E o homem a quem dediquei cinco anos da minha vida? Ele olhou para minha ferida sangrando, depois para sua namorada chorando, e acreditou nela quando ela alegou que eu a ataquei.
"Você está demitida", ele cuspiu.
Ele achava que estava demitindo uma funcionária desonrada. Ele não fazia ideia de que estava demitindo Alice Valenzuela, a única herdeira da mesma corporação que acabara de salvar sua empresa.
Minha próxima ligação não foi para um advogado. Foi para o meu pai.
Capítulo 1
Ponto de Vista: Alice Valenzuela
O momento em que Bernardo Campos, o homem cuja empresa eu construí do nada, me demitiu na frente de toda a indústria de tecnologia, não foi o momento em que meu coração se partiu. Ele já havia sido estilhaçado em um milhão de pedaços, um para cada vez que ele a escolheu em vez de mim. Mas essa história não começa com o fim. Começa cinco anos atrás, com esperança, e morre aqui, neste escritório, com uma mentira.
A linha final de código piscou na minha tela, um farol verde brilhante na escuridão da madrugada do escritório da InovaTech. Apertei 'Enter' e prendi a respiração. O sistema zumbiu, girou e então... estabilizou. A violação de dados catastrófica que ameaçava afundar nosso maior cliente, e a nós junto com eles, estava contida. Uma onda de alívio, tão potente que fez minha cabeça girar, me invadiu.
Recostei-me na cadeira, o couro gemendo em protesto. Meus olhos ardiam de tanto encarar o monitor por trinta e seis horas seguidas. Uma dor surda latejava na base do meu crânio, uma companheira familiar em noites como estas. Esta foi a quinta vez em cinco anos que eu, sozinha, tirei a InovaTech da beira da falência. Eu era Alice Valenzuela, com MBA pela FGV, Chefe de Gabinete do CEO e a arma secreta mais bem guardada da empresa.
Justo quando eu estava prestes a fechar meu laptop e tentar me sentir humana novamente, a porta do escritório de Bernardo se abriu. Mas não era Bernardo.
Uma jovem, mal saída da adolescência, estava na porta. Ela usava um vestido rosa-bebê que parecia mais apropriado para uma festa de faculdade do que para uma startup de tecnologia, e seus olhos, grandes e azuis, examinaram minha aparência desgrenhada com um olhar de nojo mal disfarçado.
Esta era Kátia Bastos. A nova estagiária. A nova namorada de Bernardo.
Ela franziu o nariz, seu olhar demorando-se nos copos de café vazios e nas embalagens de iFood espalhadas pela minha mesa. "Nossa. Parece que passou um furacão aqui."
Forcei um sorriso tenso e profissional. "Apenas enfrentando uma tempestade, Kátia. Está tudo seguro agora."
"Certo", disse ela, a palavra pingando ceticismo. Ela entrou na sala, seus saltos altos estalando bruscamente no piso de cimento queimado. Ela passou um dedo perfeitamente manicure na superfície da mesa de carvalho polido de Bernardo, depois olhou para mim. "O Ben diz que você é a mão direita indispensável dele. O tudo dele."
A maneira como ela disse 'tudo' estava carregada de algo afiado e desagradável. Não era um elogio; era uma acusação.
"Trabalhamos juntos há muito tempo", eu disse, mantendo minha voz firme.
"Imagino", ela ronronou, seus olhos passando pelo meu vestido preto simples e bem cortado, depois de volta para o meu rosto. "É incrível o que uma mulher pode conseguir quando é... dedicada. Você deve ter trabalhado muito, muito duro para chegar tão perto do CEO."
A insinuação foi tão sutil quanto um soco no estômago. Ela não estava apenas questionando minha ética de trabalho; estava questionando minha integridade. Ela estava me pintando como uma alpinista social, o tipo de mulher que usa o corpo para subir na vida.
"Eles chamam mulheres como você de 'alpinistas sociais', certo?", ela continuou, sua voz leve e conversacional, como se estivesse discutindo o tempo. "O tipo que sobe na vida dormindo com o chefe."
O ar me faltou. As palavras pairavam no espaço entre nós, feias e venenosas. Por cinco anos, minha vida tinha sido a InovaTech. Eu derramei meu sangue, suor e uma mente afiada por uma das melhores escolas de negócios do mundo nesta empresa. Sacrifiquei sono, relacionamentos e uma vida de luxo inimaginável, tudo para provar que eu poderia conseguir por conta própria, sem o nome Valenzuela.
Minha mente disparou, catalogando minhas conquistas. O aporte Série A que eu garanti quando estávamos sangrando dinheiro. A parceria bilionária com a OmniCorp que negociei de uma cama de hospital enquanto me recuperava de uma pneumonia. As três patentes que ajudei a registrar e que agora formavam o núcleo da propriedade intelectual da InovaTech. Meu valor de mercado não era apenas alto; era estratosférico. Headhunters do Google e da Apple me deixavam recados na caixa postal semanalmente, oferecendo pacotes que fariam o salário de Bernardo parecer um erro de arredondamento.
E essa... essa criança, cuja única contribuição para a empresa era aquecer a cama do CEO, estava me chamando de vadia.
O choque foi tão profundo que pareceu um golpe físico. Eu, Alice Valenzuela, que me orgulhava de meu intelecto e de minha ética profissional inabalável, estava sendo acusada do clichê mais antigo e misógino que existe.
Meu primeiro instinto foi revidar, eviscerá-la verbalmente com os fatos frios e duros da minha carreira. Mas eu sufoquei a raiva. Eu era uma profissional. Eu não seria arrastada para o nível dela. Mantive minha expressão uma máscara cuidadosa e vazia, minha espinha rígida.
Mas por dentro, algo mudou. Uma decisão, fria e clara, começou a se formar nos destroços do meu choque e nojo. Este jogo que ela estava jogando, esta farsa tóxica e humilhante - eu não seria um peão nele.
Discretamente, peguei meu celular da mesa. Meu polegar pairou sobre um contato salvo simplesmente como 'Pai'. Eu não ligava para ele por nada relacionado ao trabalho há cinco anos. Era uma questão de orgulho.
Pressionei o botão de chamada.
Ele atendeu no segundo toque, sua voz quente e familiar. "Lice. É cedo. Está tudo bem?"
Respirei fundo para me firmar, minha voz baixa e firme, quase um sussurro. "Pai. Sou eu."
"Eu sei que é você. O que há de errado?"
"O experimento acabou", eu disse, as palavras com gosto de liberdade e fracasso ao mesmo tempo. Meus olhos encontraram o olhar presunçoso e triunfante de Kátia do outro lado da sala. "Eu quero voltar pra casa."
Houve uma pausa do outro lado da linha. Não de surpresa, mas de compreensão. De espera.
"Mas ainda não", acrescentei, minha voz endurecendo. "Tenho um último projeto para levar até o fim. A parceria Valenzuela-InovaTech. Eu vou supervisionar pessoalmente a assinatura final."
"E depois disso?", a voz do meu pai estava calma, mas eu podia ouvir o aço por baixo.
Um sorriso frio tocou meus lábios, um que não alcançou meus olhos. "Depois disso, Alice Valenzuela, a Chefe de Gabinete, desaparece. E a Diretora de Operações do Grupo Valenzuela volta ao trabalho."
Minha decisão não era apenas sobre as acusações vis de Kátia. Era sobre o silêncio de Bernardo. Sua cumplicidade. O homem que eu um dia respeitei, o parceiro em quem confiei, estava permitindo que isso acontecesse.
"É hora de fazer uma limpeza, pai", eu disse, meu tom não deixando espaço para discussão.
Meu olhar se fixou no de Kátia mais uma vez. Ela sorriu, pensando que tinha vencido. Ela não fazia ideia de que tinha acabado de declarar guerra a um império.
E eu nunca perco.
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