martinez.
Na hora, senti o coração acelerar. Aquilo era praticamente a coroa que eu sempre quis. Meu pai nunca deixava nada cair no meu colo, me tratava como aprendiz mesmo depois de eu já ter provado minha competência. E ali estava ele, jogando a bomba. Mas, claro, tinha condição. Sempre tem.
- Mas, para isso, você vai ter que firmar um compromisso.
- Compromisso como?
- Você tem seis meses para noivar.
Eu ri, alto, debochado.
- Isso é sério?
- Muito sério. - respondeu sem piscar. - Se não noivar até lá, eu mesmo vou arrumar uma noiva pra você.
- Pai... pelo amor de Deus. Isso parece piada.
- Não é. Ou aceita, ou eu mesmo vou assumir que você não está pronto. Nesse caso, você será apenas mais um funcionário da empresa.
Engoli seco. A ficha batendo.
- E se eu não aceitar?
- Você está fora da Martinez.
Silêncio. Eu o encarei, esperando ver alguma rachadura, alguma brecha de ironia. Nada. Os olhos dele eram pedra.
- Pai, você tá disposto a jogar o seu próprio filho pra escanteio?
- Se for preciso, sim. O nome Martinez não é só seu. Eu não vou deixar que sua vida de festas jogue tudo na lama.
Passei a mão no cabelo, nervoso.
- Então é isso? Ou eu arranjo uma noiva, ou viro um Zé Ninguém?
- Exatamente.
Eu ri sem humor.
- Você é inacreditável.
- Eu sou realista. Está na hora de você crescer.
A vontade era discutir, mas eu sabia: ele sempre vence. O tubarão branco não recua.
- Tá bom. Eu aceito.
Ele relaxou no encosto da cadeira, como se já tivesse certeza da minha resposta desde o começo.
- Ótimo. Então prove que é capaz.
Saí dali com um turbilhão de pensamentos. Noivar em seis meses? Eu, que não consigo manter uma mulher por mais de duas semanas? Isso roça o impossível. Mas perder a Martinez não é opção.
No caminho pro quarto, refleti. Muita gente só enxerga o playboy festeiro, o cara das fofocas, das fotos saindo de boate com modelos diferentes. Mas tem uma parte de mim que leva os negócios a sério, muito a sério. Eu já fechei contratos milionários, já salvei filiais de fecharem, já propus ideias que renderam milhões. Só que ninguém olha pra isso. As pessoas preferem o escândalo. E agora, até meu pai jogou mais um peso nos meus ombros.
Compromisso nunca foi meu forte. Não é que eu não goste de mulheres, pelo contrário. Mas a ideia de rotina de casal sempre me deu coceira. Jantares em família, aliança no dedo, aquela cobrança. Eu corro. Sempre corri. Agora, parece que não tenho escolha.
Subi pro quarto e me joguei na cama, rindo sozinho da ironia. Como diabos vou arranjar uma noiva em seis meses? E pior: uma noiva que convença meu pai. Porque não adianta encher a mão de modelos e influencers. Ele conhece cada truque do mercado. Vai precisar ser alguém firme, alguém que segure a bronca.
As colunas sociais vão amar isso. Já até imagino a manchete: "O herdeiro rebelde finalmente vai casar."
Será?
Não sei. Mas uma coisa eu tenho certeza: essa guerra só está começando.
E se tem algo que aprendi com o tubarão branco, é que, quando ele sangra a água, os tubarões sempre aparecem.