"O inchaço diminuiu", ele disse a Heitor no corredor, sua voz cuidadosamente neutra. Eu estava parada logo na entrada do quarto, fingindo procurar uma escova de cabelo que havia caído. "Há uma chance real, Heitor. A visão dela pode voltar."
Um pingo de esperança, agudo e doloroso, perfurou minha determinação. Ver o mundo novamente, ver o gelo, ver... o quê? O homem que eu amava cuidando de outra mulher? A vida que me foi roubada? A esperança se transformou em um ácido amargo na minha garganta. Era tarde demais. Ver não consertaria nada.
Então, eu permaneceria cega. Aos olhos deles, pelo menos. Era a camuflagem perfeita. Meu único objetivo era sobreviver às próximas semanas até que o plano de Dante estivesse pronto, até que minha nova vida, minha nova identidade, estivesse pronta.
"Não", a voz de Heitor era um comando baixo e frio do corredor, alheio à minha presença. "Nós não queremos isso."
Dr. Esteves ficou em silêncio por um momento, atordoado. "O quê? Heitor, por cinco anos, este foi nosso objetivo."
"Nosso objetivo era gerenciar a condição dela", corrigiu Heitor, seu tom assustadoramente preciso. "A cegueira dela... é melhor assim. Para todos. Camila já passou por estresse suficiente. Se a visão de Lara voltar... complicaria as coisas."
Ele admitiu. Ele estava deliberadamente me mantendo no escuro. Por cinco anos, ele havia balançado a cenoura da recuperação na minha frente, enquanto garantia que eu nunca a alcançasse. Tudo por ela. Pela impostora.
A aliança de casamento no meu dedo, o 'Coração Eterno', de repente pareceu uma algema. Meus dedos se fecharam em torno dela, apertando com tanta força que as bordas afiadas dos diamantes cravejados morderam minha palma. Uma gota de sangue, quente e pegajosa, brotou e pingou no carpete branco imaculado. Eu não senti a dor.
Tropecei de volta para o meu quarto, minha respiração vindo em arquejos irregulares. Meu corpo tremia com uma raiva tão profunda que me deixou fraca. Esbarrei na grande foto de casamento emoldurada na minha cômoda - um retrato em tamanho real de Heitor beijando minha bochecha, seus olhos fechados em aparente adoração. A foto caiu no chão, o vidro se estilhaçando.
Uma lágrima, quente e solitária, finalmente escapou e traçou um caminho pela minha bochecha. Depois outra. E outra. Até que eu estava engasgando em soluços silenciosos e convulsivos. A dor era uma coisa física, um monstro arranhando para sair do meu peito. Então, tão rapidamente quanto veio, se foi, substituída por uma risada oca e ecoante que soava como vidro quebrando.
Ajoelhei-me, pegando cuidadosamente a foto dos destroços. Levei-a para a fragmentadora no escritório de Heitor, uma máquina que ele uma vez se gabou de poder destruir segredos corporativos. Alimentei nossos rostos sorridentes em sua boca faminta. O barulho da moagem foi o som mais satisfatório que eu já ouvi.
"Lara?" A voz de Heitor veio da porta. "Que barulho foi esse? Você está bem?"
Eu me virei, meu rosto uma máscara perfeita de serenidade cega. "Apenas me livrando de alguns arquivos antigos, querido. Coisas que têm erros."
Ele se aproximou, espiando o confete de papel na lixeira. "Isso parece familiar...", ele murmurou, mas sua atenção já estava se desviando. Ele era um homem que só via o que queria ver.
Nesse momento, Camila apareceu na porta, segurando um enorme buquê de lírios. "Feliz aniversário, Lara!", ela disse animadamente, seu sorriso largo e deslumbrante.
Minha garganta se fechou. O cheiro enjoativo e doce dos lírios, uma flor à qual eu era violentamente alérgica, encheu o ar. Dobrei-me, tossindo, meus olhos lacrimejando com lágrimas genuínas e dolorosas.
"Oh, meu Deus!" Camila correu para frente, um olhar de falsa preocupação em seu rosto. Ela tapou meus olhos com a mão. "Não espie! Heitor tem uma surpresa para você!"
Ela me guiou, tropeçando e engasgando, até a sala de jantar. Lá, na mesa, havia um bolo de aniversário. Um bolo de mousse de maracujá. E uma única vela zombeteira.
"Queríamos celebrar você!", disse Camila alegremente. "Espero que goste. Maracujá é o meu favorito."
Heitor sorriu para ela, acariciando seu braço. "Você é tão atenciosa, Cami." Ele se virou para mim. "Faça um pedido, Lara."
Eu fiquei ali, o cheiro de lírios e maracujá me sufocando. Meus pulmões ardiam, meus olhos pareciam estar em chamas. Olhei do bolo para o rosto sorridente de Heitor, para o rosto triunfante de Camila.
Minha voz, quando veio, foi assustadoramente calma.
"Hoje não é meu aniversário, Heitor."
Seu sorriso vacilou. "O quê? Claro que é."
"Não", eu disse, meu olhar inabalável. "Hoje é o aniversário da morte do nosso filho. O filho que perdi enquanto você estava em Tóquio, fechando um negócio. E eu", acrescentei, minha voz baixando para um sussurro, "sou mortalmente alérgica a maracujá."
A cor sumiu do rosto de Heitor. O sorriso carinhoso desapareceu, substituído por um lampejo de reconhecimento horrorizado, de culpa. Por uma fração de segundo, vi o homem que eu costumava amar, o homem que teria movido montanhas por mim.
Mas ele se foi.
Virei-me e saí da sala, deixando-o com seu bolo, sua impostora e o fantasma de nosso filho morto. Eu não precisava ver seu rosto para saber a verdade. Ele havia esquecido. Ele havia me esquecido.
Um barulho vindo do andar de baixo me acordou. Abri os olhos para ver Heitor sentado ao lado da minha cama, sua silhueta escura contra o pálido luar. Ele estava me observando dormir. Por um momento aterrorizante, pareceu como nos velhos tempos.
"Lara", ele sussurrou, sua voz espessa com uma ternura falsificada. "Sinto muito pelo que aconteceu ontem. Eu... eu não sei o que estava pensando. Deixe-me compensar você."
Ele me ofereceu um copo de leite morno, como costumava fazer. Ele me disse que havia arranjado um concerto particular no jardim, um quarteto de cordas tocando minhas peças favoritas de Villa-Lobos. Era uma réplica perfeita de mil outras noites que compartilhamos.
Eu não disse nada. Recusei seu toque. Deixei o leite esfriar.
Sua mandíbula se contraiu. A fachada gentil rachou. "Tudo bem", ele disse secamente, sua paciência esgotada. "Fique assim." Ele me pegou nos braços, ignorando minha postura rígida. "Mas você vai vir e ouvir a música que arranjei para você."
Ele me levou para o terraço de pedra, o ar noturno frio contra minha fina camisola de seda. Eu tremi, envolvendo os braços em volta de mim mesma.
No gramado, Camila já estava esperando, um sorriso teatral no rosto. Mas meus olhos não estavam nela. Estavam na grande gaiola coberta ao lado dela.
Heitor me colocou em uma cadeira, e imediatamente foi para o lado de Camila. Ele a envolveu em um casaco grosso forrado de pele, suas mãos demorando em sua cintura. "Você está aquecida o suficiente, meu amor?", ele murmurou, pressionando um beijo em sua têmpora. "Você e o bebê precisam ter cuidado."
Meu amor. O bebê. Cada palavra era uma ferida nova.
Camila se envaideceu sob sua atenção. "Estamos bem, Heitor. Agora, você está pronto para o evento principal?"
Com um floreio dramático, ela puxou a cobertura da gaiola.
Lá dentro, andando de um lado para o outro, inquieta, estava uma onça-pintada adulta. Seus olhos, brilhando como brasas na penumbra, fixaram-se em mim. Um rosnado baixo e gutural retumbou em seu peito.
Heitor bateu palmas, alheio. "Uma onça! Lara, não é magnífica? Camila organizou tudo. Uma apresentação particular, só para você."
Uma apresentação. Para uma mulher cega. A crueldade era de tirar o fôlego.
Camila mandou um beijo para a onça. "Ele não é lindo? Eu o chamo de Rajah."
A onça a ignorou. Seu olhar estava fixo em mim, seu corpo tenso, pronto para saltar. Isso não era uma apresentação.
Isso era uma execução.
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