Fiquei diante da porta por um tempo que não ousei quantificar. Minha mão subiu, alcançando a maçaneta fria. Eu ia girá-la, ia atravessar o limite e quebrar a barreira que Perséfone erguia ao meu redor, quando a audição capturou o leve arrastar de um solado no mármore distante.
- Precisa de algo, senhor? - A voz de Mirtes, a governanta, veio como uma tábua de salvação indesejada.
Eu me virei, o movimento fez minha perna protestar com uma dor aguda. Olhei para a mulher de meia-idade que se materializou com a precisão de um relógio.
- Preciso de algo para a dor - admiti, tocando o músculo rígido da minha coxa. - Estava prestes a pedir a Perséfone que buscasse.
- Eu pego os comprimidos e água para o senhor - num tom solicito, ela disse.
Assenti com a cabeça e dei uma última olhada, longa e desnecessária, para a porta fechada, antes de me afastar, virando na direção oposta.
Tinha voltado ao meu escritório, onde as luzes estavam reduzidas como eu gosto. A luminária de bronze sobre a escrivaninha lançava apenas uma auréola dourada, que criava sombras longas e fantasmagóricas nos cantos. Eu estava afundado na poltrona de couro, com o corpo reclinado.
Meus olhos seguiam o líquido âmbar girando na taça de conhaque. O aroma do álcool se misturava ao cheiro seco e inconfundível dos milhares de volumes nas prateleiras.
Na lareira, as brasas lutavam contra a escuridão. Um crepitar discreto era o único som que se atrevia a me fazer companhia.
A bengala repousava ao lado da cadeira. Olhei para a perna esticada coberta pelo tecido de linho da minha calça. Aquela perna parecia que não fazia mais parte do corpo que eu controlava. Não a via como a marca de uma batalha, mas como um inimigo interno, um obstáculo que eu não conseguia eliminar.
Tomei um gole da bebida e o conhaque desceu queimando para acalmar a verdadeira agonia.
Meus olhos se moveram para o canto da mesa, buscando a pequena caixa de madeira. Meus dedos deslizaram sobre a superfície lisa antes de eu puxar a tampa.
Peguei a pulseira hospitalar, uma chupeta azul desbotada, um par de meias que mal cabia na minha mão. Eram os resquícios, as únicas migalhas de um filho que me foi negado antes de ter a chance de ver nascer e crescer.
Meu sangue fervia, ficando tão quente que transformava o conhaque em veneno. Apoiei o antebraço na testa e cerrei os olhos. As imagens voltaram todas de uma vez.
Há cinco anos, eu ainda procurava pela mulher que amava. Queria dizer que não ia me casar com a italiana e que pretendia ficar com ela. Entretanto, o impacto do meu carro contra outro veículo me impediu de chegar em Perséfone naquela noite.
O meu carro capotou até o metal retorcido esmagar minha perna. E então, mergulhei na escuridão. Depois, acordei no quarto de hospital, ouvindo o som dos bipes ritmados que me mantinham vivo, e ela estava lá, chorando incontrolavelmente ao lado da cama.
Eu não a perdoei. Passei a repudiar sua presença quando dependia de uma cadeira de rodas. Anos depois de muitas consultas e fisioterapia, voltei a andar, mas nada era como antes.
Retorne a mim ao fechar a caixa. O estalo seco da tampa no ambiente silenciado. A taça, ameaçando escapar da minha mão, foi pousada com firmeza na mesa.
Levantei-me, mancando. A dor na perna batia no compasso da memória. Peguei a minha bengala. Atravessando o escritório escuro, segui até o elevador.
No segundo andar, mancar era um fardo. Ao passar pelo corredor, notei a porta do quarto de Ícaro, aberta. Parei.
O meu filho dormia com um dos pés para fora do cobertor, o cabelo despenteado sobre o travesseiro. A luz noturna projetava estrelas minúsculas no teto. Não entrei. Apenas me encostei à parede. Era apenas um observador silencioso e distante.
Fechei-os devagar, lutando contra a fraqueza. Eu não fui feito para a ternura. E o perdão era uma palavra que eu havia riscado do vocabulário. Aquele amor silencioso por meu filho era o único que eu permitia existir.
Dei um passo para trás. E então, avistei a porta onde ela dormia. Perséfone só falava comigo por necessidade. Não fazia barulho. Nunca ria. Na maioria das vezes, ela comia sozinha e seus olhos mal ousavam se encontrar com os meus.
"O que ela deve estar fazendo?" Fiquei estagnado, pensando se deveria ou não entrar lá só pra saber o que ela estava planejando.
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Ponto de vista de Perséfone.
Pouco antes do amanhecer, o rangido mínimo da porta do meu quarto me despertou quando se abriu sem aviso.
A luz fraca do abajur delineou a silhueta grande de Apolo enquanto ele avançava.
Sem dizer nada, ele agarrou a camisola com uma força que rasgou o tecido delicado que mal cobria meu corpo. O contato do seu braço forte na minha pele nua fez um calafrio intenso me percorrer. Seus olhos me prenderam com uma intensidade dominadora.
- Você tem mais responsabilidades nesta casa, Perséfone - A voz dele era um sussurro rouco e urgente. - Precisa cumprir suas obrigações se quiser continuar aqui.
Engoli em seco. O medo de ser afastada de Ícaro apertou-me o peito. Faria qualquer coisa pra evitar conflito com aquele grego.
Naquela noite, porém, houve uma mudança sutil.
Apolo não era o homem impaciente e feroz que tantas vezes temi. O vigor avassalador que ele havia redescoberto desde que voltou a sentir o movimento total das pernas parecia ter se contido, dando lugar a um toque mais cuidadoso, embora a dominação fosse inegável. Lembro-me daquele momento, meses atrás, em que ele se derramou dentro de mim enquanto eu o montava. Foi ali que ele teve certeza de que voltaria a andar. Mas, à medida que se recuperou, ele se tornou mais intenso. Mais exigente e bruto.
Nossas noites diminuíram drasticamente após a chegada de sua nova assistente, uma mulher misteriosa e elegante. Tive certeza de que ela era a amante do pai do meu filho. Senti uma pontada de ciúmes, é claro, mas ela foi rapidamente substituída pelo alívio de não ter que satisfazê-lo.
Mas naquela noite, Apolo me procurou de forma diferente.
Sua boca escorregou do meu pescoço, encontrando a minha, provocando uma onda de arrepios e desejos reprimidos. Ouvi o clique da fivela se abrindo, seguido pelo zíper da calça. Ele já havia desabotoado a blusa de linho, expondo o peitoral vasto e másculo.
Subitamente, sua força retornou para arrancar o resto da camisola, expondo os meus seios. Ele os tomou nas mãos e massageou com uma suavidade, antes de os dedos começarem a apertar e girar o bico rijo do meu seio.
Seus beijos desceram sem pausa, percorrendo o ventre até a parte interna das minhas coxas. Ele me lambeu, se deteve na protuberância rosada e girou a língua lentamente. O gemido que arrancou de mim foi alto, incontrolável.
Minha respiração ficou pesada quando ele me virou, colocando-me de quatro sobre os lençóis. Senti a invasão profunda e lenta, explorando-me, abrindo cada centímetro do meu corpo.
Os tapas nas minhas nádegas ardiam na pele, um fogo que me excitava pela mistura de dor e prazer. Agarrei os lençóis, sentindo meu corpo ser arrebatado pelas estocadas intensas, entregando-me mais e mais àquele encontro avassalador.
De repente, senti o abandono.
- Vire-se! - Apolo grunhiu enquanto se livrava da blusa e da calça.
Eu estava de olhos fechados. Quando abri, senti o muro de músculos pressionando meu corpo. Ele se colocou entre minhas pernas e penetrou de uma vez. O ritmo era firme, subindo e descendo, ele me estocava com uma força que me subjugava.
A boca voraz de Apolo continuava deixando sua marca de posse no meu pescoço, ombro e nos mamilos, onde sua sucção profunda me fazia arfar.
Aquele calor bem conhecido se apoderou de mim. Tantas sensações me consumiam que eu mal tinha tempo de me lembrar de que estava sofrendo meia hora antes.
Quando minha musculatura se enrijeceu, apertando-o involuntariamente, ele aumentou as investidas da pélvis, socando selvagemente até que se derramou dentro de mim com um gemido rouco e satisfatório.
As respirações continuavam entrecortadas. Meus olhos encontraram os dele, que continuaram semicerrados.
Mas o carinho nunca vinha. No final, só havia o distanciamento, frio e repentino.
Apolo se afastou, limpou os lábios. Saltou da cama e vestiu-se com pressa.
- Ícaro tem consulta com o psicólogo amanhã... - ele disse, enquanto fechava o zíper da calça.
- Por quê? - indaguei, com as sobrancelhas arqueadas.
- A professora Léa sugeriu... - Pegou a bengala.
- E quanto à aula?
- Foi cancelada! - comunicou com aspereza, mancando em direção à saída.
Ele saiu antes que eu pudesse fazer mais perguntas.
Fechei os olhos e cobri as pálpebras com o antebraço. Sentia-me descartada. Uma mulher marcada pela paixão e pela dor. Eu estava presa em uma teia, e cada vez que tentava escapar, ficava ainda mais enredada naquela armadilha fatal.
Na manhã seguinte, levantei da cama como se carregasse o peso de toda a noite nos ossos. Fui até a janela e afastei a cortina com cuidado, espiando o jardim iluminado apenas pelos postes baixos. Deixei o vento me açoitar o rosto, fechei os olhos e respirei fundo, tentando reter algum vestígio de sanidade.
Fui interrompida pelo toque estridente do celular. O número era desconhecido. Apesar de hesitar um pouco, eu atendi.
- Perséfone? - A voz do outro lado era apressada, com um sotaque que mesclava grego e italiano.
- Quem está falando? - perguntei.
- Não posso me identificar... apenas escute. Os seguranças vão seguir você e Ícaro até o consultório do psicólogo.
Meu coração disparou.
- Por quê? O que está acontecendo?
- Você precisa sair antes. Não confie em ninguém aqui. Se te levarem, você não volta.
- Quem vai me levar? - Cheguei a questionar, mas a ligação foi encerrada de forma abrupta.
Fiquei parada por alguns segundos, mas logo voltei a mim e vesti o roupão, fechando o laço na cintura com pressa antes de sair pelo corredor. Assim que entrei no quarto de Ícaro, coloquei a mão sobre o lado esquerdo do meu peito, sentindo o coração saltar com violência quando avistei o meu filho dormindo plácidamente.
"Será que aquele era um plano de Apolo pra me separar de vez do Ícaro?" O pensamento me ocorreu. "E se ele mandar os capangas dele se livrarem de mim?" A dúvida permeou a minha mente.