Seus olhos eram verdes-musgo sob a luz oblíqua da tarde, e, por um instante, a vi não como a mãe de Ícaro, mas como a mulher que me havia desafiado a cada passo desde que a conheci. O poder dela estava em sua negação, e isso, infelizmente, era um ímã para o meu próprio desejo.
- Deve ser porque você interrompeu a aula e dispensou a professora antes do horário - ela respondeu.
A acusação me atingiu como o vento frio do Egeu, mas não me fez cambalear.
- A culpa é toda sua! Você mima demais o meu filho.
Ícaro não era apenas um herdeiro. Ele era a extensão da minha alma, a única prova de que eu poderia amar e, ao mesmo tempo, controlar. E o mimo dela era a diluição do que deveria ser puro poder.
- Só estou dando amor e afeto como qualquer mãe faria.
- Ícaro não precisa de carinho. Precisa de estrutura. - Rebati, apoiando a bengala contra a coxa.
Ela se virou, os braços cruzados sobre o peito, um gesto de desafio que me fazia querer estender a mão, quebrar a barreira e tomá-la à força, não em violência, mas em uma submissão de carne e vontade. A fúria dela era a centelha que aquecia meu sangue frio.
- Uma coisa não exclui a outra - enfatizei. - Não se esqueça do seu lugar, Perséfone.
- O meu lugar é ao lado do meu filho - respondeu ela, e o desafio não estava apenas na voz, mas na forma como seus quadris se inclinaram levemente para trás, como se estivesse se preparando para um embate.
Dei um passo, lento, absorvendo o espaço.
- A mãe que envia bilhetes escondidos em cadernos - insisti. A menção foi o golpe que eu sabia que a desestabilizaria.
Eu avancei mais um passo, acabando com a distância entre nós dois. Seus olhos se arregalaram, e era a primeira vez que via a rendição se insinuar em seu brilho.
- Que bilhete? Eu não sei do que você está falando.
Mentirosa. E o desejo que essa mentira me causava era um insulto à minha razão. Eu a conhecia. Conhecia o ponto exato onde sua coragem se quebrava.
- Não minta para mim - ordenei num tom mais profundo e gutural.
Ela cerrou os lábios. O silêncio era a prova que eu precisava.
- Ele se afasta de você a cada dia, Apolo! - Sua voz subiu um tom. - Você o trata como um projeto, um mármore a ser esculpido, e não como um menino. Ele precisa de uma mãe que não tema o próprio marido!
Eu me movi para trás dela, cobrindo-a com minha sombra, e apoiei minhas mãos pesadas no parapeito de pedra, cercando-a sem tocá-la, mas o suficiente para que ela sentisse o calor do meu corpo. A respiração dela acelerou, e eu senti o meu pulso acompanhar.
- Na próxima vez que mentir - sussurrei perto de sua orelha -, vou te colocar para fora da minha casa.
Eu me afastei, deixando o espaço vazio, e risquei a terra batida próxima ao parapeito enquanto ela me encarava.
- Lembre-se sempre do seu lugar, Perséfone - ressaltei friamente.
- Não precisa ficar me lembrando das minhas funções. Sempre fui empregada dos Velentzas... e você só me usou antes de ficar noivo da modelo que transava com o seu pai.
Minhas têmporas começaram a latejar no segundo em que Perséfone jogou isso na minha casa.
- Se quiser, pode dar um fora aqui, mas o Ícaro fica - avisei.
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Ponto de vista de Perséfone.
Eu pensei em fugir dali, sim. Cheguei a fantasiar a fuga. Sonhei com um lugar onde pudesse ser apenas mãe, longe das sombras de Apolo. Mas o amor que sentia por Ícaro me impedia de sair daquela propriedade sem o meu filho.
- Eu pensei... - comecei, com a voz embargada pela secura na garganta - que talvez seja melhor viver em um ambiente mais sereno, mais de acordo com as necessidades de uma criança. Um lugar com mais... joie de vivre.
- O que você quer dizer com isso, Perséfone? - O olhar de Apolo se estreitou.
Apolo não precisava de altura para intimidar, pois o seu olhar glacial e o silêncio que o cercava bastavam para me paralisar. Ele era um homem grande, mesmo sentado, mesmo machucado.
- Esta casa tem uma atmosfera pesada, Apolo... - murmurei, sentindo as lágrimas subirem aos meus olhos. - E por mais que eu tente protegê-lo, eu vejo a inquietude do Ícaro. Ele tem medo de você.
O silêncio se instalou com a densidade de uma névoa. Apolo me encarou como se cada palavra minha fosse um insulto pessoal. O sol poente tingia a grama de ouro e cobria o rosto dele com uma luz que não amenizava em nada a sua fúria contida.
- Você quer levá-lo embora? Quer fugir de novo, hein?
- Não é isso - tentei interromper, mas Apolo ergueu a mão. Um gesto mínimo, mas que fez meu corpo inteiro parar. A ordem de calar estava contida ali, nua e inquestionável.
- Foi exatamente isso que você fez da última vez. Foi embora e sumiu com meu filho. - Ele destilou as palavras. - Fiquei meses te procurando... até que você apareceu depois do acidente. Agora, você quer levar o meu filho embora outra vez?
Apolo raramente deixava as emoções transparecerem, mas, naquele momento, elas escorriam por entre as fendas da sua rigidez.
- Estou tentando proteger e dar um lar seguro ao nosso filho... - sussurrei, na vã tentativa de persuadi-lo.
Apolo se virou, ignorando-me, e fixou os olhos no jardim. A mandíbula dele permanecia tensa, a bengala fincada ao lado do seu corpo, como uma extensão de sua teimosia.
- Amanhã, você não vai ficar na sala enquanto a professora Léa estiver dando aulas para o Ícaro - avisou num tom de ultimato, sem olhar para mim. - Seu trabalho é como babá do meu filho... Lembre-se disso, Perséfone.
Ele deu meia-volta. Os passos firmes, apesar do leve desequilíbrio causado pelo ferimento, o levaram para longe.
Fiquei ali, observando sob o céu de Lourmarin. Ainda tinha as lembranças vívidas do homem carinhoso e apaixonado que um dia amei, o jovem grego com quem tive noites cálidas; mas aquele Apolo já não existia mais.
Horas depois, a noite engoliu a luz. A casa, cercada pelas oliveiras e colinas, estava mergulhada num sossego artificial.
No meu quarto, a luz fraca não dissipava a sensação de isolamento. Eu tentava ler, mas minha mente voltava para a discussão no jardim. Ele me via como uma ameaça ao seu controle, e não como a mãe que lutava pelo bem-estar do meu pequeno Ícaro, que era a minha única razão de viver.
O cansaço já estava a ponto de me vencer quando fechei a capa do livro e o deixei de lado. Antes de apagar a luz do abajur, ouvi o barulho no corredor. Apolo estava andando feito um fantasma pela casa, como fazia todas as noites.
Desliguei a luz rapidamente e me cobri. Meu coração batia contra as costelas, num ritmo descompassado. O que ele queria? Me acusar de algo que aconteceu na casa? Dar mais uma ordem?
Com os olhos fechados, eu podia visualizar a mão dele, grande e forte, pairando sobre a maçaneta. No minuto em que a porta rangeu, tentei respirar de forma regular, fingindo um sono profundo.
Em sua caminhada claudicante, ele passou pela minha porta, e meu corpo se enrijeceu sob a coberta. Senti o cheiro de conhaque misturado ao aroma amadeirado do perfume másculo. O som do arrastar parou.
Em silêncio, eu praticamente implorei: "Por favor, vá embora!" Fiquei repetindo essa prece, tremendo que ele subisse em minha cama.