Levantei e fui até a janela. A vista do jardim parecia saída de um clipe de verão: piscina, copos vermelhos espalhados, garotas de biquíni, garotos sem camisa, e no centro de tudo - ele.
Ezdra Navarro.
Camiseta branca colada no corpo, óculos escuros pendurados na gola e aquele sorriso presunçoso que parecia desafiar o mundo. Dançava com uma garota loira e um cara alto, e o som? Ironia do destino - "Golden" tocava outra vez.
Por um segundo, lembrei da gente cantando juntos no carro, e um arrepio estranho percorreu meu corpo. Revirei os olhos. "Idiota", murmurei.
Fui pro banheiro, lavei o rosto e prendi o cabelo num coque bagunçado. Coloquei um biquíni simples e uma saída branca por cima. Talvez descer fosse burrice, mas ficar trancada ouvindo gritos e risadas não parecia melhor.
Assim que desci as escadas, o som parecia ainda mais alto. O cheiro de bebida e cloro misturava-se no ar, e as vozes se sobrepunham em gargalhadas e músicas. Caminhei firme até o jardim, e no instante em que pisei na grama, nossos olhos se encontraram.
Ele parou de rir. Só por um segundo, mas parou.
Foi tempo suficiente pra uma garota loira de vestido colado perceber.
- O que você tava fazendo lá em cima, garota? - ela perguntou, me bloqueando o caminho. Tinha aquele tipo de olhar que já deixava claro o tipo de pessoa que era: a vaca popular do colégio.
- Isso não é da sua conta - respondi, tentando desviar.
Mas ela segurou meu cabelo com força.
O estalo da raiva veio antes do pensamento. Me virei e acertei um soco bem no meio da cara dela.
- Não encosta em mim, vaca.
As risadas e a música pararam de repente.
- O que tá acontecendo aqui? - Ezdra surgiu, ainda sem acreditar na cena.
- Essa vagabunda me agrediu! - a loira gritou, cobrindo o nariz.
- Vagabunda é a senhora sua mãe - rebati, sentindo o sangue ferver. - Essa garota veio tirar satisfação do que eu tava fazendo no andar de cima.
Ezdra suspirou fundo, e o olhar dele passou de mim pra loira, e de volta pra mim.
- Não que seja da sua conta, Felícia. Mas Ivy mora aqui. Provavelmente tava vindo do quarto dela. - Ele então segurou meu braço e me puxou pra junto de um grupo de pessoas que observava de longe.
- Oi, me chamo Becca - uma garota de cabelos ruivos e sorriso aberto falou, estendendo a mão. - Finalmente te conheço! Esse é o Blake, meu namorado.
- Prazer, Ivy. - Apertei a mão dela, tentando ignorar o olhar de Ezdra ainda cravado em mim.
- Seu pai pediu pra eu cuidar de você, pirralha - ele disse com aquele tom provocador. - Então... se divirta.
- "Cuidar de mim" é fazer uma festa cheia de bebida e menor de idade? - rebati.
- Ezdra faz as melhores festas - Blake respondeu, dando de ombros.
- Então talvez a estadia aqui não seja tão chata assim - murmurei.
Becca riu alto. - Eita, que se eu já te amei por ter socado a cara da Felícia, agora eu te amo mais ainda!
- Acho que a gente vai se dar bem. - sorri.
O som voltou, e aos poucos a tensão se desfez. Eu fiquei com Becca, conversando sobre a escola, enquanto Ezdra ria com Blake, embora não parasse de lançar olhares rápidos na minha direção.
- Oi? - uma voz masculina suave me chamou. Virei e dei de cara com um garoto moreno, bonito, de sorriso fácil. - Atos - disse, estendendo a mão.
- Atos? - repeti, confusa.
- É, diferente, né? - Ele riu. - E você?
- Ivy.
- Bonito. Tá a fim de curtir um pouco?
Olhei em volta. A música, o calor, a liberdade... e aquele olhar de Ezdra me vigiando.
- Por que não? - murmurei, e antes que pensasse demais, puxei Atos e o beijei.
O beijo foi rápido, talvez inconsequente, mas cheio de vontade.
- Tá ficando maluca, Ivy? - a voz de Ezdra soou atrás de mim, e logo senti a mão dele me puxando com força.
- Maluco tá você! Me solta!
- Seu pai vai adorar saber que eu dei uma festa e que você resolveu pegar o primeiro babaca que viu pela frente.
- Não se mete na minha vida, Ezdra!
- Me meto sim! - O olhar dele queimava. - Some, Atos.
- Acho que não - o garoto retrucou. - Você quer mais essa vagabunda pra você?
O som parou. Todos olharam.
- Se não vai ser por bem... - Ezdra cerrou o punho e deu um soco certeiro no rosto dele.
Atos caiu, o nariz sangrando.
- Ezdra! - gritei. - Por favor, para!
Ele respirava com dificuldade, os olhos marejados de raiva.
- É com esse tipo de cara que você quer se envolver, Ivy?
Fiquei em silêncio por alguns segundos, o coração acelerado.
- Não... - olhei pra Atos, que se levantava grogue. - Pode ir embora.
- Achei que a gente tava se entendendo - ele murmurou.
- Estávamos, até você me chamar de vagabunda, seu estrume. Agora se manda.
Ele saiu resmungando, e o silêncio voltou a tomar conta da festa.
As pessoas começaram a se dispersar. Becca veio até mim, sussurrando:
- Que cena, hein? Mas... obrigada. Felícia merecia e Atos também.
Sorri de leve. - Acho que sua festa acabou, Ezdra.
Ele soltou um suspiro, limpando o sangue que escorria da mão.
- É... parece que sim.
Fui até a cozinha buscar uma toalha e uma caixa de primeiros socorros. Quando voltei, ele estava sentado na beira da piscina, olhando pro nada.
- Me dá isso - falei, ajoelhando ao lado dele.
- Eu tô bem, pirralha.
- Cala a boca e me deixa cuidar disso.
Peguei a mão dele. Os nós dos dedos estavam abertos, um corte fino e vermelho. Peguei o antisséptico e limpei devagar.
- Isso vai arder.
- Você fala como se gostasse de me ver sofrer.
- Às vezes eu gosto. - Sorri de canto.
Ele riu. - Você é mesmo impossível, Duran.
Nossos olhos se encontraram por um instante longo demais. O ar pareceu pesado, e minha respiração ficou irregular.
Eu podia sentir o calor do corpo dele, o cheiro do perfume misturado com o de álcool e cloro. Por um segundo, pensei que ele fosse se afastar. Mas não.
Ezdra inclinou o rosto levemente. O mundo pareceu parar.
- Ivy... - ele murmurou.
O som de uma porta se abrindo nos fez pular pra longe.
- O que está acontecendo aqui?! - A voz de Vitorio ecoou pelo jardim. Miranda veio logo atrás.
- Droga - sussurrei.
- O que foi isso? - Miranda perguntou, olhando ao redor, percebendo os copos e as pessoas saindo apressadas.
- Pai... eu... - comecei, mas Ezdra me interrompeu.
- Foi minha culpa. Eu dei uma festa.
- Uma festa? - Vitorio gritou. - Você perdeu a cabeça, garoto?
- Calma, amor - Miranda tentou intervir.
- E o que aconteceu com a sua mão? - ele perguntou.
Pensei rápido. Não podia deixar que Ezdra levasse toda a culpa.
- Um garoto apareceu aqui - falei, respirando fundo. - Kadu... meu namorado. Eu descobri que ele tava me traindo, e Ezdra me defendeu.
O silêncio foi imediato.
Vitorio me olhou surpreso, depois virou para o filho postiço. - Foi isso mesmo?
Ezdra me olhou, sem entender o porquê da minha mentira, mas assentiu. - Foi.
Vitório suspirou, massageando a testa. - Eu... obrigado por cuidar dela.
Ezdra apenas deu de ombros. - Só fiz o que precisava.
- E você, Ivy - Miranda disse suavemente, tocando meu ombro -, sinto muito por isso, querida.
- Tudo bem. - Mentira. Nada estava bem. Mas era o que eu precisava dizer.
Vitorio respirou fundo, olhou ao redor e murmurou: - Acabou a festa. Todos pra dentro.
Subi pro meu quarto em silêncio. Fechei a porta e encostei a testa na madeira, sentindo o coração batendo rápido demais.
O rosto de Ezdra ainda estava na minha mente - o olhar, o quase beijo, a confusão.
Droga.
Por que ele tinha que ser tão irritante... e tão impossível de ignorar?
Deitei na cama e encarei o teto. "O último ano", pensei. "E já tá virando uma bagunça."
Mas lá no fundo, uma parte de mim sabia que aquela bagunça estava só começando.
{...}