A porta se abriu bruscamente e o som do ranger ecoou pela sala.
- Ivy, estão te chamando para almoçar. - A voz de Ezdra Navarro soou atravessando a porta.
- Não sabe bater? - Minha voz saiu mais ríspida do que eu pretendia. Levantei-me, pegando um vestido que estava largado no chão. Ele continuava parado na porta, imóvel, sem se desculpar.
- Da próxima vez, vê se bate na porta. Eu não fico de roupa no MEU quarto.
Ele levantou uma sobrancelha, com aquele sorriso irritante de quem sabe que me tirou do sério, mas nem se moveu. Eu sabia naquele instante: esse garoto ia ser uma pedra no meu sapato.
Suspirei e saí do quarto, ignorando a vontade de gritar com ele mais uma vez. Cada passo ecoava na casa enorme, lembrando-me de que não era mais a mesma vida de antes, que agora estava presa em um lugar cheio de regras, formalidades e olhares calculados.
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A mesa de jantar estava posta de forma impecável. O ambiente era elegante, silencioso, com aquela sensação de perfeição que me irritava profundamente. Sentei-me, cruzando os braços, enquanto meu pai falava sobre a empresa, sobre decisões de negócios e sobre o futuro de Ezdra, o filho da madrasta. Cada palavra dele parecia me empurrar mais para fora daquele mundo, mais para longe de quem eu era antes.
- Tem certeza que é necessária toda essa formalidade? - murmurei, cutucando o garfo distraidamente.
- Eu gosto que façamos pelo menos uma refeição juntos. - Miranda respondeu, com um sorriso que soava falso para meus ouvidos.
Respirei fundo e decidi quebrar o silêncio, pelo menos parcialmente.
- Obrigada pelas roupas, Miranda. E me desculpe se fui grossa alguma vez. Sei que nada disso tem a ver com você ou com as canalhices do meu pai, muito menos com a morte da minha mãe.
Ela se inclinou levemente, tocando minha mão de forma delicada.
- Não tem que pedir desculpas, querida. Você passou por muita coisa.
Passei o resto do almoço em silêncio, apenas ouvindo meu pai falar sobre números, lucros e ações. Cada palavra me lembrava de que aquele lugar não era meu lar, de que meu passado havia sido apagado para dar espaço a uma família que nunca me quis completamente.
- Você já faz isso muito bem, Vitorio. - Ezdra comentou, levantando-se abruptamente e saindo da sala.
Olhei para Miranda, que lançou-me um olhar preocupado, mas gentil.
- Desculpa por ele. - disse ela, baixinho.
- Imagina. Vou para o meu quarto também. - levantei-me, tentando ignorar o aperto no peito e a raiva que ainda fervia.
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Enquanto subia as escadas, refletia sobre Ezdra. Ele parecia não se importar com nada, mas o que eu entendia até agora era que ele não queria assumir a empresa da família. A mãe dele casou com meu pai, então Vitorio tocava o negócio até que o herdeiro estivesse pronto. Mas, claro, o playboy tinha outras prioridades - festas, carros, garotas... e agora, aparentemente, uma adolescente recém-chegada para incomodar sua rotina perfeita.
Desci novamente, encontrando meu pai e Miranda na sala de estar. Uma vontade súbita me tomou: queria correr até meu bairro, ver Kadu, meu namorado, rever o pessoal do colégio. Só um instante de normalidade antes que a vida nova me engolisse por completo.
- Vitorio... - comecei, hesitante.
Ele me olhou, sério, e a voz firme:
- Será que custa me chamar de pai, Ivy?
- Custa. - respondi, cruzando os braços. - Só queria pedir permissão para ir ao meu bairro visitar os amigos.
Ele franziu a testa, mas antes que pudesse responder, Miranda interveio.
- Deixe ela ir. É bom rever os amigos. Logo começam as aulas, e ela não terá tempo.
Olhei para ela, sentindo gratidão silenciosa.
- Não sei... é longe. - meu pai resmungou.
- Ezdra vai com ela. - disse Miranda, observando o filho descer as escadas, relutante.
- Eu o que? - Ezdra arqueou uma sobrancelha.
- Isso. Ele vai dirigir. Vocês ficam em um hotel, é mais tranquilo.
Ezdra bufou, mas pareceu ceder. Enquanto eu subia para pegar minha mochila, ouvi Miranda dizer:
- Vou atrasar sua entrada na empresa até que termine a faculdade.
Um pequeno alívio percorreu meu peito. Pelo menos, naquele momento, Ezdra concordou em me levar, mesmo relutante.
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Na estrada, o silêncio era quase palpável. Ezdra concentrado ao volante, e eu perdida em meus pensamentos. Decidi ligar a rádio, e uma música familiar começou a tocar - "Golden". Não pude evitar cantarolar. Para minha surpresa, ele também começou a cantar. Olhamos um para o outro e rimos, a tensão se quebrando por alguns segundos.
- Não sabia que você curtia esse tipo de música. - disse, olhando para ele.
- Tem muita coisa sobre mim que você não sabe, pirralha. - respondeu ele, com aquele sorriso que me irritava e me atraía ao mesmo tempo.
- Pirralha não, Ezdra. Muito clichê. E você só é um ano mais velho, então pode parar.
- Não mesmo. - disse ele, rindo, e eu não resisti: dei um soco leve em seu braço.
- Cuidado aí! Estou dirigindo, pirralha.
- Idiota! - gritei, mas no fundo, sabia que esses momentos eram a única coisa boa entre nós naquele instante.
Sub: Que clichê, não acha? Me faz lembrar daqueles livros que você lia do grande W, quando tinha seus 13 anos.
Você também não vem perturbar minha cabeça com isso, não.
Já era tarde da noite quando chegamos no hotel, houve um problema com as reservas que Miranda fez, então eu e Ezdra teríamos que dividir o mesmo quarto. Ironia do destino ou não, no quarto tinha apenas uma cama de casal, enorme, mas ainda sim era uma só.
- Se preferir durmo no chão. - Ele diz.
- Não seja bobo, Ezdra. Não é como se fosse acontecer alguma coisa. Não somos um casal.
- Maravilha. - Ele disse se jogando na cama.
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