TATIANA - SPIN-OFF DE ENCONTRO ÀS CEGAS
img img TATIANA - SPIN-OFF DE ENCONTRO ÀS CEGAS img Capítulo 6 6
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Capítulo 6 6

Konstantin

O cheiro de rosas pairava no ar. Para mim, ele representava o fedor da morte. Eu as odiei durante a maior parte de minha vida. Elas me faziam lembrar da minha mãe. A mãe que traiu seu voto e foi executada diante de meus olhos. Foi a primeira morte que presenciei, mas certamente não foi a última.

A última imagem que tive dela foi o caixão coberto de espinhos e rosas quando foi enterrada.

Tudo começou na noite em que minha mãe morreu. Aquela noite fatídica que mudou o curso de nossas vidas. Até mesmo a de Tatiana, que ainda nem havia nascido.

Alguém sacudiu meu corpo, mas eu estava dormindo muito pesado.

- Acorde. - Um sussurro abafado. A voz da minha mãe. O perfume de rosas. Mamãe sempre cheirava a rosas. Com o cérebro atordoado, pisquei os olhos para tirar o sono. Demorei um pouco para perceber o que estava ao meu redor. Eu estava em meu quarto. Meus olhos se conectaram com os olhos verdes de minha mãe, seu cabelo loiro bagunçado emoldurando seu rosto.

- Temos que ir, querido, - disse ela em um tom abafado.

Estava na ponta da língua dizer a ela que eu não era um bebê. Eu tinha seis anos. Um menino grande. Pelo menos era isso que meu pai dizia o tempo todo. Meu gêmeo, Maxim, já estava acordado e chorando. Isso não era novidade; ele sempre chorava.

- Está tudo bem, Maxim, - murmurei sonolento, acostumado a consolá-lo.- Não chore. Tudo vai ficar bem.

Embora eu não tivesse a menor ideia do que estava acontecendo. Mamãe gentilmente me tirou da cama e depois me entregou meus sapatos.

- Mamãe... para onde estamos indo?

Seu olhar, da cor do verde mais profundo da floresta, se movia ao redor, como se ela temesse que alguém aparecesse a qualquer momento. - Para um lugar seguro. - Eu lhe dei um olhar confuso. Estávamos seguros aqui. Papai era o Pakhan e nos protegia de tudo. Abri a boca para argumentar, mas ela me impediu. - Não discuta comigo, Illias Konstantin. Vocês são meus filhos e não vou deixá-los para trás.

Apressei-me em calçar os sapatos e peguei a mão de Maxim com a minha, enquanto mamãe nos levava para fora. Meu irmão mais novo, apesar de ter sido apenas por alguns minutos, cambaleou atrás de mim, ainda chorando, com seus passos desajeitados.

- Está tudo bem, Maxim, - eu o confortei. - Estamos juntos.

Antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, mamãe nos empurrou gentilmente para o banco de trás do Range Rover que papai a presenteou apenas alguns dias antes.

- Coloquem os cintos de segurança, - ordenou mamãe em um sussurro, depois correu para o lado do motorista e entrou. Assim que ajudei Maxim com o dele, os pneus rangeram quando ela deu a partida, e eu me apressei em colocar o meu próprio cinto de segurança.

As ruas de Moscou estavam vazias quando saímos de nossa casa na cidade. Estava escuro e muito frio, especialmente neste inverno. A maior parte da cidade estava dormindo, sem outros veículos ou pessoas até onde eu podia ver. Olhei para o painel do carro e vi o aviso vermelho '3:30 a.m.' - Olhando para nós.

- Mamãe, por que estamos saindo no meio da noite? - Eu a questionei, olhando para a parte de trás de sua cabeça loira.

A mão de minha mãe tremia, com os nós dos dedos brancos, enquanto ela segurava o volante. Ela também estava muito pálida; sua expressão era de medo. Ficava olhando em volta como se esperasse que alguém aparecesse e a machucasse. Mas papai não deixaria nada acontecer com ela. Ele a amava demais.

Ouvi os amigos de papai dizerem que ele amava tanto a mamãe que isso o deixou cego. Era perigoso ser assim em nosso mundo. O voto de Omertà estava acima de tudo e ninguém sobrevivia se o violasse. Nem mesmo um membro da família. Os espinhos são venenosos, murmurara o segundo em comando de papai. A rosa negra significa morte.

Naquela época, tive dificuldade para entender o que isso significava.

- Não quero ir, - gemeu Maxim. - Quero meus brinquedos.

Mamãe não lhe deu atenção. Meu irmão chorava muito e se apegou rápido demais. Pelo menos foi isso que ouvi mamãe e papai dizerem.

- Vamos pegá-los, - disse eu baixinho, quando mamãe deu uma guinada brusca, e estendi a mão para segurar Maxim antes que ele batesse na porta, enquanto eu me segurava no banco com uma das mãos. Olhei pela janela e vi que estávamos deixando a cidade para trás.

- Mamãe? Para onde estamos indo?

Seus olhos se voltaram para o espelho retrovisor e ela sorriu. Aquele sorriso especial que sempre amolecia até os corações mais duros.

- Começaremos uma nova vida, - sussurrou ela com aspereza. - Em algum lugar longe de tudo isso. - A resposta não fazia sentido. - Uma família de verdade. Você ganhará um irmão. Seremos uma família feliz. Longe de seu pai.

Essa resposta fazia ainda menos sentido. Mamãe não tinha mais bebês. Maxim e eu éramos seus bebês. Ela sempre dizia isso. E papai disse que sempre estaríamos juntos.

- Mas o papai não vai ficar feliz, - eu disse suavemente. - Ele ficará triste sem nós.

Seus olhos se iluminaram ao olhar para a distância, mas ela não respondeu. Quando pensei que talvez ela tivesse percebido o erro de seu comportamento, ela se virou em um terreno escuro e cheio de cascalho. Então eu o vi. Outro carro estava lá, uma van batida. Nosso carro parou e a van piscou as luzes. Uma vez. Duas vezes. Três vezes.

Um guincho suave saiu dos lábios de mamãe. - Soltem os cintos de segurança, - disse ela. - Nossa nova vida nos aguarda.

Ela pegou a bolsa grande no banco do passageiro que eu não havia notado e saiu do carro, abrindo a porta para nós.

- Rápido, - ela nos apressou.

Ajudei Maxim a tirar o cinto de segurança e, quando ele saiu do carro, segui atrás dele depois de tirar o meu próprio cinto. Quando saímos, o outro carro ligou os faróis altos e as portas se abriram.

Segurando a mão de Maxim, protegi meus olhos com a outra. A porta bateu. Um suspiro suave veio da minha esquerda. Era a minha mãe.

Mal tive tempo de processar tudo isso quando dois dos homens de papai agarraram mamãe. Ela não lutou, mas seu rosto empalideceu ainda mais. Maxim e eu ficamos completamente imóveis, olhando para nosso pai, que tinha uma expressão carrancuda e fria no rosto. A mais fria que eu já havia visto.

Ele agarrou um homem pela garganta. Um homem que eu nunca tinha visto antes. Ele o estava sufocando até à morte.

- Pare, - gritou mamãe. Papai a ignorou.

- Por favor, Konstantin, - implorou mamãe em um gemido. Lenosh, o braço direito do papai, manteve-a presa enquanto ela lutava contra ele. - Por favor. - Ela continuou lutando, com os olhos fixos no homem que meu pai agarrava. Um garotinho estava atrás dele, tremendo como uma folha. Ele deveria ser nosso irmão? Ele não se parecia em nada conosco. Ele não era um Konstantin. - Por favor, não o machuque. A culpa é minha.

Isso pareceu enfurecer ainda mais o papai. O gemido agudo do menino foi registrado.

- Ele tocou no que era meu, - rosnou papai. - Tirou o que era meu. Ele envenenou você contra mim. Ele morrerá, minha pequena rosa negra. Por sua traição e pela dele, ele morrerá. Assim como sua linhagem.

Maxim começou a chorar ainda mais alto, sua mão agarrando a minha como se fosse seu bote salva-vidas. Essa vida não era para ele. Mamãe disse que ele era muito sensível. Fraco demais para isso. Mas eu não. Quando ela olhou para mim, viu meu pai. Eu sabia disso. Ela até disse isso algumas vezes.

Pela primeira vez em minha vida, vi minha mãe lutar contra ele. Ela arranhava os guardas, cuspia neles e gritava. Ela gritava tão alto que perfurava meus ouvidos, e eu tinha certeza de que era igual aos gritos agudos do garoto.

- Eu era dele antes de ser sua, - ela gritou. As palavras foram dirigidas ao papai, mas seus olhos estavam marejados de lágrimas no homem que o papai estava matando lentamente. Ele estava ofegando por ar. Quase parecia que papai lhe dava ar suficiente para inspirar e depois retomava a tortura. - Eu odeio você! Odeio seu toque. Dormir na cama ao seu lado. Odeio quando você me fode. Odeio que meus filhos sejam seus filhos.

A última frase foi a ruína de papai. Em um movimento vigoroso, ele quebrou o pescoço do homem e o jogou no cascalho. Mamãe finalmente se libertou dos homens de papai e correu para o estranho. Seu amante.

Ela caiu de joelhos, sem se importar com os rasgos em seu vestido nem com as pedras cravadas em seus joelhos. Os olhos de papai ficaram negros como o céu sem estrelas acima de nós. Mais escuros do que as profundezas dos oceanos.

Ele pegou sua arma e a apontou para a mamãe.

Minha respiração estava pesada e meu coração batia violentamente. Maxim apertou minha mão com tanta força que cortou minha circulação. Os gritos do menino, os gemidos do meu irmão... tudo se desvaneceu, deixando apenas as respirações ásperas da minha mãe e as minhas.

Tudo aconteceu em câmera lenta. Uma pedra de cascalho se moveu. Uma gota de lágrima manchou a bela bochecha de mamãe, rolando pelo seu queixo. O perfume das rosas contra as temperaturas congelantes.

O pai nem sequer hesitou. Ele apertou o gatilho. Um estrondo alto. Um líquido quente espirrou em meu rosto.

O sangue da minha mãe. Até ele tinha cheiro de rosas. Ele manchou seu cabelo loiro, arruinando-o para sempre.

Rosas e morte. Era tudo o que ela representava.

Foi a primeira vez que o sangue me tocou. Desde então, eu estava encharcado dele.

Meu telefone tocou, me tirando dos meus pensamentos. Era a minha confirmação de que as câmeras de vigilância estavam instaladas na cobertura dela. Guardando o celular, meus olhos se voltaram para a pedra simples ao lado da cripta de Adrian.

Minha mãe foi enterrada aqui. Uma nativa de New Orleans. Nunca entendi por que papai trouxe o corpo dela para cá. Talvez ele a quisesse fora de seu país. Ou talvez se sentisse culpado.

Então, sim, eu odiava rosas. Só houve uma pessoa que chegou perto de eliminar meu ódio por rosas. Tatiana Nikolaev. Meus olhos se voltaram para ela. A figura solitária parada em frente à cripta de pedra.

Por que a salvei? Talvez eu não quisesse testemunhar a vida saindo de seus olhos. Desde o momento em que a vi pela primeira vez, ela me cativou. Sem muito esforço. Não era bom amar uma mulher em nosso mundo. Basta olhar para o meu pai. Basta olhar para Maxim.

Seus irmãos e o resto de sua família estavam a poucos metros de distância. Seus olhares preocupados estavam voltados para a irmãzinha. A irmã que eles quase perderam. A irmã que se casou com o melhor amigo deles. A irmã que não sabia que tinha em suas mãos o destino da maioria dos líderes do submundo. Aquele maldito chip. Adrian carregou todos aqueles malditos vídeos naquele chip junto com informações que não eram de conhecimento público.

Seus olhos fitavam a lápide. Ela não estava chorando, embora, mesmo à distância, eu pudesse ver que ela estava pálida. Seu rosto ainda estava marcado pelos hematomas desbotados, apesar de sua tentativa de escondê-los com aqueles óculos escuros.

Só o fato de ver aquele hematoma foi suficiente para me fazer querer quebrar o pescoço de Adrian com minhas próprias mãos. Ele a colocou naquela situação. Ele fez com que o submundo fosse atrás dela só por ser sua esposa. No que me diz respeito, ele se safou facilmente. Sua morte foi muito rápida.

Quando ela tirou os óculos, aqueles olhos azuis claros me impressionaram. As sombras escuras sob seus olhos os faziam parecer ainda mais azuis do que o normal. Parecia que eu estava olhando para dentro da alma dela e, ao mesmo tempo, extraindo todos os meus segredos mais obscuros.

Mas os belos olhos azuis por que os homens se apaixonavam há anos haviam perdido o brilho.

Seus irmãos se afastaram dela, deixando-a sozinha. Tatiana olhou para o túmulo de Adrian, mantendo a coluna rígida. Com um metro e setenta e sete, ela não era baixa, mas em seu estado, parecia pequena. Frágil. Quase quebrável.

Como se tivesse percebido meu olhar, ela virou a cabeça para mim. Suas pupilas se dilataram, o preto quase engolindo o azul. Um tremor visível percorreu seu corpo e, por uma fração de segundo, vi a emoção passar por aqueles azuis pálidos.

Emoção crua e sem filtros. Como se ela se lembrasse.

Ela se lembrava?

Mas então ela piscou e voltou seu olhar para a tumba. Como se as paredes estivessem se aproximando, ela envolveu os braços em torno de sua cintura pequena. Ela estava sozinha, em um lugar onde ninguém mais pertencia.

Em algum lugar onde ela não sentiria nada além de dormência. Ela havia selado seu coração e sua alma.

Ela pensou que era o fim.

Isso era apenas o começo.

            
            

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