- Desculpe senhor, mas não pretendo demorar - eu disse recusando a oferta gentilmente.
- Parece que alguém não vê a hora de dar o fora daqui - ele disse com um sorriso fraco - É uma pena estar nos deixando, Sam.
- Você sabe que eu já deveria ter feito isso a dois anos, Dan.
- O que eu sei, é que você deveria ter superado isso a dois anos. O que aconteceu e como veio parar aqui, não foi culpa sua.
O senhor negro, calvo de olhos grandes e gentis, com certeza era a única pessoa de quem eu sentiria falta nesse lugar. Além de meu chefe, Dan foi um ótimo amigo e não me desamparou quando o pior aconteceu e todos se viraram contra mim.
- As pessoas aqui não acham isso. Todo mundo nesse lugar me odeia e eu nem posso culpá-los.
- Como é que as pessoas vão te perdoar se nem você consegue fazer isso? - sua voz soou em tom mais melancólico do que eu gostaria e seus olhos me observavam com tristeza.
Eu peguei o disco rígido recuperado na Chechênia e o entreguei, ignorando seu olhar de pena.
- Acha que está pronta para trabalhar em grupo novamente? - ele perguntou preocupado.
- Sim, senhor - respondi, forçando meu melhor sorriso já que precisava que ele acreditasse, pois não tinha a menor intenção de emendar essa conversa.
- Não minta pra mim, garota, eu te conheço.
Droga, tarde demais!
- Dan o que quer que eu diga? - eu disse cruzando os braços -Eu não posso mais continuar aqui. Eu odeio ter que atrair e manipular pessoas, eu só quero fazer meu trabalho sem ter que mentir sobre quem eu sou-desabafei.
- Desculpe, você está certa. Use tudo o que aprendeu aqui para fazer seu trabalho valer a pena. Acho que no fim das contas, estou sendo um filho da mãe egoísta não te deixando partir - ele disse soltando um longo suspiro - Eu só pensei que com o tempo as coisas ficariam mais fáceis pra você.
- Eu vou ficar bem, Dan - eu garanti, suplicando intimamente para não termos essa conversa... de novo
- Eu só estou cansada e ainda preciso terminar de empacotar algumas coisas pra mudança.
Ele me observou calado por alguns segundos que pareceram horas, enquanto eu abaixei meus olhos tentando fugir dos seus.
Eu esperei por um sermão, alguma lição de moral ou um último conselho. Mas ele não falou nada, apenas me observou com seus olhos tristes enquanto soltava um longo e pesado suspiro.
- Eu vou sentir sua falta, querida - ele disse seguindo até mim e me abraçando gentilmente - A agência com certeza vai lamentar a perda de uma das suas melhores agentes.
Segui meu caminho com suas últimas palavras ecoando em meus ouvidos. Eu tinha me colocado ali e é assim que pessoas como eu acabam. A SSB é uma agência que treina pessoas para tirar informações através de manipulação e eu estava tão farta disso.
Assim que cheguei em casa, me livrei dos malditos saltos que ferviam sob meus pés. Em seguida, tirei a pistola da minha coxa junto com a tira áspera que a prendia e antes que pudesse colocá-las sob a mesa, eu apontei a arma para a silhueta que se moveu sentada no escuro.
- Meu Deus do céu, Miller! Quer levar um tiro? - eu bufei de raiva quando reconheci seu rosto.
- Você sabe que eu odeio quando me chama assim - ele respondeu.
- E você sabe que eu odeio quando invade meu apartamento, droga!
- Tenha mais respeito. Eu sou o seu pai, garota.
- Isso não te dá o direito de invadir, pai. Será que não dá pra bater na porta como uma pessoa normal?
- Eu não ia ficar lá fora esperando -ele se defendeu, levantando e caminhando em minha direção.
Miller sabia o quanto eu odiava as invasões que fazia no meio da noite ao meu apartamento, mas ele não ligava. O general teimoso e egocêntrico costumava me deixar furiosa com bastante frequência e ele parecia adorar isso.
- Acabei de saber sobre a Chechênia. Meus parabéns! - ele disse-Aquele disco rígido está cheio de informações valiosas.
- Eu deixei a agência faz vinte minutos - eu questionei colocando as mãos na cintura - Como é que consegue saber dessas coisas tão rápido?
- É a parte boa de ser quem eu sou minha cara. Privilégios - ele disse me fazendo revirar os olhos com a sua costumeira falta de humildade.
- Você não precisa vir aqui cada vez que retorno de uma missão, pai - eu protestei irritada - Isso já está ficando chato.
- Bem... eu não vou mais precisar, já que estará comigo nos próximos dias - ele sorriu vencedor.
Eu bufei enquanto meus lábios formavam uma linha reta. Apesar de tudo, eu ainda não estava certa se deixar a minha vida em Londres era a melhor decisão.
Mas que porra de vida você tem aqui, Samantha?
Eu não tinha. Não mais.
Tudo o que consegui acumular nesses últimos anos foi um amontoado de frustrações e perdas pelo caminho.
- Eu só não sei se estou pronta para deixar Londres.
- Não há mais nada pra você aqui, Sam. Lembre-se que os Estados Unidos também é a sua casa. Pense nisso como uma nova chance - ele disse enquanto se aproximava - Um novo recomeço. Você precisa disso, querida.
- Eu já estou fazendo isso pai- sussurrei - Estou tentando recomeçar a dois malditos anos.
- Isso não é recomeço, Sam. Trabalhar sozinha nessas missões disfarçadas e se arriscando o tempo todo sem ter apoio, não é vida pra você.
- Eu dou conta.
- Eu sei. E é exatamente por isso que eu te recrutei para fazer parte da minha equipe.
Meu pai coordenava uma equipe de inteligência militar antiterrorismo no Kansas. Com o meu treinamento e experiência como agente de campo, ele estava me dando a chance de provar que eu ainda tinha algum valor e fazer as coisas certas dessa vez.
Lembrar do passado me assombrava. Pensar em quanto sofrimento eu causei e das pessoas que eu perdi no caminho apenas por confiar em mim, fazia meus demônios urrar dentro da minha cabeça.
Para o general, no entanto, era a chance de recuperar o tempo perdido com sua única filha. Eu sabia que depois do que aconteceu, ele não confiava mais no meu julgamento ou na minha habilidade de agente treinada. Agora era só a chance de finalmente termos um relacionamento pai e filha fácil e saudável.
Na verdade, nós nunca tivemos um relacionamento. Eu passei a minha infância vendo meu pai raramente. Na adolescência era uma vez por ano, depois... bem, o depois foi a dois anos atrás, quando ele me visitou na UTI.
Eu sabia que essa era a única, se não a última chance que teríamos e eu tinha que ao menos tentar.
- Amanhã vai haver uma condecoração e eu vou discursar. Gostaria que estivesse lá - ele disse, interrompendo meu auto flagelo.
Eu levantei as sobrancelhas em surpresa - Uma festa? Não, Obrigada!
Ouvir o discurso arrogante, orgulhoso e presunçoso de um general que adora ser bajulado, não está na minha lista de prioridades.
- Poderia ao menos considerar? Significaria muito pra mim. Eu realmente estou tentando, Sam.
Sim, ele falava de nós. Estávamos tentando ser uma família de novo desde que o general me encontrou entre a vida e a morte no St. Mary's.
Apesar de crescer na América, eu considerava Londres como minha casa já que também era Inglesa por parte de mãe.
Eu suspirei alto, balançando a cabeça e concordando.
Assim que se despediu, eu segui para o banho cheia de remorso inesperado e indesejado. Minha vida estava uma bagunça e eu sabia que ficar ao lado da única pessoa que me restava era a minha melhor opção no momento.
Afinal, não há nada de errado em recomeçar longe de tudo o que te machuca, quando você está tão destruída e quebrada por dentro.