Eu o observei, meu coração uma pedra fria e morta no meu peito. Um ano atrás, eu teria corrido para o seu lado, teria limpado o corte, enfaixado sua mão, beijado para sarar. Agora, eu não sentia nada. Menos que nada. Um vazio completo e absoluto.
Sua falta de reação da minha parte pareceu perturbá-lo mais do que meus gritos. Ele olhou para cima, seus olhos procurando em meu rosto um lampejo da antiga Júlia, aquela que se importava. Ele não encontrou nada.
"Júlia, precisamos conversar", ele disse, abandonando o vidro quebrado e se aproximando da cama. "O acidente... não foi minha culpa. O outro motorista avançou o sinal vermelho."
"Eu não me importo com o acidente", eu disse, minha voz plana.
"Eu sei que você está chateada com a Bárbara", ele continuou, atropelando-me. "Eu ia terminar. Eu juro. Foi só... um erro estúpido."
Ele tentou desculpar suas ações no carro. "A Bárbara estava na frente, o impacto foi pior para ela. Ela estava gritando. Eu entrei em pânico. Mas eu voltei por você, Júlia. Eu disse a eles para te ajudarem."
Ele estava tecendo uma nova narrativa, uma onde ele era apenas um homem que fez uma escolha lógica em um momento de pânico. Ele tirou uma pequena caixa de macarons do bolso do paletó - meus favoritos, da pequena confeitaria perto do nosso primeiro apartamento. Ele os ofereceu a mim, uma patética oferenda de paz.
"Eu trouxe para você", ele disse, sua voz suave, persuasiva.
Eu bati em sua mão. A caixa voou pelo ar, espalhando os doces coloridos pelo chão, onde jaziam como joias caídas entre o vidro quebrado.
"Saia. Daqui." Cada palavra era um caco de gelo.
O lampejo de culpa em seus olhos desapareceu, substituído por uma faísca familiar de raiva. Sua paciência, sempre curta, havia se esgotado. A performance acabou.
"Tudo bem", ele rosnou. "Você quer ser assim? Tudo bem. Mas não se esqueça de quem está pagando por esta suíte VIP, Júlia. Não se esqueça de quem pagou por cada uma das contas médicas da Clara nos últimos cinco anos."
Meu sangue gelou. Ele estava usando minha irmã morta, usando meu luto, para me ameaçar. Para me controlar.
"Saia. Daqui." Minha voz não vacilou.
Ele me encarou por um longo e duro momento, sua mandíbula tensa. Então ele se virou e saiu furioso, batendo a porta com tanta força que as paredes tremeram.
No momento em que a porta se fechou, a força que eu estava fingindo me abandonou. Desabei de volta contra os travesseiros, e os soluços que eu estava segurando finalmente se libertaram. Chorei por Clara. Chorei pela mulher que eu costumava ser. Chorei pelo amor que eu pensei ser real, um amor que se revelou nada mais do que uma mentira cruel e elaborada.
Nas duas semanas seguintes, Leo desempenhou o papel de marido dedicado para a equipe do hospital. Ele vinha todos os dias, trazendo flores que eu odiava e comida que eu não comia. E todos os dias, eu o expulsava.
Nossas discussões se tornaram mais acaloradas, sua frustração aumentando a cada rejeição. As enfermeiras e os médicos observavam com olhos piedosos, sussurrando sobre o pobre e heróico Sr. Ricci e sua esposa ingrata e histérica. Eles não viam o homem que me ameaçava com contas médicas em particular. Eles só viam a performance pública.
Marquei os dias em um calendário mental, contando os segundos até poder sair. Até poder desaparecer.
No dia da minha alta, enquanto eu arrumava minha pequena mala, a porta do meu quarto se abriu. Não era Leo.
Era Bárbara.
Ela entrou, parecendo impecável em um vestido justo, seu rosto perfeitamente maquiado. Ela me olhou de cima a baixo, um sorriso presunçoso brincando em seus lábios.
"Nossa", ela disse, sua voz escorrendo falsa pena. "Você está horrível. O acidente realmente te detonou."
Ela passou a mão por seu cabelo loiro perfeito. "Mas, por outro lado, você nunca foi grande coisa. Nunca consegui entender o que o Leo via em você. Você é tão... sem graça."
Ela se aproximou, sua voz baixando para um sussurro conspiratório. "Sabe, eu consigo fazer ele fazer qualquer coisa que eu queira. Qualquer coisa. Ele me comprou uma cobertura na semana passada. Ele vai me levar para Paris no meu aniversário. E as coisas que ele faz por mim na cama... bem, você provavelmente pode imaginar."
Ela se inclinou, seu perfume enjoativo e sufocante. "Ele me ama, Júlia. Ele só estava com você por hábito. Pena, talvez."
De sua bolsa de grife, ela tirou um pequeno medalhão de prata manchado. Meu sangue congelou. Era o medalhão que minha avó me deu, o que Bárbara roubou do meu armário da academia no primeiro ano do ensino médio. Aquele pelo qual chorei por semanas.
"Lembra disso?", ela ronronou, balançando-o na frente do meu rosto. "Eu guardei todos esses anos. Um pequeno lembrete de como é fácil tirar as coisas de você."
Meu corpo começou a tremer, o velho e familiar terror envolvendo meu coração com seus dedos gelados. O quarto parecia pequeno, o ar rarefeito. Os pesadelos que eu pensei ter enterrado estavam abrindo caminho de volta à superfície.
Meus olhos percorreram o quarto, procurando desesperadamente uma saída. Eles pousaram na cesta de frutas que Leo havia deixado, e na pequena e afiada faca aninhada ao lado de uma pera.