- Eu pago quanto você pedir. - insisti. - É só falar um valor.
Os olhos dela escureceram, a expressão se transformando.
- Eu já falei: não estou à venda, senhor. Saia agora.
Cruzei os braços, provocando.
- Todo mundo tem um preço.
Foi nesse instante que a postura dela mudou de vez. Ela se endireitou, o queixo erguido, a voz firme como nunca.
- Em toda a minha vida, nunca fui tão insultada. Eu sou uma dançarina, não uma Garota de programa. Não que eu seja melhor, mas existe uma diferença. Eu já falei três vezes e vou falar a última: eu não me vendo. Agora saia, ou eu chamo a segurança e ainda presto queixa na delegacia por assédio.
Fiquei estático, encarando aquela mulher que me colocava contra a parede com tanta firmeza. Ela não tremia, não hesitava. Pela primeira vez, percebi que estava diante de alguém diferente de todas as outras que já passaram pelo meu caminho.
Antes que eu pudesse reagir, a porta se abriu e mais duas dançarinas entraram no camarim.
- Gatinho... - uma delas sorriu, tentando colocar a mão no meu peito.
A outra riu, se aproximando mais.
- Tá perdido aqui? Vem se divertir com a gente.
Me afastei imediatamente, erguendo as mãos.
- Não, obrigado. Já estou de saída.
Saí rápido dali, o coração acelerado, sem olhar para trás. O corredor me pareceu mais longo que o normal, como se cada passo fosse pesado. Eu ainda sentia os olhos dela queimando na minha memória.
Quando voltei para a sala exclusiva, o clima era completamente outro. Já estava cheia de mulheres, todas se espalhando pelos sofás, rindo, bebendo, procurando companhia. Meus amigos vibravam, cada um cercado por duas ou três delas.
Rubens, meu parceiro de sempre, ergueu uma taça quando me viu.
- Onde você estava, pörra? Some assim do nada.
- Dei uma saída. - respondi, tentando disfarçar.
Ele riu e apontou para as mulheres.
- Então aproveita, irmão. Essa noite é nossa.
Assenti, mas a cabeça ainda estava em outro lugar. Uma garçonete entrou para repor as bebidas na mesa. Aproveitei a oportunidade e a chamei.
- Ei. - falei baixo, me inclinando. - A dançarina mascarada que se apresentou aqui há pouco tempo, qual o nome dela?
Ela congelou, os olhos correndo nervosos pelo ambiente.
- Eu não posso dar essa informação, senhor. É sigilo da casa.
Puxei duas notas gordas do bolso e deslizei até a bandeja dela.
- É só um nome. Ninguém precisa saber.
A hesitação durou segundos, mas o dinheiro falou mais alto. Ela suspirou e sussurrou:
- Amélia. Mas você não pode contar a ninguém que fui eu quem disse.
Balancei a cabeça.
- Fica tranquila.
Ela se inclinou mais, completando:
- Ela é a única daqui que não aceita programa com clientes.
Fiquei em silêncio, gravando cada sílaba desse nome na mente: Amélia.
Quando a garçonete saiu, respirei fundo. Olhei ao redor e vi as mulheres rindo, se aproximando, me puxando pela mão. Cedi. Peguei uma taça, aceitei os beijos no pescoço, deixei que as mãos me explorassem. Era fácil me perder naquele mar de luxúria.
Mas, por mais que tentasse, uma imagem não saía da minha cabeça: os olhos claros por trás da máscara e a voz firme me dizendo que não estava à venda.
Amélia. A única que ousou me dizer não.
Acordei com o toque insistente do despertador no celular. Abri os olhos devagar, a luz fraca do quarto de motel me lembrando onde eu estava. Ao meu lado, duas das garotas da boate dormiam, jogadas nos lençóis amarrotados. Perfume barato misturado com o cheiro de álcool e sexo no ar.
Suspirei, desliguei o celular e me levantei sem fazer barulho. Peguei a calça no chão, vesti a camisa amassada e, em poucos minutos, já estava pronto para cair fora. A conta já estava paga, sempre deixo isso resolvido antes. Não gosto de voltar. Nunca volto.
No estacionamento, entrei no meu carro e fui direto para o meu apartamento. A cidade ainda despertava, mas eu já estava com a cabeça em outro lugar. No elevador, vi meu reflexo no espelho: olheiras discretas, mas a postura impecável de sempre.
Hoje o treino foi rápido. Só uma corrida leve na esteira, o suficiente para suar e limpar um pouco as toxinas da noite anterior. Depois, banho gelado, terno alinhado, perfume de primeira. No café da manhã, só um expresso forte e torradas. Não havia tempo para enrolar.
Peguei o carro de novo e fui para a empresa. O trânsito parecia arrastar, mas a minha mente estava ocupada demais para prestar atenção. Não conseguia esquecer os olhos de Amélia. Aquela mulher tinha me desarmado de um jeito que eu não lembrava de ter acontecido antes.
Cheguei à sede da Martinez e, antes mesmo da primeira reunião do dia, sentei na minha sala, fechei a porta e disquei um número conhecido.
- Fala, Heitor. - a voz grave de Fabian, meu amigo e investigador particular, soou do outro lado.
- Preciso de um favor, irmão. Urgente.
- Manda.
- Quero que você levante tudo sobre uma mulher. Nome: Amélia. Ela trabalha como dançarina na boate Singles. É tudo que sei sobre ela.
Houve um silêncio breve.
- O que exatamente você quer saber?
- Tudo. - falei firme. - Quero um pente-fino completo: família, histórico, antecedentes, rotina, amigos. Quero saber se essa santinha é tão certinha quanto parece.
- Tá falando sério?
- Mais do que nunca. - respondi. - E quero pra ontem.
Ele riu de leve.
- Beleza, deixa comigo. Vou começar agora.
- Eu confio em você, Fabian. Não me decepciona.
Desliguei a ligação e fiquei encarando a tela do celular. O coração batia mais rápido do que deveria.
Eu não entendi ainda o que me atraía tanto naquela mulher. Além da beleza. Mas tenho certeza: Amélia tem um preço e eu estou disposto a descobrir.