Enquanto o professor falava, minhas mãos traçavam o desenho de uma lua partida no canto do caderno.
E, sem perceber, desenhei também um par de olhos - os dele.
- Bonito, mas meio sombrio - comentou Sofia, minha melhor amiga, espiando o desenho.
- É só... algo que sonhei - menti.
Mas o sonho era real.
E o medo também.
Quando o sinal tocou, decidi ir embora direto pra casa.
Mas no caminho, algo me fez parar.
Na esquina próxima ao bosque, havia marcas no chão - pegadas profundas, como se algo enorme tivesse passado por ali.
E no tronco de uma árvore, uma marca prateada que brilhava sob o sol.
Tentei tocar, mas queimou minha pele.
Dei um passo atrás, assustada.
E foi aí que senti - aquele arrepio familiar.
O olhar dele.
Mesmo sem vê-lo, eu sabia que Noah estava por perto.
- Eu sei que está aí - murmurei, sem coragem de virar. - Você não precisa se esconder.
Nada.
Só o vento balançando as folhas.
Mas quando finalmente me virei, ele estava lá.
A poucos metros, de capuz, o rosto meio coberto, a respiração tensa.
- Por que veio aqui de novo? - perguntou, a voz grave, quase um sussurro.
- Porque você sumiu. - Minha voz falhou. - E porque eu preciso entender.
Ele deu um passo à frente, e cada centímetro que nos separava pareceu evaporar.
O ar ficou mais quente, denso.
O mundo inteiro encolheu até caber entre nós dois.
- Você devia ter me esquecido, Lívia. - Ele desviou o olhar, mas o tom traía a dor. - Quanto mais se aproxima, mais perigoso fica.
- Perigoso pra quem? - perguntei, firme. - Pra mim... ou pra você?
Ele ergueu o olhar.
Por um segundo, vi o lobo - o brilho âmbar, selvagem, pulsando por trás da calma.
- Pra nós dois.
Antes que eu pudesse responder, o som de galhos quebrando nos fez virar.
Algo se movia rápido entre as árvores.
Um cheiro forte, metálico, tomou o ar.
Noah ficou tenso, os músculos rígidos, o olhar atento.
- Volta pra casa. Agora.
- O que está acontecendo?
Ele não respondeu.
Em vez disso, segurou minha mão - firme, quente, protetora - e me puxou para trás de uma árvore.
O coração dele batia rápido.
Rápido demais.
- Eles estão perto - murmurou. - E se te virem comigo, vão te marcar também.
- Quem são "eles"? - sussurrei.
Mas ele não respondeu.
Apenas me encarou como se fosse a última vez.
E antes que eu pudesse entender, encostou a testa na minha e respirou fundo.
- Se algo acontecer comigo... siga a lua. Ela vai te levar até mim.
Quando ele se afastou, o mundo pareceu perder o som.
E então - um rugido.
Forte. Inumano.
As árvores estremeceram.
Noah virou-se, os olhos mudando outra vez.
A transformação começou ali mesmo, diante de mim - os músculos tensos, a pele cintilando, a dor estampada no rosto.
Mas o que mais doeu foi o olhar.
Aquele último olhar antes que o lobo tomasse o controle.
Ele correu para dentro da floresta, e eu fiquei parada, o coração disparado, o vento trazendo um uivo longo e triste.
Um uivo que parecia chamar meu nome.
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Noah
A lua ainda não havia subido completamente, mas o sangue já gritava.
Eles estavam aqui - os que me caçavam, os que nunca aceitaram que eu deixasse a matilha.
E agora, eles sabiam que eu a tinha escolhido.
A Marca da Lua começa assim: um toque, um olhar, um laço invisível que o destino amarra com fios de prata.
E quando ela tocou minha pele pela primeira vez, o selo se formou.
Agora, se tentarem machucá-la, sentirão minha fúria.
E eu não sei se vou conseguir contê-la.
O primeiro deles saltou do escuro.
Lobos maiores que homens, olhos vermelhos, presas reluzindo sob a luz difusa.
Ataquei antes que pensassem.
O som dos ossos quebrando misturou-se ao estalar da chuva nas folhas.
A luta foi curta, mas brutal.
E quando o último caiu, a floresta ficou em silêncio.
A dor nas costas latejava, o gosto metálico do sangue ainda na boca.
Mas o que mais doía era a lembrança dela - os olhos assustados, a voz chamando meu nome.
"Se algo acontecer comigo, siga a lua."
Eu sabia o que vinha a seguir.
A Marca estava selada.
E a cada noite, a lua cheia traria ela pra mais perto - até o dia em que o laço se completasse.
Ou até que um de nós fosse destruído.