E quando o relógio marcou meia-noite, a decisão já estava feita.
Peguei o casaco, desci em silêncio e saí pela porta dos fundos.
O ar estava frio e úmido.
As luzes da rua morriam antes da curva que levava ao bosque.
A cada passo, a névoa engolia mais o caminho, e o coração batia como um tambor.
"Você não devia estar aqui."
A voz dele ecoava na minha mente, mas eu segui mesmo assim.
A floresta era diferente à noite - viva, quase respirando.
Galhos se moviam como mãos e o vento sussurrava nomes.
O meu, entre eles.
De repente, um som - baixo, rouco, como um rosnado contido.
Vinha do alto da colina.
O instinto dizia para correr, mas o coração... o coração me empurrava pra frente.
Quando cheguei ao topo, o que vi tirou o ar dos meus pulmões.
Havia um lobo.
Enorme. Negro como sombra, os olhos dourados brilhando no escuro.
Ele não parecia um animal comum - havia algo humano naquele olhar.
E, por um segundo, senti... paz.
Como se ele me reconhecesse.
Como se o medo e a curiosidade se misturassem num mesmo arrepio.
- Noah? - sussurrei, sem saber por que.
O lobo deu um passo à frente, o olhar fixo em mim.
E, então, outro relâmpago cortou o céu.
Quando a luz passou, o animal já não estava lá - apenas pegadas na lama, levando até a clareira, onde encontrei algo jogado:
Uma camiseta preta.
Molhada. Rasgada.
Com o cheiro dele.
Senti as pernas tremerem.
O coração disparou, e o som distante de passos humanos veio da floresta.
- Lívia! - A voz dele. - O que você está fazendo aqui?!
Ele surgiu do escuro, o corpo suado, o olhar selvagem, a respiração ofegante.
Sem camisa, com a pele marcada de arranhões e o pescoço latejando.
- Você está ferido!
- Eu te disse pra não vir - rosnou, aproximando-se rápido. - Você não tem ideia do perigo que corre.
- Eu te vi! - gritei. - Eu vi o lobo!
Ele parou, os olhos arregalados.
O silêncio que se seguiu foi quase doloroso.
A chuva caía entre nós, fria, insistente.
E então, em voz baixa, quase um sussurro, ele disse:
- Então... agora você sabe.
Meu coração bateu tão forte que doeu.
O mundo pareceu girar.
Ele desviou o olhar, os ombros tensos.
- Não era pra você descobrir assim.
- Descobrir o quê, Noah? O que você é?
Ele respirou fundo, os olhos mudando de cor bem diante de mim - do cinza para o âmbar vivo.
E quando falou de novo, a voz já não soava inteiramente humana.
- Eu sou o que te disseram pra temer nas histórias.
O que vive entre o sangue e a lua.
O que nunca devia te amar.
A chuva cessou.
Tudo ficou em silêncio.
E, ainda assim, o que mais ecoou dentro de mim foi o "amar".
Antes que eu pudesse responder, ele já tinha se afastado, sumindo entre as árvores - deixando-me sozinha, tremendo, com a certeza de que minha vida jamais voltaria a ser a mesma.
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Noah
Ela não devia ter me visto.
Não daquele jeito.
Não enquanto o lobo ainda pulsava sob minha pele.
Cada vez que ela diz meu nome, algo dentro de mim se parte.
Metade de mim quer protegê-la.
A outra metade quer marcá-la - torná-la parte de mim.
Mas eu não posso.
Eu não devia.
A maldição dos Blackwood nunca perdoou quem se apaixonou por uma humana.
Fechei os olhos e ainda senti o cheiro dela na chuva.
Doce. Quente. Inocente demais.
E ao mesmo tempo, a única coisa capaz de me trazer de volta quando a fera ameaça tomar o controle.
O problema é que o laço já começou.
E uma vez que o lobo escolhe... não há volta.