Capítulo 4

Ponto de Vista: Adriana

As ruas eram um tipo especial de inferno. O ar, denso e quente, tinha gosto de fumaça e desespero. Pessoas com olhos vazios e ocos se arrastavam pelas calçadas, passando por latas de lixo transbordando e vitrines com tábuas. A cidade estava prendendo a respiração, esperando pelo colapso final.

Mantive a cabeça baixa, minha mão agarrando o spray de pimenta de alta potência no meu bolso. Cada sombra parecia conter uma ameaça. Mas a imagem da minha mãe, sozinha e vulnerável, me impulsionava para frente.

Levei duas horas para chegar ao seu pequeno prédio de apartamentos e mais uma hora para convencer o zelador aterrorizado a me deixar entrar. Quando finalmente abri sua porta, ela estava sentada no escuro, ouvindo um rádio a pilhas.

"Adriana!" ela chorou, seu rosto uma mistura de alívio e medo. Ela me abraçou com força. "Eu estava tão preocupada. Os telefones estão mudos."

"Estou aqui, mãe", eu a acalmei. "Tudo vai ficar bem. Nós vamos sair."

Não expliquei os detalhes. Apenas disse a ela para fazer uma pequena mala, apenas o necessário, e que Bruno havia arranjado tudo. A mentira parecia cascalho na minha garganta, mas era necessária. A esperança dela era uma coisa frágil, e eu a protegeria.

A viagem de volta foi ainda mais tensa, mas conseguimos. Ao entrarmos no saguão fresco e silencioso do meu prédio, minha mãe suspirou de alívio.

Quando entramos no apartamento, Bruno e Katia estavam sentados no sofá, olhando para um tablet. A caneca quebrada havia sido limpa, como se nunca tivesse existido.

Bruno se levantou, forçando um sorriso educado para minha mãe. "Carolina, que bom ver que você está segura."

"Ah, Bruno, obrigada por mandar a Adriana", disse minha mãe, alheia a tudo. Ela lhe deu um abraço caloroso. "Você sempre cuidou tão bem dela. De nós."

Ele enrijeceu ao toque dela, seus olhos se voltando para mim por cima do ombro dela com um olhar de pura fúria.

Assim que minha mãe foi para o quarto de hóspedes para se instalar, ele agarrou meu braço e me puxou para a cozinha, seu aperto como ferro.

"Que porra você pensa que está fazendo?" ele sibilou, sua voz um rosnado baixo e furioso.

"Estou cuidando da minha mãe", eu disse, tentando me soltar.

"Não temos os recursos, Adriana! As rações são porcionadas precisamente para duas pessoas pelas próximas vinte e quatro horas. Você trouxe uma variável não sancionada!"

"Ela não é uma 'variável', ela é minha mãe!" Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. "A mulher cujas economias de vida você usou como capital inicial para sua carreira!"

"Aquilo foi um investimento, e valeu a pena", ele retrucou, seu rosto frio e duro. "Isso não é sobre emoção, é sobre matemática. A presença dela compromete nosso plano de partida."

"Nosso plano de partida?" Eu ri, um som amargo e feio. "Você quer dizer seu plano de partida com ela." Eu balancei a cabeça em direção à sala de estar, onde Katia nos ignorava ostensivamente.

"Isso é loucura", disse ele, esfregando as têmporas. "Eu te dei um plano claro e lógico para sua própria sobrevivência. Um plano generoso. E você joga na minha cara e faz isso?"

Ele enfiou um tablet em minhas mãos. Era um orçamento detalhado. Um cronograma para entregas de comida no mercado negro. Uma lista de "zonas seguras" vigiadas na cidade. Um plano para eu viver o apocalipse sozinha.

Eu nem li. Meus dedos se fecharam em torno do tablet fino e, com uma onda de fúria fria, eu o quebrei ao meio sobre meu joelho. O estalo ecoou na cozinha silenciosa.

Seus olhos se arregalaram em descrença. "Você enlouqueceu?"

Antes que eu pudesse responder, a voz da minha mãe veio da sala de estar. "Adriana, querida? Quem é essa moça?"

Nós dois congelamos. O rosto de Bruno ficou pálido. Ele saiu rapidamente da cozinha, e eu o segui. Minha mãe estava lá, com um sorriso gentil e curioso no rosto, olhando para Katia.

Bruno se moveu para ficar um pouco na frente de Katia, um gesto sutil e protetor que dizia muito. "Mãe, esta é Katia Rocha", eu disse, as palavras parecendo estranhas na minha boca. "Ela é... uma colega do Bruno. O prédio dela teve um problema de segurança ontem à noite."

A mentira soou ainda pior na segunda vez.

"Ah, coitadinha", disse minha mãe, sua expressão cheia de simpatia. "É tão perigoso lá fora. É maravilhoso que você tenha um lugar seguro para ficar, e que todos vocês viajarão juntos."

A postura de Bruno era rígida. Ele não conseguiu responder.

"Precisamos fazer as malas, mãe", eu disse rapidamente, conduzindo-a para o quarto dela. "Apenas uma pequena bagagem de mão. Dez quilos no máximo."

"Dez quilos? Tão específico!" ela disse com uma risada alegre. "É como se estivéssemos indo em uma aventura de verdade."

A inocência dela era uma dor física.

Assim que ela estava em seu quarto, voltei para a sala de estar. Bruno estava me esperando, de braços cruzados, seu rosto uma nuvem de tempestade.

"Você disse a ela que ela vem", ele afirmou, sua voz perigosamente baixa. "Você a deixou acreditar nisso."

"Sim", eu disse.

"E como, exatamente, você planeja conseguir uma terceira passagem? Você tem alguma ideia de como isso é impossível? As verificações de segurança são biométricas. Você não pode simplesmente contrabandear alguém."

Pensei na mensagem de Eduardo. No nome Carolina Alencar, confirmado. No transporte particular.

Olhei diretamente em seus olhos raivosos e desdenhosos. Os olhos de um homem que pensava que tinha todas as cartas. O homem que me descartou completamente.

E pela primeira vez em muito, muito tempo, eu sorri. Um sorriso genuíno e confiante que não alcançou meus olhos.

"Não se preocupe com isso, Bruno", eu disse suavemente. "Eu já resolvi."

            
            

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