Encontrei um orelhão em um canto deserto do saguão do hospital, o receptor de plástico frio e sólido em minha mão trêmula. Meus dedos, desajeitados pelo desuso, se atrapalharam com as fichas. Havia apenas uma pessoa no mundo que poderia me ajudar agora. Uma pessoa cuja promessa era uma tábua de salvação neste mar de traição.
A linha conectou após um único toque, cortando a estática de uma chamada intercontinental.
"Dante", eu respirei, minha voz um sussurro rouco.
"Lara?" Sua voz era um barítono profundo e rico, instantaneamente reconhecível mesmo depois de cinco anos. Tinha um calor do qual eu não percebia que sentia falta. "É você mesmo?"
"Sou eu", eu disse, lágrimas que eu não sabia que ainda tinha começando a brotar. "Dante... você uma vez me disse que se eu precisasse de qualquer coisa, se eu quisesse voltar... você disse que a porta para Milão estaria sempre aberta. Essa promessa ainda vale?"
Não houve hesitação. "Para você, Lara? Sempre. Meu Deus, senti falta do som da sua voz." A emoção crua em suas palavras era um contraste gritante com o pragmatismo frio que eu ouvira de Heitor. "O que aconteceu? Você está bem?"
"Não", eu disse, a única palavra um testamento aos destroços da minha vida. "Minha situação... é complicada. Minha identidade foi... comprometida. Levará tempo para conseguir os documentos adequados, para desaparecer daqui."
"Eu tenho pessoas que podem cuidar disso. Não se preocupe com os detalhes", ele disse, seu tom mudando, tornando-se mais afiado, mais comandante. Este era o Dante que eu lembrava, o magnata da moda cuja influência se estendia por continentes. "A única coisa que importa é tirar você daí em segurança. Heitor Montenegro é um homem poderoso, e possessivo. Ele não vai deixar você ir facilmente."
A precisão de sua declaração me deu um arrepio na espinha. "Eu sei. É por isso... é por isso que eu preciso morrer."
A linha ficou em silêncio por um instante. "Lara, o que você está dizendo?"
"Um incêndio. Um acidente. Um corpo queimado a ponto de não ser reconhecido", expliquei, o plano se formando em minha mente com uma clareza assustadora. "É a única maneira de ele parar de me procurar. É a única maneira de eu ser verdadeiramente livre."
Antes que Dante pudesse responder, um par de braços fortes me envolveu por trás, me puxando para um abraço forte e desesperado. O cheiro de fumaça e colônia cara encheu meus sentidos.
"Lara." A voz de Heitor era um soluço embargado contra meu cabelo. "Graças a Deus. Pensei que tinha te perdido. Pensei que você estava lá dentro..."
Seu corpo tremia contra o meu, seu aperto tão forte que era quase doloroso. Ele me segurava como se eu fosse a coisa mais preciosa do mundo, um tesouro que ele quase deixou escapar por entre os dedos.
Marcos, o amigo de Heitor, apareceu ao seu lado, o rosto pálido e manchado de fuligem. "Ele ficou louco, Lara", disse Marcos, a voz trêmula. "Ele correu de volta para as chamas, gritando seu nome. Ele não quis sair até que os bombeiros o arrastaram para fora."
Eu olhei para Heitor então. Realmente olhei para ele pela primeira vez com meus próprios olhos em cinco anos. Seu terno de grife estava chamuscado, seu cabelo queimado nas pontas. Queimaduras vermelhas e raivosas cobriam as costas de suas mãos e pescoço. Ele parecia exausto, aterrorizado e tão profunda e dolorosamente apaixonado por mim que quase me fez esquecer as palavras que eu tinha ouvido.
Quase.
Como este homem, que correu para um prédio em chamas por mim, podia ser o mesmo homem que me condenou a uma vida de escuridão? Como este amor desesperado e trêmulo podia coexistir com uma traição tão fria e calculada? A contradição era um quebra-cabeça vertiginoso e nauseante. Meu coração, um órgão estúpido e traiçoeiro, doía com uma dor fantasma por seus ferimentos.
Justo quando senti que estava vacilando, uma voz suave e tímida cortou o ar.
"Heitor?"
Era Camila. Ela estava a poucos metros de distância, a mão repousando protetoramente em sua barriga inchada. Ela parecia um fantasma de mim - o mesmo cabelo escuro, as mesmas feições delicadas, mas seus olhos... seus olhos eram diferentes. Eles não tinham o fogo, a paixão que Heitor uma vez afirmou amar nos meus. Eram suaves, plácidos e totalmente calculistas.
O corpo de Heitor enrijeceu. Ele me soltou lentamente, o calor de seu abraço desaparecendo como se nunca tivesse existido. Ele deu um meio passo em direção a ela, criando uma distância física e simbólica entre nós.
"Camila, você não deveria estar aqui", ele disse, a voz tensa. Ele se virou para mim, os olhos suplicantes. "Ela é apenas... uma ajudante. Uma nova funcionária."
Uma ajudante. A mentira era tão descarada, tão insultante, que era quase risível.
O lábio inferior de Camila tremeu. Ela olhou para mim, depois para Heitor, e começou a fazer uma série de movimentos pequenos e intrincados com as mãos. Linguagem de sinais. Meu sangue gelou. Era uma linguagem privada que Heitor havia criado para mim no primeiro ano da minha cegueira, uma maneira de nos comunicarmos intimamente em uma sala cheia.
Ele estava usando nossa linguagem com ela.
Suas próprias mãos se moveram em resposta, seus gestos gentis, tranquilizadores. Eu não precisava ser fluente para entender o significado. Ele estava dizendo a ela para não se preocupar. Ele estava dizendo a ela que tudo estava bem.
Ele então olhou para a barriga dela, um sorriso genuíno e incrivelmente suave tocando seus lábios. Ele gesticulou novamente, uma pergunta.
Camila sorriu radiante, todo o seu rosto se iluminando. Ela respondeu com sinais, uma profusão de movimentos animados. Então, sua voz encheu o silêncio, doce e melódica. "Ele está chutando! Heitor, ele está chutando!" Ela olhou para a barriga. "Deveríamos chamá-lo de 'Leo'. Como seu avô. E se for uma menina... talvez 'Esperança'?"
Leo. Esperança. Os nomes que havíamos escolhido juntos. Os nomes para o filho que eu havia perdido.
A memória me atravessou, crua e brutal. Três anos atrás. Um escorregão nos degraus gelados da mansão. A dor aguda, em cólicas. O sangue. Heitor estava em uma viagem de negócios, e os funcionários, sob suas ordens estritas de não o incomodar, não chamaram um médico por horas. Quando o fizeram, era tarde demais. Eu havia perdido nosso bebê, sozinha naquele castelo frio e vazio. Heitor voltou uma semana depois, sua dor ofuscada por um pragmatismo estranho e distante. "Podemos tentar de novo, Lara", ele disse, como se tivéssemos simplesmente perdido um molho de chaves.
Agora, aqui estava ele, radiante de alegria por um filho com minha substituta, usando os nomes que havíamos escolhido para nosso bebê perdido.
Os últimos vestígios do meu amor tolo e persistente murcharam e morreram. A dor em meu coração se foi, substituída por um vazio oco e ecoante. Ele não era complicado. Ele não estava dividido. Ele era simplesmente um homem que havia seguido em frente. Seu amor, antes um inferno ardente em torno do qual eu havia centrado minha vida, era agora uma lareira suave e doméstica aquecendo a casa de outra mulher.
E eu fui deixada no frio.
"Lara", disse Heitor, virando-se para mim, o rosto uma máscara de preocupação sincera. "Vamos voltar para o seu quarto. Você precisa descansar. Eu arranjei uma nova ajudante, uma nutricionista, para cuidar de você. Esta é a Camila."
Camila fez uma pequena e deferente inclinação de cabeça. "É um prazer conhecê-la, Srta. Aguiar."
Srta. Aguiar. Não futura Sra. Montenegro. Não Lara. O rebaixamento foi sutil, mas claro.
Heitor jogou seu paletó chamuscado sobre meus ombros. O gesto, que antes teria parecido um abraço amoroso, agora parecia uma mortalha. Ele me guiou para longe, o braço em volta da minha cintura, enquanto sua outra mão se estendia para trás, seus dedos se entrelaçando com os de Camila.
Eu vi tudo. Eu o vi levá-la a uma cozinha privativa, seus movimentos cheios de uma domesticidade gentil que eu nunca havia testemunhado. Ele, que tinha uma equipe de chefs pessoais, agora estava lavando legumes cuidadosamente para ela.
"Apenas uma sopa leve", ele murmurou para ela, sua voz um ronronar baixo e íntimo. "Bom para você e para o bebê."
Ele se preocupou com ela, colocando uma mecha de cabelo solta atrás da orelha dela, seu toque demorando em sua bochecha. Ele a tratava não como uma obra de arte inestimável a ser admirada à distância, como fizera comigo, mas como uma parte confortável e querida de sua vida cotidiana.
Ele me trouxe uma tigela de sopa, o aroma rico e saboroso. "Aqui, Lara. Você precisa comer."
Peguei a tigela, meus dedos dormentes. Observei enquanto ele dava a Camila uma colherada da sua própria sopa, soprando primeiro para esfriar, seus olhos cheios de uma afeição carinhosa que era um soco no meu estômago.
Eu bebi a sopa. Tinha gosto de cinzas. Meus olhos estavam secos. Meu coração era uma pedra no meu peito.
Tinha acabado. Ele a amava. Ele a amava de verdade, profundamente.
E naquele momento, eu soube que forjar minha morte não era suficiente. Eu tinha que aniquilar total e completamente a mulher que ele pensava que eu era, para que eu pudesse finalmente me tornar a mulher que eu estava destinada a ser.
A guerra tinha apenas começado.
---