Por cima, coloquei uma saia de couro preta bem curta, que gruda no corpo, e um cropped de strass que brilha até no escuro. Nos pés, optei por um salto plataforma de tiras prateadas que alonga minhas pernas, e finalizei com uma jaqueta jeans oversized, só pra disfarçar na rua. O look de "ir" e o look de "dançar" são duas coisas diferentes, mas já deixo tudo no jeito.
Na penteadeira, comecei a maquiagem com calma. Base leve pra uniformizar a pele, corretivo nos cantinhos, pó solto pra segurar a oleosidade. Fiz um contorno marcado, iluminador no ossinho da bochecha e no nariz, e um blush rosado pra dar aquele ar saudável. Nos olhos, esfumei sombra preta com brilho prateado, bem carregada, finalizei com delineador gatinho e cílios postiços enormes. Nos lábios, passei batom vermelho sangue, do tipo que não sai fácil, porque sei que vai resistir até o fim da noite.
Soltei o cabelo, fiz umas ondas com o babyliss e joguei spray fixador. Ficou solto, volumoso, do jeito que gosto quando estou no palco. Peguei a bolsa pequena, coloquei dentro minha carteira, celular, perfume, batom extra e a máscara de renda preta que sempre uso nas apresentações. Essa máscara virou minha marca registrada, ninguém nunca viu meu rosto inteiro na boate, e eu pretendo manter assim.
Antes de sair, fui até o quarto da minha mãe. A porta estava entreaberta e vi ela deitada, assistindo televisão. Encostei na porta e falei baixinho:
- Mãe, tô indo trabalhar.
Ela virou o rosto pra mim, sorriu cansada e abriu os braços. Entrei no quarto, sentei na beira da cama e dei um beijo demorado na bochecha dela.
- Boa noite, filha. Se cuida. - ela disse, segurando minha mão com carinho.
- Pode deixar. - respondi com um sorrisinho, tentando esconder o nervosismo que sempre bate antes de sair.
Ela apertou minha mão de leve, como se quisesse me passar força, e voltou a olhar a TV. Eu me levantei, ajeitei a jaqueta e fiquei ali parada por alguns segundos, olhando ela. É sempre difícil sair de casa à noite sabendo que ela vai ficar sozinha, mas ao mesmo tempo, é o meu trabalho, é a forma que encontrei de sustentar a gente.
Saí do quarto, fechei a porta com cuidado e caminhei até a sala. Peguei a chave na estante, dei uma última checada no meu reflexo no espelho da entrada e respirei fundo.
Era hora de dançar.
Assim que cheguei na boate, o som da música já vibrava nas paredes e as luzes de neon cortavam o ambiente. Entrei pela porta dos funcionários, onde o público não tem acesso, e cumprimentei alguns colegas de trabalho que já estavam na correria da noite. Respirei fundo, ajeitei a jaqueta no corpo e fui direto falar com o Gerente, que sempre faz questão de me atualizar sobre onde vou me apresentar.
Ele estava no balcão do escritório, contando dinheiro e falando no celular ao mesmo tempo. Assim que me viu, desligou e me encarou com aquele olhar de quem já tem uma missão pra me passar.
- Amélia, hoje você não vai pro salão principal. - ele disse, cruzando os braços.
- Ué, por quê? - perguntei, sem entender.
- Temos uns CEOs aí. Gente grande, poderoso, que paga caro. Eles querem show particular, e você vai entrar.
Assenti sem discutir. No fim, trabalho é trabalho. Eu danço porque preciso, não porque gosto de me exibir. Faço meu papel, entrego sensualidade na medida, mas sem me despir de quem sou por dentro.
Coloquei minha máscara de renda preta, tirei a roupa, e caminhei apenas de lingerie e os saltos, respirei fundo e deixei a personagem entrar em cena. Fui até a sala reservada, onde a música é mais baixa e o clima mais exclusivo. As luzes eram vermelhas, o pole brilhava no centro do espaço, e as mesas estavam ocupadas por homens de terno, copos de whisky e charutos acesos.
A batida começou. Caminhei devagar até o pole, rebolando suave, deixando o salto bater no chão no ritmo da música. Subi no mastro com firmeza, segurei com uma das pernas e deixei o corpo deslizar de ponta-cabeça, o cabelo caindo como cascata. Fiz a transição pra um giro rápido, depois cruzei as pernas e encaixei no movimento de fireman, rodando em volta do pole com graça.
Meus braços se abriram no ar, o corpo arqueou para trás, e cada movimento era calculado, sensual sem ser vulgar. Ajoelhei no chão, deslizei a mão pela coxa até a cintura, ergui o quadril em movimentos lentos e voltei a subir no pole para encerrar com a coreografia que sempre arranca suspiros: o spin invertido, girando de cabeça pra baixo, segurando com a força dos braços e deixando o corpo balançar no ar antes de descer suavemente.
Durante todo o show, senti os olhares fixos em mim, mas um em especial queimava como fogo. Um dos homens, sentado mais ao fundo, não desviou os olhos em nenhum momento. Enquanto os outros riam, brindavam e cochichavam, ele só me observava, sério, quase hipnotizado. Fingindo que não percebia, continuei até o último movimento, finalizei com um sorriso contido e saí discretamente, como sempre faço.
No camarim, tirei os saltos, sentei em frente ao espelho iluminado e soltei um suspiro longo. Levei as mãos até a máscara, desamarrei devagar e a retirei, deixando meu rosto livre. Fiquei alguns segundos me encarando no espelho, quase aliviada por estar fora da personagem.
De repente, ouvi a porta ranger. Me virei e o mesmo homem que não tirou os olhos de mim entrou sem pedir permissão.
Meu coração disparou.
- O que você tá fazendo aqui? - soltei, assustada, apertando a máscara contra o peito.
E travei na cadeira.