Mas eu não podia me esconder para sempre. O Baile de Caridade anual da Fundação Braga era obrigatório. Era uma apresentação de comando para o octogésimo aniversário de Eleonora Braga, e minha ausência seria notada e punida.
Alex voltou no dia do baile, todo sorrisos e ignorância fingida sobre o leilão. "Sinto muito, querida", ele disse, sua voz gotejando falso remorso. "Houve uma crise com nossos servidores em Tóquio. Tive que sair imediatamente. Não fazia ideia de que eles te tratariam daquela maneira. Já acertei a conta, é claro."
Eu não tinha energia para discutir. Apenas assenti, uma boneca silenciosa em sua vida cuidadosamente curada.
Chegamos à imponente mansão da família Braga, no Morumbi, um lugar que sempre pareceu frio e hostil. A primeira pessoa que vi foi Eleonora, a matriarca da família, sua postura tão rígida quanto sua tiara incrustada de diamantes. E ao seu lado, rindo intimamente, estava Carla. Ela parecia radiante, em todos os aspectos a nora escolhida.
Os olhos de Eleonora, frios e afiados como lascas de gelo, pousaram em mim. O calor em seu rosto desapareceu. "Juliana", disse ela, o nome uma acusação. "Estou surpresa que você teve a coragem de mostrar o rosto depois daquela exibição vulgar no leilão."
"Vovó", disse Alex, dando um passo à frente com um sorriso desconfortável. "Foi tudo um mal-entendido."
"Foi uma desgraça", retrucou Eleonora, virando as costas para mim para sorrir calorosamente para Carla.
Fiquei ali, invisível, meu coração um peso de chumbo no peito. Para impressionar Eleonora, para finalmente ganhar um pingo de sua aprovação, passei os últimos três meses derramando minha alma em seu presente de aniversário. Era uma pintura, uma delicada aquarela do jardim de rosas da propriedade, um lugar que ela supostamente amava. Eu havia capturado a luz perfeitamente, as gotas de orvalho nas pétalas parecendo pequenos diamantes. Era o melhor trabalho que eu já havia feito.
Alex pegou o presente grande, plano e lindamente embrulhado de minhas mãos. "Vovó", ele anunciou aos convidados reunidos, "Juliana tem trabalhado incansavelmente em um presente especial para você." Ele sorriu para mim, um marido orgulhoso e amoroso. A performance nunca parava.
Eleonora pareceu pouco impressionada, mas permitiu que o presente fosse colocado diante dela. "Vamos ver, então."
Ela rasgou o papel.
O salão ofegou.
Não era minha pintura.
Era um objeto hediondo e grotesco. Um rato empalhado, vestido com um minúsculo e esfarrapado véu de noiva, segurando um martelo de leilão em miniatura e manchado. Era uma referência cruel e explícita ao escândalo da casa de leilões.
O rosto de Eleonora passou de pálido a um vermelho profundo e furioso. "Como ousa?", ela gritou, sua voz tremendo de raiva. "Como ousa trazer essa... essa imundície para minha casa no meu aniversário?"
"Não", sussurrei, meu sangue virando água gelada em minhas veias. "Isso não é... eu não..."
Mas minha voz foi abafada por Carla, que deu um passo à frente com uma expressão de choque teatral. "Oh, Juliana! Como você pôde ser tão cruel?" Então ela se virou para Eleonora, seus olhos arregalados com falsa simpatia. "Vovó, por favor, não fique chateada. Eu sei que o senso de humor da Juliana pode ser... incomum. Olhe, eu trouxe isso para você. Esperava que pudesse te lembrar de tempos mais felizes."
Ela fez um gesto para um mordomo, que trouxe outro presente embrulhado. Meu presente. Minha pintura.
Eleonora o desembrulhou, e sua expressão dura se suavizou por uma fração de segundo enquanto olhava para a aquarela de suas amadas rosas. "É... adorável, Carla. Obrigada, minha querida. Você tem tanto bom gosto."
A armadilha havia sido acionada. A armação estava completa. Carla havia trocado os presentes, transformando minha oferta sincera em uma declaração de guerra e roubando meu trabalho para cimentar seu próprio lugar na família.
E Alex? Ele ficou ali, seu rosto uma máscara de decepção, seu silêncio um rugido ensurdecedor de cumplicidade. Ele assistiu enquanto eu era condenada, e não fez nada.
Uma dormência fria e dura se instalou sobre mim. Virei-me e me afastei da festa, longe dos sussurros e dos olhares de reprovação. Eu só precisava sair.
Eu quase tinha chegado ao grande hall de entrada quando dois homens grandes de terno preto - a segurança particular da família Braga - bloquearam meu caminho. O mordomo-chefe, um homem chamado Campos que servia a família há quarenta anos, aproximou-se de mim, seu rosto sombrio.
"Sra. Andrade", disse ele, sua voz desprovida de qualquer calor. "A Sra. Braga ordenou que você seja removida da propriedade. E ela invocou a doutrina da família."
Eu sabia o que isso significava. A "doutrina da família" era um código de punição brutal e arcaico para aqueles que traziam vergonha ao nome Braga. Eu tinha ouvido sussurros sobre isso, mas nunca pensei que seria usado em mim.
"Alex?", chamei, minha voz tremendo, procurando meu marido na multidão.
Ele emergiu da multidão, seu rosto em conflito. "Juliana, apenas peça desculpas a ela."
"Ela não vai ouvir", supliquei. "Alex, você sabe que eu não fiz isso."
Ele olhou de mim para sua avó, que observava com olhos frios e implacáveis. Ele viu sua herança, seu poder, todo o seu futuro em jogo.
Ele desviou o olhar de mim. "Não posso te ajudar", disse ele, sua voz quase inaudível.
Era isso. A traição final.
Senti uma estranha sensação de calma descer sobre mim. Endireitei os ombros e olhei para Campos. "Tudo bem."
Eles não me levaram para o portão da frente. Eles me arrastaram pelos fundos da casa, para um pequeno prédio de pedra que parecia uma capela esquecida. Era o salão ancestral da família. Lá dentro, estava frio e úmido. Eles me forçaram a ajoelhar no chão de pedra.
Campos pegou uma vara longa e fina de bambu laqueado. "Por desrespeitar a Matriarca", ele entoou, como se estivesse lendo um texto sagrado.
O primeiro golpe atingiu minhas costas com um estalo doentio. Dor, aguda e elétrica, percorreu meu corpo. Eu ofeguei, mordendo o lábio para não gritar.
Outro golpe. E outro. A seda do meu vestido rasgou. Eu podia sentir o calor pegajoso do sangue começando a vazar pelo tecido.
Fechei os olhos, minha mente se desprendendo do meu corpo. Eu não estava na sala fria de pedra. Eu estava em outro lugar. Eu estava contando.
Setenta e dois dias.
Outro golpe. A dor era um fogo rugindo.
Setenta e um dias.
Perdi a conta de quantas vezes a vara caiu. Minhas costas eram uma agonia crua e gritante. O mundo começou a girar, as bordas escurecendo.
Pouco antes de eu desmaiar completamente, um último pensamento claro perfurou a dor.
Esta é a última vez que eles vão me tocar.
Meu corpo, um monte quebrado e sangrando, desabou sobre a pedra fria e implacável.