Minha Fuga para Montana: Um Recomeço
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Capítulo 2

Ponto de Vista: Amélia

Acordei com o bipe suave e rítmico de uma máquina e o murmúrio baixo da voz de uma enfermeira. O mundo voltou a focar lentamente, como uma fotografia se revelando em um quarto escuro. Teto branco. Paredes brancas. O cheiro fraco e limpo de lavanda de um difusor no canto.

Minha mente parecia... quieta. Assustadoramente quieta. Como uma casa depois que a tempestade passou, deixando para trás uma paz estranha e oca.

Verifiquei meu celular, meus dedos se movendo com uma lentidão que parecia estranha. A última mensagem de Kaila era de semanas atrás, logo antes do primeiro tratamento. Era um link para uma bolsa ridiculamente cara.

"MEU DEUS, Amélia, isso seria PERFEITO para o meu aniversário! Você é a melhor irmã de todas! Te amo! Beijos."

Lembrei-me de comprá-la para ela. Lembrei-me da pequena emoção de vê-la feliz, mesmo que fosse uma felicidade que eu tivesse que comprar. Lembrei-me do silêncio dela depois que o dinheiro foi transferido, da falta de um agradecimento.

Não doía mais. Era apenas um fato, como um item em um livro-razão.

Rolei para as mensagens de Alex. Uma série de mensagens frenéticas e não respondidas do meu tempo no hospital.

"Amélia, onde você está? Por favor, me responda."

"Estou preocupado. Os médicos não me dizem nada."

"Precisamos conversar. Isso tudo é um mal-entendido."

As palavras eram apenas pixels pretos em uma tela branca. Não tinham peso emocional. Senti uma curiosidade distante e acadêmica sobre a pessoa que as recebeu, a pessoa cujo coração teria se partido ao lê-las. Parecia que eu estava lendo a correspondência de outra pessoa.

A confrontação no estúdio, o hospital, o gaslighting - tudo era um borrão, uma história que eu tinha lido, mas não vivido. Lembrei-me de ser empurrada. Lembrei-me dos olhos acusadores de Bia. Mas a dor aguda e esmagadora havia desaparecido, substituída por um espaço vazio e sem graça.

Eu estive no hospital por uma semana após a "queda". Uma semana de pessoas - amigos que eu conhecia há anos - vindo não para me confortar, mas para defender o caso de Kaila.

"Ela é só uma garota, Amélia."

"Ela te adora. Ela nunca te machucaria intencionalmente."

"Você tem estado sob tanto estresse. Talvez você tenha exagerado."

Eles me olhavam com pena e um toque de medo, como se eu fosse uma coisa frágil e instável. Como se minha natureza quieta, minha preferência pela solidão, fosse um sinal de uma falha mais profunda.

Bia tinha sido a pior. Minha melhor amiga desde a faculdade. Ela sentou-se ao lado da minha cama, segurando minha mão com um aperto que parecia mais uma restrição.

"Eu sei que você está sofrendo", ela disse, sua voz pingando simpatia condescendente. "Mas você não pode descontar na Kaila. Ela é tudo o que te resta."

*Tudo o que me resta?* Eu queria gritar. Eu a criei. Paguei a mensalidade da escola particular dela quando a herança do nosso pai secou. Abri mão de uma bolsa de estudos em Berlim para que ela não tivesse que mudar de escola. Construí uma vida para ela das cinzas da minha própria dor.

Minha infância foi um campo de batalha. Um divórcio amargo que deixou minha mãe uma casca de mulher, que via o rosto do meu pai no meu e me ressentia por isso.

"Você é tão fria, Amélia", ela sussurrava, seu hálito com cheiro de vinho velho. "Igual a ele."

Aprendi a ser autossuficiente, a construir minhas próprias muralhas, a encontrar estabilidade na estrutura e no trabalho duro. Lutei para entrar em um dos melhores programas de arquitetura, conheci Alex e, juntos, construímos um império do zero.

Então, quando pensei que finalmente tinha construído uma vida segura do caos do meu passado, meu pai morreu, e uma assistente social apareceu na minha porta com uma Kaila de quinze anos a tiracolo. A segunda esposa do meu pai, a mãe de Kaila, havia morrido anos antes. Eu era sua única parente viva. Minha responsabilidade legal.

Eu tinha vinte e dois anos, tentando lançar uma empresa e nutrir um relacionamento. De repente, eu também era mãe solteira de uma adolescente que era praticamente uma estranha. Uma adolescente que, com seu cabelo loiro-sol e charme fácil, conquistou sem esforço todos que eu conhecia.

"Por que você não pode ser mais como a Kaila?", os amigos perguntavam, rindo. "Solte-se um pouco!"

Até Alex, meu Alex, estava encantado. Ele a tratava como uma sobrinha favorita, comprando presentes, levando-a a shows que eu estava ocupada demais para ir.

"Ela traz tanta vida para esta casa", ele dizia.

E eu, a sombra, observei tudo, um pavor frio se enrolando no meu estômago. Observei enquanto a pessoa que eu mais amava começava a preferir o sol à lua.

Agora, acordando no quarto silencioso da clínica, essas memórias pareciam distantes, em terceira pessoa. A terapia de eletrochoque funcionou. Tinha removido o núcleo do trauma, deixando um vácuo limpo e indolor.

Uma enfermeira entrou, seu sorriso gentil.

"Bom dia, Amélia. Sentindo-se bem?"

Eu assenti.

"Um pouco confusa."

"Isso é normal", disse ela, me entregando um pequeno bloco de notas e uma caneta. "Sua última sessão foi um sucesso. O médico disse que você está liberada para ir."

Olhei para o bloco de notas. Minha própria caligrafia, de antes do tratamento final, me encarava. Era uma lista, uma série de comandos para um eu futuro que eu sabia que seria uma estranha.

1. Venda as ações da empresa. Os documentos estão no cofre. O número do advogado está no verso.

2. Venda a casa.

3. Vá para Campos do Jordão. O chalé do papai. Encontre Dean Serrano na Pousada da Montanha.

4. Não olhe para trás.

A última linha estava sublinhada. Duas vezes.

Campos do Jordão. Meu pai tinha um pequeno chalé rústico lá de antes de conhecer minha mãe. Ele costumava falar sobre isso como um paraíso perdido. Dean Serrano... o nome era vagamente familiar. O filho do velho amigo de pesca do meu pai, eu acho. Um nome de uma vida que não era minha.

Era um plano nascido do desespero, um ato final de autopreservação de uma mulher que eu não conhecia mais. Mas era o único plano que eu tinha.

Vesti-me, meus movimentos lentos e deliberados. Coloquei o bloco de notas na minha bolsa e saí da clínica, deixando o fantasma de Amélia Hamilton para trás.

A cidade parecia diferente. O barulho, as multidões, os prédios imponentes que eu ajudei a projetar - eles não pareciam mais parte de mim. Eu era uma turista na minha própria vida.

Peguei um táxi para a casa. Nossa casa.

Quando o táxi parou, minha paz silenciosa e oca foi estilhaçada. O gramado estava lotado de gente. A música saía pelas portas abertas. Balões coloridos estavam amarrados na caixa de correio. Uma grande faixa estava estendida na varanda: FELIZ ANIVERSÁRIO DE 22 ANOS, KAILA!

Meu sangue gelou.

Era a festa de aniversário dela. A que eu estava planejando antes do mundo acabar. Eles estavam comemorando. Aqui. Na minha casa. Enquanto eu estava em um hospital, tendo minhas memórias deles queimadas do meu cérebro.

Paguei o motorista e saí, minha mala parecendo uma âncora. Enquanto eu subia o caminho, as risadas e a música vacilaram. As pessoas se viraram, seus sorrisos congelando em seus rostos. A multidão se abriu como o Mar Vermelho.

E lá estava ele. Alex. Ele segurava uma taça de champanhe, um chapéu de festa comicamente empoleirado em sua cabeça. Ele parecia surpreso, depois aliviado, e então... irritado.

Ele correu em minha direção, sua voz um silvo baixo e urgente.

"Amélia! O que você está fazendo aqui? Pensei que você só seria liberada amanhã."

Eu olhei para ele, para este homem cujo rosto já foi o mapa do meu mundo. Agora, ele era apenas um estranho. Um estranho bonito e bem-vestido que parecia vagamente familiar.

"Eu moro aqui", eu disse, minha voz plana e uniforme.

A simples declaração pareceu confundi-lo. Ele vacilou, seus olhos se voltando para a festa, para Kaila, que nos observava com olhos grandes e inocentes da porta.

"Claro, eu só... eu pensei..." Ele passou a mão pelo cabelo, um gesto que reconheci da descrição do bloco de notas. *Ele faz isso quando está nervoso ou mentindo.* "Estávamos apenas fazendo uma pequena reunião para a Kaila. Podemos encerrar."

Eu não queria estar aqui. Não queria ver essas pessoas, esses fantasmas de uma vida que eu não lembrava de amar. Eu só queria minhas coisas. Queria seguir as instruções do bloco de notas e desaparecer.

Bia apareceu ao lado de Alex, o braço entrelaçado no dele. Ela segurava um presente embrulhado de forma chamativa.

"Amélia! Você voltou! Chegou na hora certa. Você pode dar o presente da Kaila."

Ela tentou colocar a caixa em minhas mãos, o mesmo papel de embrulho berrante que eu havia escolhido semanas atrás. Era a bolsa de grife cara.

Deixei minhas mãos penderem frouxamente ao meu lado.

A caixa caiu, aterrissando no gramado bem cuidado com um baque suave.

Kaila soltou um suspiro teatral. Ela correu para frente, seus olhos se enchendo de lágrimas.

"Oh, Amélia, me desculpe! Eu sei que você ainda está brava comigo. Eu estive tão preocupada com você, não consegui dormir."

A multidão murmurou em simpatia. Algumas pessoas me lançaram olhares sujos. A irmã injustiçada. A noiva instável. A vilã de uma história que eu nem conseguia me lembrar de ter escrito.

Senti uma onda de tontura. Os rostos, o barulho, o peso do julgamento deles era demais. O silêncio na minha cabeça estava começando a se desfazer.

"Eu acho", eu disse, minha voz mal um sussurro, "que eu gostaria que todos vocês fossem embora agora."

Alex deu um passo à frente, sua expressão endurecendo.

"Amélia, não comece. A Kaila é só uma garota. O que quer que tenha acontecido, precisamos superar isso. Vocês duas precisam aprender a se dar bem."

Suas palavras, destinadas a serem conciliatórias, pareceram um tapa. Ele ainda a estava protegendo. Ainda me gerenciando.

Olhei do rosto dele para o de Kaila, suas lágrimas uma performance para a plateia que ela havia cultivado com tanta maestria. Olhei para Bia, minha suposta melhor amiga, que agora me encarava como se eu fosse um monstro.

Eu estava farta.

"Eu não vou superar isso", eu disse, minha voz ganhando força. "Eu vou me mudar."

            
            

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