Ele olhou para a capa e, em seguida, para o fundo da sala, onde eu estava. Nossos olhos se encontraram por um instante. O meu filho buscava refúgio em mim, mas eu só podia observá-lo de longe.
- Eu estou aqui! - Balbuciei, esperando que a professora não me ouvisse.
- Quer esperar mais um pouco? - perguntou Léa, sentando-se ao lado dele.
Ele assentiu, calado.
"Meu menino. Sempre tão contido. Sempre se contendo pelo medo dos adultos."
Poucos minutos depois, o som conhecido da bengala ecoou pelo corredor.
"Ah não, lá vem ele", olhando para a porta, pensei. Aquele homem era a personificação de Hades e causava medo não só a mim, mas aos funcionários que trabalhavam naquela casa.
Apolo surgiu na porta. Erguido sobre a própria autoridade, com o rosto impenetrável, o corpo ainda mais rígido do que de costume.
- Professora Léa - chamou, com aquela voz que nunca se alterava, nem para o bem, nem para o mal.
Ela se levantou depressa. Os passos dela eram suaves, quase reverentes. Aproximou-se demais.
- Ele ainda está muito abalado - disse Léa, num tom doce. - E me perdoe se me excedi, monsieur Apolo, mas... por que esse apego tão intenso de Ícaro pela babá? Ele parece buscar nela algo que... - Ela parou.
"Diga. Diga o que pensa, vadia".
Apolo ergueu uma sobrancelha como se estivesse escutando os meus pensamentos.
- As crianças se apegam a quem cuida delas - ele respondeu. - Perséfone cuida dele desde que nasceu.
É isso o que eu sou? Uma babá, não uma mãe.
- Ela o acolhe como se fosse a mãe do seu filho - insistiu Léa. - E o senhor parece permitir. O que é curioso vindo do senhor.
O canto da boca dele se ergueu.
"Ah, Léa... você não faz ideia do que provoca quando toca o orgulho dele."
- O seu horário terminou, professora - disse Apolo, seco.
- Mas eu nem consegui dar a aula.
- Volte amanhã, no mesmo horário, madame Roux. - Praticamente ordenou e se virou, mancando.
Léa o acompanhou com os olhos semicerrados. Eu juro que vi fascínio.
"Você acha que entende, professora Léa, mas não conhece o abismo de onde ele veio."
Quando ele desapareceu no corredor, ela sorriu. Virou-se para Ícaro, tentando recompor a doçura.
- Você está liberado, Ícaro. Amanhã, vou contar uma história sobre dragões...
Ícaro assentiu, com o queixo apoiado nas mãos.
- Vamos. - Estendi a mão para ele.
Ele levantou-se sem protestar. Quando chegamos à porta, senti um toque em meu ombro. Virei-me para Léa.
- Amanhã, a sua presença não será permitida durante a aula. - A professora enfatizou.
"Vadia!" Quis responder. As palavras queimavam na língua. Mas as câmeras estavam ali, penduradas como olhos que jamais piscavam.
Contida, eu dizia para mim mesma, "'Não dê a ele motivo. Fica quieta."
- Vamos, mamãe! - Ícaro me chamou, de longe.
Léa arqueou as sobrancelhas, surpresa.
"É isso aí, sou a mãe e não a babá do meu filho"
Saí da sala com as mãos cerradas e o coração latejando. O som dos passos de Ícaro era leve e saltitante. Fui atrás dele, guardando a raiva no fundo da garganta, junto de tudo o que me proíbo de sentir.
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Ao cair da tarde, eu quis ficar um pouco no jardim, já que a casa inteira parecia respirar ódio. Minhas mãos estavam entrelaçadas no colo, os olhos perdidos entre as flores lilases e o meu filho que brincava com o carrinho no meio das pedras.
Anos atrás, Apolo se recuperou, mas com ajuda do pai, ele me impediu de ir embora com Ícaro. Numa manhã de verão em Atenas, o meu filho foi tirado de mim e levado por uma decisão judicial quando Apolo exigiu a guarda total de Ícaro.
Era óbvio que ele usou a influência de Eros Velentzas para tomar a única coisa mais preciosa que eu já tive na vida. A mim, ele concedeu apenas um trabalho de ser a babá do meu filho e dormir na ala dos empregados. Não houve um dia que não amaldiçoasse Eros por ter mandado Apolo pra aquela casa na França.
E O rosto se contraiu por um instante, e uma lágrima escorreu. Sentia o gosto salgado da dor ao tocar o queixo. Após secar o meu rosto com as costas das mãos, tomei um gole do meu chá preto, que já estava completamente frio.
Foi então que ouvi o som ritmado dos passos e o toque seco da bengala. Nem precisava olhar pra saber que era Apolo.
- Está no seu horário de folga? - perguntou, a voz grave e rude.
Não me virei.
- Sim, senhor.
Ele caminhou até ficar ao meu lado, com o olhar voltado para o mesmo jardim onde o sol tocava o rosto dele de lado, acentuando o seu rosto com queixo proeminente mandíbula quadrada.
- O que disse para a professora do Ícaro? - Ele perguntou, sem me encarar.
Virei o rosto só o suficiente para vê-lo de relance. A barba sombreava-lhe o maxilar. Os olhos profundos ainda estavam fixos no jardim onde o nosso filho brincava.