O conde movia-se com a precisão silenciosa de alguém acostumado a ser seguido. Sua silhueta era recortada apenas por um filete de luz prateada que escapava do teto alto. A capa escura ondulava atrás dele como se tivesse vida própria. Amélia sentia o ar deslocar-se onde quer que ele passasse - um arrepio de tempestade prestes a acontecer.
- A segunda porta - disse ele, sem virar o rosto - não é feita de madeira, Fräulein Amélia.
A voz dele atravessou o espaço como um fio de seda escuro.
- Então do que é feita? - ela perguntou, surpresa por ouvir a própria voz.
Roberto parou. Virou-se devagar.
E a encarou.
Apenas isso. Um olhar. E seu corpo inteiro estremeceu como se tivesse sido chamado pelo nome mais íntimo que não possuía.
- De confiança - respondeu ele.
A palavra caiu entre eles com o peso de um voto secreto.
O silêncio que se seguiu era tão intenso que parecia capaz de se partir em lâminas. Amélia engoliu o próprio coração. Aquele olhar... não carregava apenas desejo ou perigo. Carregava uma compreensão profunda, quase indecente. Como se ele enxergasse dentro de lugares dela que nem ela mesma ousava visitar.
- Não sei se posso confiar no senhor - admitiu. Era a verdade mais nua que conseguia oferecer naquele instante.
O sorriso dele foi lento. Um sorriso que nascia da escuridão, não para tranquilizar, mas para provocar.
- Eu não lhe pedi confiança em mim. - Ele deu um passo. - Pedi que confiasse em você.
Isso a atingiu mais fundo do que qualquer toque.
Ele estendeu a mão - não para tocá-la, mas para que ela seguisse. Vinha dele essa estranha forma de intimidade: aproximar-se sem jamais encostar, e ainda assim deixá-la marcada.
Ela o acompanhou.
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O corredor estreito abriu-se em um salão amplo e quase inteiramente escuro, exceto por um único candelabro aceso ao centro. As paredes eram recobertas por tapeçarias de mitos antigos - criaturas aladas, deuses esquecidos, símbolos que jamais vira nos livros de Viena. O teto era tão alto que seus passos pareciam ecoar até um céu de pedra.
Os mosaicos no chão eram intrincados, ouro e ônix entrelaçados em formas circulares. E estranhamente, pareciam mudar conforme ela se movia.
- Este lugar... - murmurou Amélia, hipnotizada.
- Foi construído muito antes da corte atual - respondeu Roberto, caminhando ao redor do candelabro. - Para pactos. Para juramentos. Para verdades que não pertenciam ao mundo comum.
Ele ergueu uma das velas. A chama iluminou seus traços com dureza e beleza iguais. O rosto dele parecia esculpido pela própria sombra.
- Há regras aqui - disse ele.
- Regras? - ela repetiu, sem saber se temia ou desejava o que viria.
Ele parou diante dela, tão perto que a chama da vela tremulou entre seus corpos.
- A primeira regra - disse, baixo - é que tudo o que acontecer dentro destas paredes permanece aqui. A verdade exige silêncio.
Amélia assentiu, sentindo um aperto no estômago.
- A segunda - continuou - é que aqui, títulos não têm valor. Nem sobrenomes. Nem coroas. Apenas quem você realmente é.
Aquilo a desarmou. Ela cresceu observando nobres se esconderem atrás de seus nomes, enquanto ela subia pela força da inteligência. Ali... tudo isso parecia ruir.
- E a terceira? - perguntou.
Os olhos dele ficaram ainda mais escuros.
- A terceira é simples: você só avança se desejar. Nada que verá será imposto a você. Mas... - aproximou-se perigosamente - se avançar... não haverá retorno.
A chama da vela brilhou no brilho úmido dos lábios dele. Amélia sentiu as pernas quase cederem.
- E o senhor deseja que eu avance? - ousou perguntar.
Ele não desviou. Não piscou.
- Desejo. - A palavra saiu grave. - Mas não por necessidade. Nem por capricho. Desejo porque há algo em você que nunca vi nas mulheres desta corte.
Ela franziu o cenho.
- O que?
Roberto inclinou-se, iluminado pela luz oscilante da vela.
- Uma coragem silenciosa. E uma fome de verdade que casa perfeitamente com a minha.
Aquilo a atravessou.
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Ele então caminhou até uma tapeçaria à direita, deslizando a mão pelo tecido. A tapeçaria moveu-se como se tivesse atendido a um comando mudo, revelando uma porta de ferro negro.
A porta era impressionante - fria, densa, coberta de runas e símbolos que pareciam se mover sob a luz.
- Aqui está a segunda porta - disse ele.
O coração dela acelerou.
- E o que existe além dela?
Ele a encarou com um olhar tão direto que quase a deixou sem ar.
- A verdade sobre a corte... - fez uma pausa - e sobre mim.
O silêncio estilhaçou-se como vidro.
Sobre ele.
Ele colocou a vela em um suporte e voltou a ela, com passos lentos, perfeitos, calculados. O tipo de aproximação que não precisava de toque para incendiar a pele.
- Antes que eu abra - disse - preciso que diga algo.
Amélia respirou fundo.
- O quê?
- Que está pronta.
Ela sentiu o corpo oscilar. Porque pronta... pronta para quê?
Roberto se aproximou até que a luz da vela iluminasse ambos os rostos. Seus olhos eram tão escuros quanto vinho profundo sob a luz da lua.
- Diga, Amélia.
Ela abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu.
Então ele a tocou pela primeira vez.
O dorso dos dedos percorreu seu rosto. Devagar. Quente. Devastador.
Era como se tivesse tocado sua alma, não sua pele.
- Não minta - murmurou. - Reconheço a verdade no seu silêncio.
As pernas dela quase cederam.
- Estou pronta - sussurrou.
O sorriso dele foi lento, profundo, quase reverente.
- Então entre.
A porta abriu-se com um gemido grave.
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A sala além dela era um contraste absoluto. Clara, iluminada por dezenas de candelabros. O teto abobadado estava pintado com constelações e símbolos antigos da tradição austríaca e germânica. Havia estantes repletas de livros raros, mapas do céu, instrumentos de navegação celeste - e, no centro, um círculo de mármore negro e ouro que parecia pulsar com luz própria.
Era belo. Era perigoso. Era sagrado.
- O que é isto? - ela murmurou.
- O coração desta corte - respondeu Roberto. - Onde pactos são feitos. Onde intenções são reveladas. Onde cada alma mostra sua verdadeira forma.
Ela sentiu um arrepio profundo.
- Por que me trouxe aqui?
Roberto aproximou-se dela com um olhar tão sério que o ar pareceu aquecer entre eles.
- Porque você não busca poder - disse. - Busca verdade. E não há nada mais raro na corte.
Ele estendeu a mão.
- Entre comigo no círculo.
- E o que acontece se eu entrar? - ela perguntou, a voz quase falhando.
Ele sorriu. Um sorriso que parecia prometer mundos e perigos.
- Você descobre quem realmente é.
Amélia respirou fundo, sentindo o coração bater tão forte que parecia ecoar no chão de mármore.
E então deu um passo.
O círculo acendeu em luz.
Roberto entrou atrás dela. A porta fechou-se sozinha.
Ela sobressaltou-se. Ele sorriu.
- Respire - disse. - Apenas sinta.
O chão tremeu sob seus pés. As velas vacilaram. O ar mudou.
- A corte secreta não é feita de segredos - disse ele. - É feita de pactos. E cada pacto exige algo... íntimo.
Ele ergueu as mãos até o rosto dela e o tocou com ambas as mãos - não um toque casual, mas um toque pleno, profundo, que disse mais do que qualquer palavra.
Ela arfou.
- Agora... - sussurrou ele - sinta quem eu sou.
E então...
A luz do círculo pulsou. A sombra dele pareceu crescer, tomando uma forma ancestral atrás dele - asas? fogo? algo que não pertencia ao mundo visível.
Roberto não recuou.
- A verdade, Amélia... - disse, a voz grave - começa agora.
E ela soube que estava cruzando uma fronteira da qual jamais retornaria a mesma.