Senti falta do antigo Adrian. Aquele com quem eu cresci. Aquele que eu conhecia antes de tudo se complicar entre nós. A maneira como ele me preparava o café da manhã ou me levava para assistir a uma apresentação de ópera russa enquanto lutava contra a vontade de cochilar. Não havia muitas coisas russas que eu adorava, mas a ópera era uma delas.
Droga, sinto falta dele. As coisas eram boas entre nós. Até nos casarmos. Então, algo deu errado e eu ainda não tinha descoberto o que tinha sido ou por quê. Não conseguia esquecer todos os bons anos que tivemos.
Toda a confiança e a felicidade. Mas agora eu estava sem isso. Era difícil ver as pessoas ao meu redor serem felizes, enquanto eu ficava de fora.
Eu estava evitando minha família como se fosse uma praga. Isabella e Aurora eram incansáveis - verificando como eu estava levando-me às consultas com o terapeuta e com o médico que estava tratando dos meus ferimentos. Seus olhos estavam sempre voltados para mim, observando-me com preocupação e oferecendo conselhos. Eu não precisava de nenhum. Só queria que essas etapas fossem concluídas para que eu não me machucasse tanto. Por que demorou tanto tempo para passar por esse sofrimento?
Hoje, achei que teria um alívio. Vasili e Sasha se ofereceram para me levar para o último check-up e depois decidiram me oferecer um almoço.
Então, aqui estava eu.
Minhas emoções mudaram, passando da raiva para a dor.
Meus olhos vazios me encaravam. Como o oceano, refletindo uma alma presa em suas profundezas, onde os monstros se escondiam. Quanto mais eu tentava chegar à superfície, mais rápido eu me afogava.
E ninguém podia me ver. Ninguém podia me ouvir. Meus gritos eram silenciosos.
Meu rosto estava mais pálido do que o normal. Os hematomas haviam se reduzido a nada. Mas, por dentro, eu ainda os sentia. Em meu coração, em minha alma, até mesmo em meus ossos. Tudo doía.
Um arrepio me percorreu.
Meu coração se contorceu, sendo arrancado do meu peito, centímetro a centímetro. A dor me arranhava enquanto eu olhava para o sangue que manchava minha calça branca com desespero. Com uma dor surda no fundo de minha alma.
Algo apertou minha garganta, roubando todo o oxigênio dos meus pulmões.
Perdido. Tudo estava perdido.
Eu ficaria sozinha. Para sempre. Sasha acabaria se casando. Vasili tinha sua própria família. Até Alexei tinha sua própria família. Neste mundo, os homens preferiam mulheres mais jovens. Virgens. Eu não era nenhuma dessas coisas. Os homens deste mundo podiam ter quantas mulheres quisessem. Mas, para as mulheres, só era permitido encontrar o amor uma vez, como se fosse uma maldita regra. Eu tive a minha chance de ter uma família com Adrian e ela morreu, junto com ele, em uma estrada esquecida por Deus no meio do nada. De forma violenta.
O pânico repentino se expandiu em minha caixa torácica. Oh, Deus.
Eu não conseguia respirar. Não conseguia pensar. O oxigênio foi substituído por um incêndio, corroendo tudo em seu rastro. A sensação de perda me sufocou com uma vingança. Eu não conseguia mais lidar com isso.
Quatro semanas fingindo que estava bem. Meu controle se rompeu.
Eu me irritei e depois reagi. O fogo ardeu em minhas veias. Minha bolsa vermelha Christian Louboutin voou pelo ar e atingiu o espelho. De novo. E mais uma vez. A lata de lixo de metal veio em seguida. Ela quebrou o espelho, o som do vidro batendo no azulejo ecoou pelo banheiro.
Olá estágio dois... raiva.
Meus ouvidos soaram. Seja pelo vidro ou pelo sangue correndo em minhas veias. Ou talvez fossem os gritos que perfuravam o ar.
O zumbido quente percorreu minhas veias. Minhas cordas vocais arranharam minha garganta.
O ar escapou de mim em um ímpeto quando as mãos vieram de trás de mim, uma envolvendo minha boca e a outra minha cintura.
- Tatiana, pare com isso, - rosnou Vasili.
Deveria ter sido meu aviso. Suas palavras foram mais ásperas. Seu sotaque russo ficou evidente. Mas eu estava muito longe.
Eu arranhei seus braços. Mordi sua mão. Depois gritei. Gritei até minha garganta doer e sentir o gosto de sangue em minha língua. Gritei até meus ouvidos zumbirem. Gritei até minha alma sangrar.
Até que não restasse nada além do vazio.
E então, desmaiei.
Acordei com lágrimas manchando meu rosto e suor escorrendo pelas costas. O pânico ainda me consumia o peito, roubando o oxigênio dos pulmões. Meu lábio ardia e lambi o corte no lábio inferior. Não fazia ideia de como o havia feito, mas estava doendo muito.
- Ela precisa buscar ajuda.
A voz de Vasili era um sussurro abafado. Meu corpo balançava para a frente e para trás enquanto Vasili dirigia como se estivesse irritado e pronto para perder a paciência. Devia ser ruim se ele estava dirigindo como um maníaco. Ele raramente fazia isso desde que teve seus filhos.
Um pequeno monstro verde deslizou por minhas veias. A inveja e o ódio eram uma droga. Eu nunca os havia experimentado antes. Não desse jeito. Não tão fortes. Até agora.
Mantive meus olhos fechados, ouvindo o zumbido do motor.
- Você não vai mandá-la embora, - sibilou Sasha. - É nosso trabalho ajudá-la. Só se passou um mês. Ela está melhorando lentamente.
Ele não acreditava nisso. Até eu podia ouvir a dúvida na voz do meu irmão.
- Ela acabou de destruir o banheiro de um restaurante em sua fúria, - sibilou Vasili. - Ela me mordeu. Me bateu. E cortou o lábio no processo. Como diabos você acha que ela está melhorando?
Seguiu-se o silêncio. Não me preocupei em me mexer. Deixei que pensassem que eu estava dormindo. Era melhor do que participar dessa conversa de merda.
- O que a fez explodir? - Perguntou Sasha. - Você disse alguma coisa?
- Não, - disse Vasili. - Fui ver como ela estava, já que estava demorando tanto, e a encontrei batendo no espelho, com as mãos ensanguentadas de cacos de vidro cortando sua palma.
Seguiu-se o silêncio, mais alto que um tiro. Era denso, pesado e ameaçador. Ensurdecedor.
- Ela vai melhorar, - Sasha resmungou. - Não é que nossa família seja boa em luto. Nossa própria mãe foi ao extremo. Nosso pai não estava longe disso.
- Tatiana não é nada parecida com a mamãe e muito menos com o papai, - disse Vasili.
Mas todos nós sabíamos que isso era besteira. Cada um de nós tinha as qualidades de nossos pais. Boas e ruins. Nosso controle era inexistente, nosso ciúme mortal e nossa fúria destrutiva.
O carro parou, mas ouvi carros passando por nós. Devia ser uma placa de pare.
- Leve-a para ver o médico, - murmurou Sasha. - A mão dela provavelmente precisará de pontos.
- Isabella pode fazer isso.
- Não! - A única palavra, rouca e crua, saiu sem que eu percebesse que havia falado em voz alta.
Meus irmãos se viraram em uníssono. - Você e Bella são melhores amigas, - argumentou Vasili.
- Por favor, leve-me para casa, - sussurrei, sentandome. Os olhos de Vasili se voltaram para minha calça. O sangue agora manchava a maior parte da minha calça branca e eu peguei a jaqueta de alguém para escondêla.
- Você precisa de pontos, - argumentou Sasha, mantendo a voz suave.
- Então me leve a um médico, - argumentei, mantendo meus olhos baixos. - Não quero ir para sua casa, Vasili.
- Por que diabos não? - ele exigiu saber com um rosnado. - Somos uma família. Não vou deixar você se isolar.
O silêncio ficou tão ensurdecedor que lambeu minha pele. Como um suor frio contra a pele úmida.
Não ficamos sentados em silêncio por muito tempo até que uma buzina tocou, fazendo-me dar um pulo. Sasha empurrou a mão para fora da janela e os mandou parar. Vasili deu a volta e continuou dirigindo, mas Sasha continuou me observando.
- Vou levá-la para minha casa, - declarou Vasili. O ódio me encheu de um ardor abrasador. Não contra ele. Não contra minha melhor amiga, mas contra a vida, o destino e a injustiça de tudo isso. Respirei fundo e depois respirei novamente quando minha visão ficou embaçada. Eu precisava me recompor. - Isabella vai arrumar você, e depois você ficará conosco.
- Não quero ir para sua casa, - gritei, perdendo a cabeça. De novo. - Lá é tudo feliz e alegre. Não quero ver isso.
Admissão e ciúme deixaram meus lábios e bateram contra o metal do carro. Era tarde demais para retirar as palavras.
- Você precisa seguir em frente, - disse Vasili em voz baixa.
- Seguir em frente, - repeti baixinho. - Ele era tudo para mim. Como posso seguir em frente?
- Tatiana... - Vasili começou, mas eu o interrompi.
- Não, ouça. Escute, Vasili. - Respirei fundo, mas, em vez de me acalmar, isso só alimentou a amargura e a raiva que se apodreciam dentro de mim. - E se tivesse sido Isabella? Você simplesmente seguiria em frente? Eu não vou para sua casa. Como você acha que isso me faz sentir? Vendo tudo o que você tem e que eu nunca terei. Eu não tenho mais nada. Nada, porra.
Os olhos de Vasili se voltaram para o espelho retrovisor, encontrando os meus. Arrependi-me instantaneamente das palavras. A amargura crua deveria ser escondida, e não ser mostrada ao mundo. Especialmente contra meu irmão. Ele merecia felicidade.
As lágrimas escorriam pelo meu rosto. Eu mal havia dito dez frases, mas já estava ofegante quando as pronunciei. Meus lábios tremiam. Minhas mãos tremiam. O sangue escorria pelas palmas das minhas mãos e pingava no paletó.
- Vamos levá-la ao hospital, - disse Vasili por fim. - Temos um médico na folha de pagamento de lá.
Esse foi apenas o início de minha dolorosa jornada.