A mãe de Lisbeth, a lady Francesca, era a melhor amiga da Condessa de Culbert, lady Regina Culbert, o que fazia suas famílias se unirem em todas as datas especiais, jantares, recepções e, não muito improvável, fofocas. Lorde Culbert, Phillip que o diga. Benedict, mais novo alguns anos que Liam, era visto frequentemente cortejando as moças nas recepções por toda Kent, ou em jantares. Lisbeth odiava o jeito galante e terrivelmente irresistível dos Benningtons; não sabia se era o sorriso frouxo ou o jeito aparentemente contido, ou até o olhar sincero, eles sempre encantavam qualquer que seja a criatura que ousasse cruzar seus caminhos.
Mas ela tinha que admitir. Liam Bennington era de longe o homem mais bonito da região. Com olhos azuis cristalinos e cabelos louros, encantaria qualquer donzela que se atrevesse a olhar para ele, mas havia apenas uma coisa incontestável: seu caráter duvidoso. Se conheceram logo depois de ter idade o suficiente para ser apresentada à sociedade Londrina, seu pai havia acabado de falecer naquele época e Lisbeth estava tão triste, que chorava por todos os cantos como uma desesperada. Liam se atreveu a provocá-la, e ela, por sua vez, depois de muito se controlar, pisou seu pé com toda a força que conseguia. A menina não fazia ideia de quem ele era. Liam foi mantido afastado dos campos por anos até que seu pai o trouxesse, e quando inevitavelmente estavam se dando bem - por muito esforço de ambas as famílias - foi mandado de volta para Londres, para estudar, pois como herdeiro, iria precisar saber de muito mais coisas do que cavalgar ou ver as plantações. E depois de seu pai morrer, ele voltou, já no auge de seus vinte e cinco anos, onde cuidou por um tempo da propriedade e da fazenda, antes de impor para Benedict e a mãe todo o trabalho. Lisbeth lembrava apenas de um garotinho implicante, que se tornara um homem exuberante e rodeado por fofocas e mulheres. A relação dos dois passou a ser de intriga e desavenças; não havia conversas, não havia olhares. Ela já era moça e devia ser apresentada à sociedade para arrumar um bom marido, um que não fosse um libertino descompromissado e vadio feito Bennington. Quando sua mãe morreu, ela prometeu que iria viver feliz para sempre, mas isso foi muito antes de ser levada à força para uma casa no meio do nada, na França e, três anos depois, ser trazida de volta. Aos vinte e um anos, provavelmente não sabia se iria cumprir a promessa.
Liam a levou, cuidadosamente, até Mary Hall, onde foi recebida por Christian. Ele estava na varanda, lendo alguma coisa. Os acompanhou até o quarto. Liam explicou tudo o que podia com a ajuda de Lisbeth e Prudence, a criada, entrou no quarto carregando algumas caixas, que depositara sobre uma cômoda no canto.
- Entendo - Disse Christian depois de escutar toda a conversa. Ele olhou para Lisbeth, que andava na direção do trocador. - Que tal uma camisa? Parece desconfortável. - Ofereceu ele a Liam, que assentiu no mesmo instante.
- Se puderem sair... - disse ela. Prudence ajudou-a a se livrar do vestido esfarrapado enquanto os cavalheiros se dirigiam para fora do quarto.
- Lisbeth! - James entrou como um raio. A porta que até então estava fechada foi escancarada. - Lisbeth!
Lisbeth vestiu o vestido com pressa. Tanta pressa que esqueceu do pé e quase caiu. Seu irmão mais velho, James, entrou no quarto.
- Pode me dar licença? - A atitude desprezível de James a fizera franzir o cenho numa careta. Prudence endireitou o vestido e arrumou seu cabelo. - Estou trocando de roupa.
- Onde estava? Eu a procurei por todo o lugar. - Disse ele, irritado. Liam e Christian entraram no quarto. Prudence ajudou Lisbeth a andar até a cama. James percebeu que sua irmã estava mancando e perguntou, olhando para Liam, que cruzou os braços. - O que está havendo aqui, afinal? - E olhou para Christian, que piscou e apontou para Lisbeth.
- Um bode me perseguiu, eu subi numa árvore e Liam me ajudou a descer, mas acabei torcendo o tornozelo. - Ela explicou. James estreitou os olhos e olhou para Liam. Ele o empurrou. - James! Ele tentou me ajudar!
- O que tentou fazer com ela? - Perguntou ele. Christian, James e Liam olharam para Lisbeth.
- Nada. Eu só a ajudei a sair de cima da árvore.
Lisbeth bufou.
- Vamos conversar. - James pegou Liam pelo braço e passou pela porta. Christian seguiu e fecharam a porta.
Lisbeth saltou da cama, com cuidado para não machucar o pé e andou até a porta, onde apoiou o corpo e colou a orelha na porta.
- Você tentou contra a honra dela? - Uma voz baixa perguntou. James, Lisbeth deduziu. - Você sabe que o trato deixava bem claro que se a tomasse como sua antes do casamento...
O quê?
Lisbeth quase teve um ataque cardíaco. Ela levou a mão ao peito e franziu a testa, prestando ainda mais atenção à conversa.
- Eu nunca tentaria fazer algo tão repugnante. E você sabe, eu sempre cumpro meus acordos. Eu não sabia onde meu pai estava com a cabeça, mas nunca deixaria Lisbeth por algo tão banal. Eu vou cumprir o trato. Irei casar-me com ela. - Garantiu Liam. Lisbeth pensava estar ouvindo errado. Desde quando seus irmãos planejavam um casamento para ela? E de que acordo estavam se referindo?
- Você sabe que só herdará o título do seu pai quando honrar o acordo. Nossos pais sabiam o que era melhor e por mais que eu deteste negociar minha própria irmã como uma galinha, é o que deve ser feito. - Disse James.
Lisbeth piscou, repentinamente tomada por uma sensação de medo e ansiedade. Do que estavam falando, afinal? Liam sabia disso antes mesmo de se encontrarem mais cedo?
Depois que os pais morreram, ela teve que ficar sob os cuidados de seus irmãos. Odiava o fato se ser um fardo para eles, mas depois de os boatos sobre a honra impecável de Lisbeth ter sido tirada, não lhe sobrou muitas opções. Aos dezoito, foi mandada para o interior da França para que os boatos fossem abafados e recentemente foi trazida. Suspeitou que algo estivesse acontecendo, mas nunca lhe passou pela cabeça que os irmãos haviam tramado uma armadilha, ou melhor: que seu pai havia tramado uma armadilha.
- Eu entendo - disse Liam. - Nossos pais queriam que tivéssemos um futuro. Eles não previram que nos separaríamos por um infortúnio destino. Por isso eu peço que me dêem tempo para que eu posso contar à Lisbeth.
Lisbeth vacilou o peso do corpo e se afastou da porta. Seu chão sumiu sob os pés, lhe causando uma estranha sensação que fazia o estômago girar na barriga. Ela queria vomitar, uma ânsia terrível a tomava, fazendo com que sentisse algo invisível escorrendo pelos braços, como uma gosma fedorenta. Ela correu para a cama, perdida de uma forma que não sabia explicar, mas que era terrivelmente dolorosa. Teve que segurar as lágrimas que ameaçavam aflorar os olhos.
Não era tristeza, mas também não era frustração. Era medo, talvez indignação, um sentimento que se prendia no alto da garganta e tinha gosto amargo, tão amargo, que se recusava a engoli-lo.
Ela nunca se casaria com Liam.
Nunca.
***
Liam não era exatamente um exemplo a ser seguido, principalmente porque ele mesmo queria ser daquela forma. Não que fosse um libertino desprezível que dormia com moças e as tratava como nada, mas também não era nenhum santo. Sua fama não era nada adequada para um futuro conde, visto que se aproveitava das vantagens que a vida lhe proporcionou. Ele não enxergava, de modo algum, que teria mesmo que realizar os desejos do pai e cumprir o maldito trato.
Anos atrás, quando Liam se negou a estudar o que seu pai queria, ele lhe ameaçou, dizendo que se continuasse de tal modo, nunca poria as mãos em sua fortuna, que herdaria após a morte do pai. Acontece que, logo que seu pai morreu, Liam teve o desgosto de descobrir que seu pai cumpriu a promessa. Ele fez um acordo com o patriarca dos Taylor, declarando que Liam só teria direito à fortuna se cumprisse o que estava escrito no papel: ter a primeira filha de lorde Taylor como sua esposa, de modo que as duas famílias ganhariam com o acordo. Não é preciso dizer o quão furioso Liam ficou ao descobrir que sua vida dependia da boa vontade de Elizabeth Taylor, que não passava de uma menina mimada.
Liam tentou viver o máximo que pôde antes de os boatos sobre a honra da srta. Taylor terem corrido pelos sete cantos de Londres. Ele voltou assim que soube, mas ela já não estava mais ao seu alcance. Tinha sido confinada como uma leprosa. Ele não sentia nada por ela, disso tinha certeza, e sabia que o destino selado não os impediria de amar quem quisesse, mas o problema era justamente esse.
Liam nunca havia amado alguém antes. Nem ao menos se apaixonado. Desfrutara dos prazeres carnais, mas nunca havia tido a honra de se aventurar num coração. E, de súbito, sucumbiria a um casamento.
- De fato - Christian interviu. - Lisbeth com certeza não gostaria de receber essa notícia.
- Lisbeth não tem escolha. Ela já passou da idade de se casar e nosso pai sabia que isso garantiria alguma coisa. Senão amor, ao menos um teto sobre a cabeça. - James disse. Liam respirou fundo.
- Eu posso garantir que oferecerei tudo o que há de melhor a ela. Eu nunca deixaria Lisbeth pagar por um erro cometido por nossos pais. - Disse ele. James o encarou, como se tivesse acabado de confessar um crime. - Eu não a amo, mas com o tempo, talvez, possamos encontrar o conforto um no outro.
Ele não sabia exatamente se aquilo era real, mas acontece que todos os casamentos que começavam com amor, acabavam com ódio. Ele não queria ser como parte dessas pessoas; não queria estar amarrado a contragosto com uma mulher que nem conhecia direito. Se via obrigado, embora soubesse que Lisbeth odiaria a situação tanto quanto ele.
Liam fitou James, que alinhou o casaco. Os olhos castanhos pousaram sobre a camisa de linho que Christian o emprestara. Liam procurou algo em seu olhar, mas não encontrou nada que pudesse se segurar.
Ele não se via como um bom marido que esperava pacientemente que sua esposa estivesse pronta para amá-lo, e muito menos não se via agarrado a uma mulher. Seus desejos, seus segredos, suas vontades... tudo morreria quando pusesse os pés no altar? Tudo caíria por terra quando aceitasse Lisbeth como sua esposa?
Não havia outra saída.
Quando a salvou mais cedo, percebeu o desejo tomar conta do corpo, mas não sabia se aquilo era realmente desejo ou apenas atração e não se via, de certa forma, tendo Lisbeth para si, como sua, verdadeiramente.
- Acho melhor ir embora - Liam disse, cansado de repente. - Já tomei muito do seu tempo. Você deve contar a ela sobre o acordo ainda hoje, dessa forma creio que será mais fácil. - Disse. James assentiu.
Seu pai tinha selado seu destino quando assinara o maldito acordo. Liam tentou, várias vezes inclusive, descobrir se era válido. De certo modo, sim. Era uma garantia, um acordo, e se negasse cumpri-lo, não teria o que tanto desejava: liberdade. Por outro lado, sabia que tudo o que desejava seria enterrado juntamente ao corpo do pai. Já não tinha tanta certeza de que poderia abrir mão de sua vida, se entregar de tal forma a um casamento sem nenhum sentimento. Isso o condenaria a ter uma vida desprezível.
Liam não aceitaria nada menos do que o incrível.
Liam foi acompanhado pelo mordomo. Havia escutado rumores de que os Taylor estavam sem nenhum dinheiro. Talvez fosse desespero, afinal, por que haviam esperado tanto tempo? Talvez, Liam pensou, se oferecesse o que queriam, eles poderiam deixar o acordo de lado.
Despedindo-se do mordomo, Liam montou Maximus, que remexeu sob seu peso. Ele agarrou as rédeas e ordenou que o amigo galopasse, chocando-a contra a pele do cavalo levemente. Maximus seguiu suas ordens, galopando na direção do vasto campo à frente.
Liam perdeu-se em seus pensamentos, achando graça da situação em que se encontrava. Ele iria se casar com uma mulher que o odiava. Seu futuro estava nas mãos de Lisbeth, disso não tinha dúvida. De um jeito ou de outro, dependia dela.
Era justamente isso que fazia sua espinha gelar.
Ele estava nas mãos pequenas e macias de uma mulher que o odiava.
De que outra forma faria para tê-la em suas mãos?
E, como um passe de mágica, encontrou a resposta:
- Irei fazê-la se apaixonar por mim!