Cada passo que dava pelos corredores da mansão parecia ecoar mais intensamente, como se ela estivesse sendo seguida por uma presença silenciosa. Cada sombra alongada parecia guardar um segredo. E, a cada vez que tocava o bolso da saia, o convite vermelho parecia mais quente, mais vivo, pulsando contra sua pele como um pequeno coração oculto.
O convite.
O selo dourado das serpentes entrelaçadas.
A letra dele.
Pensar no conde fazia seu peito apertar, como se a memória da presença dele fosse capaz de se infiltrar pela pele. Ele não era um homem que se esquecia facilmente - nem permitia ser esquecido.
Aquela manhã, quando ele surgira da carruagem, parecia um vislumbre de outra vida. Roberto Von Steinburg não apenas entrara em sua casa. Ele a marcara. A forma como olhara para a janela, como a encontrara no alto do corredor... aquilo não fora coincidência. Era escolha.
E Roberto escolhia com precisão cirúrgica.
Amélia tentou ocupar-se com tarefas, leituras, conversas superficiais com a governanta - mas nada a distraía. A lembrança da voz dele, baixa e firme, percorreu-lhe a mente o dia inteiro.
"Quando estiver diante de mim novamente... esteja pronta para perder mais do que a fala."
A frase a perseguia como um toque fantasma.
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Quando a tarde se dissolveu num céu azul-escuro e as velas começaram a ser acesas pelos criados, Amélia percebeu que a casa entrava em silêncio. O jantar havia terminado. As damas já se recolhiam. As conversas se apagavam como brasas.
Era enfim o momento.
Ela entrou em seu quarto e fechou a porta lentamente, quase temendo que o som pudesse denunciar sua intenção. Encostou-se à madeira, respirou fundo, e finalmente retirou o convite. A cera dourada parecia brilhar como ouro vivo. Com a ponta do dedo, tocou o selo - e um arrepio subiu por sua mão.
Ele sabia o efeito que causava.
E queria que ela sentisse.
Com cuidado, quebrou o selo. O som seco ecoou no quarto como uma pequena sentença.
Dentro, havia apenas uma folha negra, com caligrafia dourada.
A letra dele - firme, elegante, autoritária.
"À meia-noite, vá ao Pavilhão dos Sonhos Perdidos.
Entre sem bater.
Não leve luz.
Não tema a escuridão.
- R"
O estômago de Amélia se contorceu.
O Pavilhão dos Sonhos Perdidos.
A ala antiga da propriedade, fechada há anos. Um lugar tão belo quanto amaldiçoado pelas histórias dos criados. Passos sem corpo. Risos abafados. Ecos que vinham de lugar nenhum.
Um lugar que ninguém ousava atravessar à noite.
Ele estava testando-a.
Ou convidando-a para algo maior.
Algo velado.
Amélia sentiu o coração bater forte - não de medo, mas de antecipação. Ela sempre fora guiada pela razão, mas algo dentro dela - um instinto selvagem e inesperado - queria atravessar essa porta. Queria descobrir o que havia por trás do convite.
Faltavam ainda duas horas.
E a noite parecia respirar com ela.
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A preparação foi simples, mas carregada de simbolismo. Vestiu um traje escuro, discreto, quase uma sombra. Prendeu os cabelos num coque firme, deixando algumas mechas soltas, como se a noite precisasse tocá-la. Quando o relógio da casa marcou 23h50, ela abriu a porta com cuidado.
Os corredores estavam vazios. As velas queimavam baixo, projetando sombras longas contra as paredes. O silêncio era tão denso que Amélia sentiu que caminhava por um mundo adormecido.
Cada passo era uma escolha.
Ao atravessar para o jardim interno, o vento frio da noite roçou seu rosto. A Lua, parcialmente coberta por nuvens, iluminava o caminho até o pavilhão. E, quando ela o avistou, sentiu um aperto no peito.
O Pavilhão dos Sonhos Perdidos era ainda mais imponente do que lembrava. Colunas de mármore branco sustentavam uma estrutura que parecia uma mistura entre templo e segredo. As janelas altas, todas escuras, pareciam olhos fechados. A porta estava entreaberta.
Ele já estava lá.
Esperando.
Amélia respirou fundo.
E entrou.
A escuridão imediatamente a envolveu como um véu espesso. Não havia luz, nem mesmo a mínima claridade que o luar pudesse oferecer. Era um manto negro absoluto.
Ela deu um passo.
Mármore frio sob os pés.
Silêncio profundo.
Coração acelerado.
- Não trouxe luz.
A voz dele surgiu atrás dela - profunda, quente, perigosa.
Amélia virou-se.
E o viu.
Roberto parecia fazer parte da própria escuridão, como se emergisse dela. A luz tênue da lua delineava seus traços com uma beleza sombria - a mandíbula forte, os lábios firmes, os olhos escuros que brilhavam como brasas acesas.
Ele deu um passo na direção dela.
Depois outro.
- Fez bem, - disse ele, a voz tão baixa que parecia escorrer pela pele dela. - Aqui, a luz é uma intrusa.
Amélia tentou manter a compostura.
- É só isso que queria mostrar? Um pavilhão escuro?
O sorriso dele, lento e faminto, a desarmou.
- Apenas o início.
Ele aproximou-se até que a respiração dela falhasse. O perfume dele - notas de madeira, tabaco suave e algo indiscutivelmente masculino - a envolveu.
Roberto levantou a mão e deixou-a pairar a poucos centímetros da pele dela. Não tocou. E mesmo assim, Amélia sentiu o calor dele invadir cada nervo.
- Diga-me, Amélia... o que teme?
A voz dele estava tão perto que a fez tremer.
- Não sei... - ela murmurou, mesmo sabendo que sabia.
Ele sorriu mais uma vez.
- Sabe, sim. Teme o que sente quando estou perto.
A respiração dela se acelerou.
Os dedos dele traçaram um caminho no ar, acompanhando o contorno de seu rosto sem jamais tocá-lo. A ausência de contato era um tormento. Um convite. Uma promessa.
- Você sente antes de pensar, - continuou ele. - E isso a assusta.
O coração dela parecia bater nos próprios ouvidos.
- E o senhor? - ela perguntou, ousada. - O que sente?
Roberto inclinou a cabeça, avaliando-a como se ela fosse uma peça rara.
- Por você?
Ele deu um meio sorriso.
Perigoso. Sedutor. Devastador.
- Sinto que posso perder o controle.
Amélia prendeu a respiração.
Roberto aproximou o rosto do dela. Os lábios a um fio de distância. O quase-beijo queimava mais do que qualquer contato real. A escuridão parecia pulsar ao redor deles.
Mas ele não a beijou.
O não-beijo a destruiu.
- Venha. - disse ele, afastando-se apenas o suficiente para lhe estender a mão sem tocá-la. - Esta foi apenas a primeira porta. A segunda... é confiar.
O corpo dela queria recuar.
A alma queria avançar.
Amélia respirou fundo.
E deu um passo.
Os olhos de Roberto brilharam.
- Boa menina - murmurou, tão baixo que ela quase achou que imaginara.
O pavilhão inteiro pareceu estremecer quando ela o seguiu.
E Amélia percebeu, com um arrepio profundo, que não era apenas uma nova porta que estava prestes a abrir.
Era o próprio destino.
E ele tinha o nome dele.
Roberto Von Steinburg.