Hoje, eu precisava chegar mais cedo.
Lorenzo havia me enviado um e-mail na sexta à noite confirmando uma reunião importante com investidores estrangeiros, e eu seria responsável por preparar toda a documentação e acompanhá-lo.
A ideia de passar a manhã ao lado dele me deixava com o estômago revirando.
Saí de casa antes do amanhecer.
O ar frio cortava o rosto, e as ruas ainda estavam meio vazias. O som dos saltos ecoando no mármore do prédio me fez lembrar o primeiro dia - como tudo parecia novo, assustador, e ao mesmo tempo... certo.
Cheguei à empresa trinta minutos antes do horário.
A portaria estava silenciosa, apenas o som dos elevadores subindo e descendo. Cumprimentei o segurança com um sorriso rápido e entrei.
A sala da presidência estava vazia, como sempre nas primeiras horas da manhã.
Liguei as luzes, abri as cortinas, e o sol da manhã invadiu o ambiente, dourando o vidro da mesa e o couro das poltronas.
"Respira, Zara", pensei.
Tudo precisava estar perfeito.
Peguei as apostilas, organizei-as por tema, revisei os slides, e fui para a sala de reuniões. Preparei café fresco, organizei os copos, e pedi alguns lanchinhos pela copa.
O som da máquina de café era o único ruído confortável naquela manhã silenciosa.
Foi quando ouvi a voz.
Grave, calma, e inconfundível.
- Tão cedo aqui?
Meu corpo reagiu antes da mente.
Um arrepio percorreu minha espinha, e por um instante esqueci de respirar.
- Vim organizar as coisas antes da reunião, senhor Castellani - respondi, virando-me.
Ele estava ali, encostado na porta, o paletó escuro contrastando com o branco da camisa.
Os cabelos estavam levemente bagunçados, e o perfume - aquele aroma amadeirado e viciante - se espalhava pelo ar como um convite.
Andei até o outro lado da mesa, instintivamente tentando colocar uma barreira entre nós.
- O que eu disse sobre brilhar? - ele perguntou, arqueando uma sobrancelha, o tom meio provocante.
Meu coração deu um salto.
- Eu só estou fazendo meu trabalho. - respondi, voltando-me para a bandeja de café.
Ouvi o som dos passos dele se aproximando, lentos, seguros.
- Você tá fugindo de mim? - perguntou, num tom baixo, quase divertido.
- Fugindo? - repeti, sem coragem de encará-lo. - Não, claro que não.
- Engraçado... porque parece exatamente isso.
Senti o calor do corpo dele próximo ao meu, o cheiro do perfume misturado com o café recém-passado. Fechei os olhos por um segundo, tentando controlar a respiração.
- Eu só quero manter as coisas profissionais, senhor Castellani.
- Lorenzo. - Ele corrigiu, firme. - Aqui estamos sozinhos, pode me chamar de Lorenzo.
Meu olhar encontrou o dele, e foi como cair num abismo.
A intensidade em seus olhos me desarmava completamente.
Por um instante, esqueci que ele era meu chefe, esqueci de onde estava. Só havia aquele silêncio elétrico entre nós.
Mas a porta se abriu de repente.
- Bom dia, chefe. - A voz de Rômulo cortou o ar como uma lâmina, trazendo-me de volta à realidade.
Ele entrou acompanhado de outros homens, todos engravatados, com pastas e tablets nas mãos.
A tensão evaporou como fumaça, e Lorenzo apenas ajeitou o paletó, recuperando o controle em segundos.
- Bom dia, senhores - ele disse, com o tom frio e autoritário que usava em público.
Sentei-me o mais distante possível, tentando ignorar o olhar que ele me lançou antes de começar a reunião.
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A reunião começou pontualmente.
Investidores da França, um consultor de finanças, Rômulo à esquerda de Lorenzo.
Eu tomava notas rápidas, servia café e, de vez em quando, trocava olhares sutis com Lorenzo - olhares que ele fingia não perceber, mas eu sabia que percebia.
A cada vez que ele falava, sua voz grave tomava conta da sala.
Tinha domínio sobre tudo - cada palavra, cada pausa, cada detalhe.
E eu me perguntava como alguém podia ser tão... perfeito e, ao mesmo tempo, tão inacessível.
- Senhorita Nox - ele chamou, sem tirar os olhos dos papéis. - Pode projetar o gráfico da expansão da filial europeia, por favor?
- Claro. - respondi, levantando e caminhando até o painel.
Enquanto explicava os números, senti o olhar dele sobre mim - atento, concentrado, mas havia algo mais ali. Algo que me deixava nervosa.
Troquei o slide e, sem querer, nossos olhares se cruzaram.
O mundo pareceu diminuir.
A sala cheia de executivos sumiu.
Só restava ele, e aquele olhar que me despia com calma, sem pressa, como se procurasse algo dentro de mim.
Desviei o olhar rapidamente, voltando a falar.
- ...e com isso, o lucro líquido previsto para o próximo trimestre é de 12%, considerando o investimento inicial...
- Perfeito - ele interrompeu, e notei o sorriso discreto no canto dos lábios. - Excelente trabalho, Zara.
Meu coração disparou.
"Respira. É só um elogio profissional", repeti mentalmente.
Mas o modo como ele disse meu nome... não parecia profissional.
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A reunião terminou duas horas depois.
Os executivos foram se levantando, trocando apertos de mão, enquanto eu recolhia os copos e organizava os papéis.
Rômulo se aproximou, com um sorriso leve.
- Bom trabalho, Zara. O chefe tá impressionado.
- Espero que seja com a planilha e não comigo - brinquei, tentando disfarçar o nervosismo.
- Talvez os dois. - Ele riu. - E entre nós, nunca vi o Lorenzo olhar pra alguém desse jeito.
- Que jeito?
- Como se estivesse prestes a quebrar a própria regra.
Fiquei em silêncio.
Não havia resposta segura para isso.
Quando Rômulo saiu, Lorenzo ainda estava lá, olhando pela janela, o casaco jogado na cadeira.
- Pode fechar a porta - ele disse, sem se virar.
Obedeci.
- Senhor... digo, Lorenzo, quer que eu organize o material agora ou deixo pra depois?
- Depois. - A voz dele estava mais baixa. - Senta um instante.
Sentei devagar, tentando decifrar o tom dele.
- Sabe... - ele começou, sem me encarar - você tem um talento raro. Não é só organizada. É... detalhista, dedicada. É diferente.
Senti minhas bochechas queimarem.
- Obrigada, senhor.
- Lorenzo. - Ele corrigiu de novo.
Olhei para ele, e a expressão era outra - não havia o homem de negócios, mas alguém cansado, vulnerável, com algo preso no peito.
- Às vezes acho que você me lembra alguém. - Ele disse, quase num sussurro.
- Alguém importante? - perguntei, hesitante.
Ele sorriu de leve, sem humor.
- Alguém que não posso esquecer.
Um silêncio pesado caiu entre nós.
Ele respirou fundo, levantou-se e se aproximou.
Parou atrás da cadeira onde eu estava sentada, e o ar pareceu ficar mais denso.
- Lorenzo... - murmurei, virando o rosto para olhá-lo.
- Você tem medo de mim? - perguntou, os olhos fixos nos meus.
Engoli em seco.
- Não. Mas o senhor... me intimida.
Ele inclinou a cabeça, e um sorriso quase imperceptível surgiu.
- Isso não é bom. Eu não quero que tenha medo.
- Então... o que quer que eu tenha? - perguntei, sem pensar.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, o olhar preso no meu rosto.
Depois, deu um passo para trás, recolhendo o casaco.
- Que confie em mim. - disse, e saiu da sala.
Fiquei ali, imóvel, com o coração batendo rápido demais.
Parte de mim queria fugir, outra parte queria correr atrás dele e pedir que explicasse o que estava acontecendo entre nós - ou dentro dele.
Mas, no fundo, eu sabia que havia algo maior.
Algo que ele escondia.
Algo que o fazia olhar pra mim daquele jeito - com culpa, desejo e um medo que eu ainda não entendia.
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Mais tarde, no escritório, Liz apareceu com um café.
- Me disseram que você arrasou na reunião - ela comentou, se jogando na poltrona.
- Foi tudo bem.
- E o chefe?
- O mesmo de sempre. Intenso. Misterioso. - Suspirei.
- Ai, Zara, você fala dele como quem tá prestes a se apaixonar.
- Eu não... - parei, percebendo que talvez minha voz não convencesse. - Eu não posso me apaixonar por ele, Liz.
- Por que não?
Olhei pela janela, o coração apertado.
- Porque o Lorenzo Castellani é o tipo de homem que carrega segredos. E eu já vivi segredos demais na minha vida.
Ela me observou em silêncio por alguns segundos.
- Então cuidado. - disse, séria. - Porque às vezes o que a gente tenta evitar é exatamente o que o destino insiste em colocar no nosso caminho.
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Quando saí da empresa, o céu já estava escurecendo.
Peguei o elevador sozinha, pelo menos era o que eu pensava até que uma mão segurou a porta, e entrou. Era ele. Quando eu tendo fugir ele surge bem na minha frente me obrigando a estar no mesmo ambiente que ele.
{...}