A Corte Dos Desejos Velados
img img A Corte Dos Desejos Velados img Capítulo 5 A Segunda Porta
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Capítulo 6 O Jardim Onde o Silêncio Queima img
Capítulo 7 O Salão das Sombras Sussurrantes img
Capítulo 8 O Sussurro Dourado das Velas img
Capítulo 9 Entre Sombras e Juramentos img
Capítulo 10 O Chamado das Sombras img
Capítulo 11 A ESTUFA AO CREPÚSCULO img
Capítulo 12 O SUSSURRO QUEBRADO DO DESEJO img
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Capítulo 5 A Segunda Porta

O ar dentro do Pavilhão dos Sonhos Perdidos parecia mudar de densidade a cada passo que Amélia dava atrás do Conde Roberto Von Steinburg. Era como se a própria noite respirasse com ela - lenta, profunda, vigilante. O mármore frio sob seus pés contrastava com o calor vertiginoso que pulsava em seu corpo, um calor que não vinha da sala, mas do homem que caminhava à sua frente.

O conde movia-se com a precisão silenciosa de alguém acostumado a ser seguido. Sua silhueta era recortada apenas por um filete de luz prateada que escapava do teto alto. A capa escura ondulava atrás dele como se tivesse vida própria. Amélia sentia o ar deslocar-se onde quer que ele passasse - um arrepio de tempestade prestes a acontecer.

- A segunda porta - disse ele, sem virar o rosto - não é feita de madeira, Fräulein Amélia.

A voz dele atravessou o espaço como um fio de seda escuro.

- Então do que é feita? - ela perguntou, surpresa por ouvir a própria voz.

Roberto parou. Virou-se devagar.

E a encarou.

Apenas isso. Um olhar. E seu corpo inteiro estremeceu como se tivesse sido chamado pelo nome mais íntimo que não possuía.

- De confiança - respondeu ele.

A palavra caiu entre eles com o peso de um voto secreto.

O silêncio que se seguiu era tão intenso que parecia capaz de se partir em lâminas. Amélia engoliu o próprio coração. Aquele olhar... não carregava apenas desejo ou perigo. Carregava uma compreensão profunda, quase indecente. Como se ele enxergasse dentro de lugares dela que nem ela mesma ousava visitar.

- Não sei se posso confiar no senhor - admitiu. Era a verdade mais nua que conseguia oferecer naquele instante.

O sorriso dele foi lento. Um sorriso que nascia da escuridão, não para tranquilizar, mas para provocar.

- Eu não lhe pedi confiança em mim. - Ele deu um passo. - Pedi que confiasse em você.

Isso a atingiu mais fundo do que qualquer toque.

Ele estendeu a mão - não para tocá-la, mas para que ela seguisse. Vinha dele essa estranha forma de intimidade: aproximar-se sem jamais encostar, e ainda assim deixá-la marcada.

Ela o acompanhou.

---

O corredor estreito abriu-se em um salão amplo e quase inteiramente escuro, exceto por um único candelabro aceso ao centro. As paredes eram recobertas por tapeçarias de mitos antigos - criaturas aladas, deuses esquecidos, símbolos que jamais vira nos livros de Viena. O teto era tão alto que seus passos pareciam ecoar até um céu de pedra.

Os mosaicos no chão eram intrincados, ouro e ônix entrelaçados em formas circulares. E estranhamente, pareciam mudar conforme ela se movia.

- Este lugar... - murmurou Amélia, hipnotizada.

- Foi construído muito antes da corte atual - respondeu Roberto, caminhando ao redor do candelabro. - Para pactos. Para juramentos. Para verdades que não pertenciam ao mundo comum.

Ele ergueu uma das velas. A chama iluminou seus traços com dureza e beleza iguais. O rosto dele parecia esculpido pela própria sombra.

- Há regras aqui - disse ele.

- Regras? - ela repetiu, sem saber se temia ou desejava o que viria.

Ele parou diante dela, tão perto que a chama da vela tremulou entre seus corpos.

- A primeira regra - disse, baixo - é que tudo o que acontecer dentro destas paredes permanece aqui. A verdade exige silêncio.

Amélia assentiu, sentindo um aperto no estômago.

- A segunda - continuou - é que aqui, títulos não têm valor. Nem sobrenomes. Nem coroas. Apenas quem você realmente é.

Aquilo a desarmou. Ela cresceu observando nobres se esconderem atrás de seus nomes, enquanto ela subia pela força da inteligência. Ali... tudo isso parecia ruir.

- E a terceira? - perguntou.

Os olhos dele ficaram ainda mais escuros.

- A terceira é simples: você só avança se desejar. Nada que verá será imposto a você. Mas... - aproximou-se perigosamente - se avançar... não haverá retorno.

A chama da vela brilhou no brilho úmido dos lábios dele. Amélia sentiu as pernas quase cederem.

- E o senhor deseja que eu avance? - ousou perguntar.

Ele não desviou. Não piscou.

- Desejo. - A palavra saiu grave. - Mas não por necessidade. Nem por capricho. Desejo porque há algo em você que nunca vi nas mulheres desta corte.

Ela franziu o cenho.

- O que?

Roberto inclinou-se, iluminado pela luz oscilante da vela.

- Uma coragem silenciosa. E uma fome de verdade que casa perfeitamente com a minha.

Aquilo a atravessou.

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Ele então caminhou até uma tapeçaria à direita, deslizando a mão pelo tecido. A tapeçaria moveu-se como se tivesse atendido a um comando mudo, revelando uma porta de ferro negro.

A porta era impressionante - fria, densa, coberta de runas e símbolos que pareciam se mover sob a luz.

- Aqui está a segunda porta - disse ele.

O coração dela acelerou.

- E o que existe além dela?

Ele a encarou com um olhar tão direto que quase a deixou sem ar.

- A verdade sobre a corte... - fez uma pausa - e sobre mim.

O silêncio estilhaçou-se como vidro.

Sobre ele.

Ele colocou a vela em um suporte e voltou a ela, com passos lentos, perfeitos, calculados. O tipo de aproximação que não precisava de toque para incendiar a pele.

- Antes que eu abra - disse - preciso que diga algo.

Amélia respirou fundo.

- O quê?

- Que está pronta.

Ela sentiu o corpo oscilar. Porque pronta... pronta para quê?

Roberto se aproximou até que a luz da vela iluminasse ambos os rostos. Seus olhos eram tão escuros quanto vinho profundo sob a luz da lua.

- Diga, Amélia.

Ela abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu.

Então ele a tocou pela primeira vez.

O dorso dos dedos percorreu seu rosto. Devagar. Quente. Devastador.

Era como se tivesse tocado sua alma, não sua pele.

- Não minta - murmurou. - Reconheço a verdade no seu silêncio.

As pernas dela quase cederam.

- Estou pronta - sussurrou.

O sorriso dele foi lento, profundo, quase reverente.

- Então entre.

A porta abriu-se com um gemido grave.

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A sala além dela era um contraste absoluto. Clara, iluminada por dezenas de candelabros. O teto abobadado estava pintado com constelações e símbolos antigos da tradição austríaca e germânica. Havia estantes repletas de livros raros, mapas do céu, instrumentos de navegação celeste - e, no centro, um círculo de mármore negro e ouro que parecia pulsar com luz própria.

Era belo. Era perigoso. Era sagrado.

- O que é isto? - ela murmurou.

- O coração desta corte - respondeu Roberto. - Onde pactos são feitos. Onde intenções são reveladas. Onde cada alma mostra sua verdadeira forma.

Ela sentiu um arrepio profundo.

- Por que me trouxe aqui?

Roberto aproximou-se dela com um olhar tão sério que o ar pareceu aquecer entre eles.

- Porque você não busca poder - disse. - Busca verdade. E não há nada mais raro na corte.

Ele estendeu a mão.

- Entre comigo no círculo.

- E o que acontece se eu entrar? - ela perguntou, a voz quase falhando.

Ele sorriu. Um sorriso que parecia prometer mundos e perigos.

- Você descobre quem realmente é.

Amélia respirou fundo, sentindo o coração bater tão forte que parecia ecoar no chão de mármore.

E então deu um passo.

O círculo acendeu em luz.

Roberto entrou atrás dela. A porta fechou-se sozinha.

Ela sobressaltou-se. Ele sorriu.

- Respire - disse. - Apenas sinta.

O chão tremeu sob seus pés. As velas vacilaram. O ar mudou.

- A corte secreta não é feita de segredos - disse ele. - É feita de pactos. E cada pacto exige algo... íntimo.

Ele ergueu as mãos até o rosto dela e o tocou com ambas as mãos - não um toque casual, mas um toque pleno, profundo, que disse mais do que qualquer palavra.

Ela arfou.

- Agora... - sussurrou ele - sinta quem eu sou.

E então...

A luz do círculo pulsou. A sombra dele pareceu crescer, tomando uma forma ancestral atrás dele - asas? fogo? algo que não pertencia ao mundo visível.

Roberto não recuou.

- A verdade, Amélia... - disse, a voz grave - começa agora.

E ela soube que estava cruzando uma fronteira da qual jamais retornaria a mesma.

                         

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