A luxuosa construção de dois andares ficava a cinco minutos a pé do centro e envolta por ciprestes altos que cercavam aquele amplo terreno arborizado, com gramado verde bem aparado e um belo jardim. Dentro dela, o som seco do relógio de parede ecoava pelo salão principal.
Apolo estava imóvel diante da janela ampla. Os ombros largos cobertos por uma camisa de linho cinza estavam levemente curvados, e a muleta repousava ao lado da poltrona, como um animal de estimação indesejado. Desde que começou a fisioterapia, ele andava com ela, mas o que realmente o sustentava era a raiva.
Atrás dele, Perséfone estava sentada com os ombros encolhidos no sofá de couro escuro. As pernas cruzadas com rigidez e os dedos trêmulos repousando sobre os joelhos. Seus olhos continuavam fixos na lareira apagada.
- Tentou fugir com meu filho de novo? - A voz de Apolo tinha um timbre rouco, mastigado pela raiva mal digerida.
Ela estremeceu. O som da pergunta não a surpreendeu, mas a forma com que ele a teceu, sim. Manteve o olhar estático e respondeu com um sussurro:
- Não.
Horas antes, ela tinha ido buscar o filho na escola. Perséfone tinha o intuito de pedir ajuda a uma das professoras, mas foi contida pelo segurança que a pegou pelo braço antes que ela pudesse ter acesso ao corpo docente. Quando foi levada de volta para o Peugeot, sentou sem relutância. Logo, outro segurança apareceu e entregou Ícaro para a mãe. Ela ajeitou o filho no colo. Deu uma rápida olhada pela janela e então viu o chefe de segurança falando com alguém no celular. Era óbvio que Jean estava contando tudo para Apolo.
- Da próxima vez, você nunca mais vai ver Ícaro. - Apolo advertiu bruscamente, despertando-a de seus pensamentos.
Apolo girou levemente o tronco. O contato da muleta com o chão produziu um ruído metálico e áspero enquanto ele mancava até ela.
- Entendeu? - Esbravejou.
Os ombros de Perséfone enrijeceram, o queixo inclinou-se quase imperceptivelmente e ela se encolheu como quem se protege de um golpe.
- Sim.
Fechando os olhos por um instante, Perséfone engoliu em seco. A imagem da última tentativa ainda pulsava em sua memória - o aperto firme do guarda-costas no braço que a puxava de volta para dentro do carro.
- O jantar está servido, senhor! - Uma das funcionárias murmurou com a voz embargada.
- Não estou com fome... - Apolo vociferou asperamente.
Ele virou o rosto para a janela, onde tons dourados cruzavam o céu no fim da tarde. Caminhou em direção à porta com passos medidos, sem olhar para trás. No limiar, Apolo olhou sobre o ombro direito por alguns segundos, mas não disse nada. Retomou o caminho da saída, deixando-a dispersa em seus pensamentos.
- Perséfone, já preparei a refeição do Ícaro. - A governanta comunicou gentilmente. - Quer que sirva na sala de refeições?
- Não. Obrigada! Vamos comer na cozinha.
Mais tarde, Ícaro adormeceu depois que Perséfone leu a história do Pequeno Polegar. Cuidadosamente, ela puxou o cobertor estampado com imagens do Homem-Aranha e cobriu o menino.
Antes de dormir, ela vasculhou a mochila do filho, procurando o bilhete que tinha deixado no caderno de Ícaro. No fundo, ela tinha esperança de que a professora visse o seu pedido de ajuda. Perséfone revirou as folhas, pegou os livros e olhou as páginas, vasculhou toda a mochila e nada.
Os batimentos cardíacos aceleraram e as palmas de suas mãos já estavam suando. Se Apolo soubesse daquele bilhete, ele a colocaria para fora daquela casa.
A manhã seguinte chegou com um som invasivo demais.
O som de risos femininos continuou ecoando pelo corredor principal. Perséfone saltou da cama e parou ao lado da porta do quarto de Ícaro. Sentiu o estômago revirar antes mesmo de ter coragem de espiar. O seu coração errou uma batida quando os toques fortes na porta ecoaram do outro lado do corredor.
- Quem é, mamãe? - Ícaro sentou na cama, coçando os olhinhos após perguntar.
- Deve ser o seu pai!
Cuidadosamente, Perséfone abriu a porta e avistou o homem com ar entediado e provocador.
Apolo exibia a visitante como se fosse uma nova aquisição. Ao lado dele, a mulher de pele de porcelana, cabelos platinados, sorriu. A saia envelope que perfazia a sua curva esguia ia até o joelho. O blazer feminino se ajustava ao seu abdômen reto. Antes que Perséfone pudesse sequer pensar em falar alguma coisa, Apolo antecipou-se:
- Essa é a Perséfone. Ela é a babá do meu filho.
O impacto daquela frase foi tão violento que, por um momento, tudo ao redor pareceu perder a cor. O coração bateu com fúria, as mãos suaram, e mesmo assim, Perséfone não o contradisse.
- Enchanté, je m'appelle Léa! - A francesa se apresentou.
- Perséfone não fala francês. - Apolo disse com desdém.
- Ah... - a mulher murmurou com um sorrisinho falso. - Então você cuida do pequeno? Que adorável... Meu nome é Léa Roux.
Perséfone assentiu, sem cair na armadilha cruel de Apolo.
- Professora Roux! - A voz sonolenta de Ícaro falou assim que o menino surgiu na porta.
Os cílios de Perséfone tremeluziram ao olhar do filho de pijama azul para Apolo.
- A partir de hoje, a madame Roux virá dar aulas para você em casa, campeão. - O humor do homem, que habitualmente era frio e rancoroso, suavizou quando contou ao filho. - Vá se arrumar! - Afagou os cabelos do garotinho. - Vou tomar café com a madame Roux antes da aula. Não se atrase! - Desta vez, Apolo engrossou a voz ao se dirigir a Perséfone.
Léa continuou esboçando aquele sorriso bem alinhado.
- Venha comigo, madame Roux.
Quando ambos se foram, Perséfone entrou no quarto. Fechou a porta e agachou-se na altura da criança.
- Está triste, mamãe? - Curioso ao ver o olhar caído de Perséfone, Ícaro perguntou.
- Não, meu anjo! - Ela forçou o riso após negar. - Vai lá escovar os dentes... já vou pegar a sua roupa.
Embora se esforçasse para manter a aparência diante do filho, por dentro, estava aos cacos.
"Será que essa professora encontrou o bilhete e mostrou para o Apolo?" Pensou, enquanto organizava o material escolar do menino.
Lágrimas verteram do canto de seus olhos quando olhou a luz acesa que vinha do banheiro, onde o filho fazia a assepsia matinal. Não sabia se veria Ícaro outra vez depois do café da manhã com Apolo e Léa.