Sua loucura escalou até que ele a sequestrou, me atraindo para um galpão abandonado com uma ameaça de gelar o sangue.
"Venha sozinha se quiser ver nossa filha de novo."
Como esse homem, que me deixou sofrer um aborto espontâneo do nosso último filho sozinha em um hospital, agora ousava se chamar de pai?
Ele me ofereceu um acordo doentio: nossa "família" de volta, em troca da vida da minha filha.
Mas ele cometeu um erro fatal.
Ele nunca se deu ao trabalho de descobrir quem era meu novo marido.
Capítulo 1
Eu costumava acreditar que o amor era uma promessa silenciosa, sussurrada no escuro, selada por fardos compartilhados. Por sete anos, minha vida foi um eco distorcido dessa crença, esticada ao limite pelas ambições de Heitor Ricci. Eu era seu segredo, sua confidente, sua estrategista não remunerada. Eu era tudo para ele, exceto a única coisa que importava: seu rosto público.
Meu nome é Alice Barros. Todos no encontro de dez anos da faculdade me viam como a garota quieta que se misturava ao fundo. Alguns se lembravam de como eu costumava seguir Heitor como uma sombra, sempre pronta para ouvir, oferecer uma sugestão ou simplesmente estar lá. Eles viam o Heitor público – o carismático e brilhante fundador da 'InovaTech', um homem cujo nome era sinônimo de sucesso. Eles viam o sorriso confiante, a conversa espirituosa, os ternos sob medida que gritavam 'bilionário em ascensão'.
Eles não viam o verdadeiro Heitor.
Eles não viam o homem que, a portas fechadas, me chamava de sua esposa. O homem que, por anos, compartilhou minha cama, meus sonhos, minha própria respiração. O homem que me fez acreditar que nosso segredo era um testemunho de nosso vínculo único e inquebrável, uma confiança sagrada que nos diferenciava do mundo superficial da exibição pública. Ele me disse que nosso amor era profundo demais para alarde, real demais para rótulos sociais. Eu me agarrei a essas palavras, mesmo quando elas sufocavam a vida das minhas próprias aspirações.
Eu dei a ele minha juventude, minhas ideias, meu apoio inabalável. Sacrifiquei minha própria carreira promissora em marketing, convencida de que o sucesso dele era o nosso sucesso. Fui a arquiteta de suas primeiras campanhas, a ghostwriter de seus discursos eloquentes, a força silenciosa por trás de sua ascensão meteórica. Enquanto ele se deleitava sob os holofotes, eu labutava nas sombras, alimentada por um amor que agora percebo não ser nada mais que um vício.
"Alice? É você mesma?" Uma voz, carregada de nostalgia e uma pitada de surpresa, cortou o zumbido baixo da conversa.
Era Sara, uma das minhas antigas amigas da república. Seus olhos se arregalaram, percorrendo meu vestido preto simples e meus modestos brincos de pérola. Eu sabia o que ela estava procurando. O brilho. A confiança. Os sinais externos de sucesso que meus colegas agora ostentavam. Ela não encontrou nada disso.
"Sara. Que bom te ver", eu disse, minha voz mais calma do que eu me sentia.
"Nossa, você está... diferente", ela soltou, e então tentou consertar rapidamente. "Quero dizer, ainda linda, claro! Mas mais suave. Mais... contida."
Forcei um pequeno sorriso. Contida. Essa era uma palavra para isso. Destruída teria sido mais preciso, cinco anos atrás.
"A vida acontece", ofereci vagamente, pegando uma taça de champanhe de uma bandeja que passava. As bolhas fizeram cócegas no meu nariz, uma sensação fugaz na dor surda da minha memória.
"E o Heitor?" Sara se inclinou, sua voz baixando para um sussurro conspiratório. "Ele está aqui, sabia? Ainda solteiro, pelo que ouvi. Vocês dois costumavam ser inseparáveis. Muita gente achava que vocês iam ficar juntos no final."
Meu aperto na taça se intensificou. Ainda solteiro. A ironia era um gosto amargo na minha língua.
"Ele é um partidão agora, não é?" outra colega comentou, ouvindo a conversa. "Empresa bilionária. Acabou de comprar aquela mansão em Angra dos Reis. Você devia ir falar com ele, Alice. Reconquiste seu homem!"
Uma risada fria borbulhou na minha garganta, mas eu a engoli. Reconquistar meu homem. Elas não faziam ideia. Ele nunca foi meu homem, não de uma forma que realmente importasse.
Nesse momento, uma comoção começou perto da entrada. As conversas morreram, substituídas por uma onda de excitação. Todos se viraram.
Heitor. Ele entrou, uma força da natureza mesmo em um ambiente casual. Sua aura era magnética, seu sorriso praticado e deslumbrante. Ele usava um terno escuro, impecavelmente cortado, que abraçava seus ombros largos, seu cabelo escuro artisticamente desarrumado. Ele estava mais alto, mais largo, mais refinado do que eu me lembrava, se é que isso era possível. Ele era tudo o que as revistas diziam que ele era: bem-sucedido, charmoso, absolutamente cativante.
Nossos olhos se encontraram do outro lado do salão. Apenas por uma fração de segundo. Seu sorriso vacilou. Seus olhos, antes tão familiares, agora continham um brilho de algo que eu não conseguia decifrar. Surpresa? Desconforto? Reconhecimento?
Ele começou a andar em minha direção, seu olhar fixo no meu. A multidão se abriu para ele como o Mar Vermelho. Minha garganta se apertou. Não era assim que deveria ser. Eu havia construído uma nova vida, tijolo por tijolo doloroso. Eu havia enterrado o fantasma daquele Heitor.
"Alice", ele disse, sua voz um ronronar baixo e familiar que enviou arrepios pela minha espinha, não de prazer, mas de um medo antigo. Ele estendeu a mão, como se para tocar meu braço.
Eu recuei, minha mão instintivamente indo para o meu peito. "Não", avisei, minha voz um silvo baixo. "Não se atreva a me tocar."
Sua mão caiu, um músculo visivelmente pulsando em sua mandíbula. Sua fachada perfeitamente composta rachou, apenas por um momento. Ele parecia... magoado. Ótimo. Ele merecia.
Um suspiro repentino de uma garçonete. Uma bandeja de taças de champanhe caiu no chão, espalhando líquido dourado e cacos de cristal por toda parte. O barulho cortou a tensão, fazendo todos pularem.
"Sinto muito, Sr. Ricci!" A jovem garçonete gaguejou, começando a juntar os pedaços freneticamente.
Heitor a ignorou. Seus olhos ainda estavam fixos em mim, um brilho predatório substituindo lentamente a mágoa fugaz. "Ainda tão dramática, Alice", ele zombou, sua voz mal audível acima da conversa crescente enquanto as pessoas tentavam fingir que nada havia acontecido.
"Ainda tão patético, Heitor", retruquei, igualando seu tom baixo, meus dentes cerrados. Dei um passo deliberado para trás, colocando distância entre nós. O cheiro de seu perfume caro estava muito perto, muito sufocante.
Ele me observou, seu olhar intenso, aquele brilho de emoção crua retornando. Sua mandíbula se moveu, seus olhos poças escuras de algo indecifrável. Ele pareceu encolher, apenas infinitesimalmente, sob meu desprezo. Foi uma vitória, pequena e insignificante, mas uma vitória mesmo assim.
"Deixa eu te levar pra casa, Alice", ele disse, sua voz surpreendentemente suave, quase suplicante. "Está ficando tarde. E parece que vai chover." Ele gesticulou vagamente em direção às grandes janelas em arco, onde nuvens escuras de fato se acumulavam.
Eu quase zombei. Chuva. Ele estava tentando usar o tempo como desculpa? Minha mente reviveu todas as vezes que ele usou pretextos frágeis semelhantes para me manipular. O céu poderia estar caindo, e eu ainda não o deixaria perto de mim.
A ideia de ir para casa na chuva, meu vestido simples provavelmente grudando em mim, era desagradável. Mas a ideia de mais um segundo em sua presença era cem vezes pior.
"Não, obrigada", eu disse secamente. "Eu me viro."
Ele suspirou, uma lufada de ar teatral. "Não seja teimosa. O quê, você ainda está guardando rancor sobre o acordo? Podemos discutir isso. Eu ainda poderia te oferecer algo, sabe. Sei que você nunca pegou nada naquela época."
Meu estômago se revirou. Acordo. Algo. Ele achava que dinheiro poderia apagar anos de violência emocional? Ele achava que alguns míseros reais poderiam compensar a dor de cinco abortos forçados? Pelas inúmeras noites que chorei até dormir, acreditando em suas mentiras sobre "não estar pronto" enquanto meu corpo era devastado por seu descuido?
Olhei para o meu vestido. Uma mancha de champanhe, marrom e pegajosa, havia respingado na barra quando a bandeja caiu. Um pequeno incômodo, mas o suficiente para me distrair da súbita onda de náusea.
"Não é necessário", eu disse, minha voz mais áspera do que eu pretendia. Ele não entenderia. Ele nunca entendeu nada que não fosse sobre ele. Lembrei-me dos carros perfeitamente polidos que ele costumava dirigir – um modelo diferente a cada ano, como se sua riqueza crescente exigisse novos brinquedos. Ele provavelmente já estava em seu quinto ou sexto veículo de luxo.
"Vou pegar um táxi, Heitor. Ou um Uber. Eu tenho opções agora, lembra?" Forcei um sorriso, um que não alcançou meus olhos. "Diferente de antes."
Ele me observou, um brilho de algo parecido com pena em seu olhar. "Alice", ele disse, sua voz tingida com uma estranha mistura de preocupação e exasperação. "Você não precisa ser assim. Podemos conversar."
"Heitor!" Uma voz doce, quase infantil, soou atrás dele.
Minha cabeça se ergueu bruscamente. Não, não podia ser. Não aqui. Não agora.
Todos os olhos na sala se voltaram para a recém-chegada. Uma jovem mulher, impossivelmente esbelta, com longos cabelos loiros cor de mel caindo sobre os ombros. Ela usava um vestido de negócios elegante e justo em um azul safira vibrante, acentuando sua figura. Seus saltos estalavam com confiança no chão polido. Ela parecia ter saído diretamente de uma revista de moda corporativa – polida, ambiciosa e totalmente à vontade em sua imagem cuidadosamente construída.
Sussurros se espalharam pela sala. "Quem é essa?" "Não é a Jéssica Ferraz? Da InovaTech?"
Eu não precisava olhar para ela para saber que era ela. O cheiro de seu perfume enjoativamente doce, a risadinha aguda, a maneira como ela se movia com uma graça quase deliberada. Eu reconhecia tudo. Minha ex-protegida. A mulher que, literalmente, roubou minha vida.
Voltei-me para a mancha de champanhe no meu vestido, fingindo estar profundamente absorta em cutucá-la. Meu estômago estava roncando, um protesto patético. Eu não tinha comido direito o dia todo, nervosa demais com este encontro, ciente demais de que poderia encontrá-lo.
"Alice! Meu Deus, Alice Barros!" Jéssica exclamou, sua voz pingando um entusiasmo exagerado que me irritava. Ela correu para frente, agarrando meu braço. Seu toque era como gelo. "Não acredito que é você! Heitor, querido, olha! É a Alice!"
Ela olhou para Heitor, depois de volta para mim, um sorriso de quem sabe o que estava fazendo brincando em seus lábios. "Eu não esperava te ver aqui, Alice. Pensei que você tivesse... seguido em frente." Suas palavras eram doces, mas seus olhos eram afiados, avaliadores.
Com calma, deliberadamente, puxei meu braço para longe de seu aperto. "Eu segui", eu disse, minha voz neutra. "Em frente, quero dizer."
Alguém da multidão, um colega curioso, perguntou: "Jéssica, querida, quem é você?"
Heitor, recuperando a compostura, passou um braço pela cintura de Jéssica, puxando-a para mais perto. Seu sorriso voltou, largo e radiante. "Pessoal", ele anunciou, sua voz ressoando com uma alegria forçada. "Esta é a Jéssica. Minha noiva."
As palavras me atingiram como um soco, mesmo que eu soubesse que isso estava por vir. Noiva. Ele finalmente estava tornando público. A mulher que ele escolheu em meu lugar, a mulher que ele exibia por aí enquanto eu era seu segredinho sujo. A mulher que ele engravidou.
Dez anos. Uma década da minha vida, do meu amor, da minha fé inabalável nele. Tudo por isso. Por um anúncio público para uma sala cheia de estranhos e velhos conhecidos. Meu coração, que eu pensei ter se transformado em pedra há muito tempo, sentiu uma rachadura nova e agonizante. Todos os meus sacrifícios, todo o meu sofrimento silencioso, todas as vezes que engoli meu orgulho e aceitei suas desculpas – tudo se condensou em uma piada humilhante e pública.
Um momento de silêncio atordoado pairou no ar, depois uma salva de palmas educada, rapidamente seguida por um coro de parabéns. Todos se aglomeraram em torno de Heitor e Jéssica, oferecendo seus votos de felicidades, seus rostos radiantes. Jéssica riu, pressionando-se contra Heitor, sua mão repousando delicadamente em seu peito. Ela olhou para ele, seus olhos brilhando com uma adoração fingida, como um prêmio conquistado.
"Obrigada, pessoal!" Jéssica disse, sua voz cheia de uma humildade fabricada. "Heitor e eu estamos muito felizes. Vamos ter um casamento pequeno e íntimo em breve, apenas família e amigos próximos." Ela ergueu uma taça de água com gás, segurando-a no alto. "A novos começos!"
Ela era uma profissional. Ela dominava a sala, encantando a todos sem esforço, banhando-se no brilho da glória refletida de Heitor. Ela contava histórias de seu romance relâmpago, sua visão compartilhada, sua química inegável. Era uma performance que eu já tinha visto inúmeras vezes, mas nunca com uma pontada tão amarga.
Então, seus olhos encontraram os meus novamente, afiados e calculistas. Ela se afastou de Heitor, caminhando em minha direção, um sorriso triunfante no rosto. "Sabe, Alice", ela disse, sua voz baixando para um sussurro teatral, mas alto o suficiente para alguns ouvidos curiosos captarem. "Heitor mencionou que você tinha uma quedinha por ele na faculdade. Não é verdade?"
Eu fiquei paralisada, meus olhos fixos na mancha de champanhe, minha garganta seca. O mundo parecia girar em seu eixo. Ela realmente disse isso?
Algumas pessoas próximas se mexeram desconfortavelmente, evitando meu olhar. Eles conheciam minha história com Heitor, ou pelo menos, a versão pública dela. A garota quieta, a amiga solidária. A tensão não dita entre nós.
"Alice?" Jéssica pressionou, um sorriso sacarino estampado em seu rosto. "Não precisa ter vergonha. Foi há muito tempo, certo? E olha para nós agora!" Ela gesticulou entre ela e Heitor, que agora observava sutilmente nossa interação.
Uma colega de bom coração, que Deus a abençoe, interveio. "Ah, Jéssica, não seja boba! A Alice sempre foi uma ótima amiga para o Heitor. Como uma irmã, na verdade."
Jéssica riu, um som frágil. "Claro, uma irmã. Que fofo." Ela estendeu a mão, dando um tapinha no meu ombro, e então rapidamente recuou para o lado de Heitor. "De qualquer forma, Alice, tenho certeza de que você está feliz por nós." Ela se inclinou para Heitor, que lhe deu um aperto tranquilizador. "Heitor sempre disse que você era muito solidária."
As palavras foram um golpe de martelo. Solidária. Depois de tudo. Depois de sete anos da minha vida, da minha carreira, do meu corpo. Depois de ser sua esposa secreta, sua parceira silenciosa, sua clínica de aborto pessoal.
Eu zombei, um som seco e amargo que assustou até a mim mesma. Finalmente levantei o olhar, meus olhos se fixando nos de Heitor. Seu rosto era uma máscara de indiferença plácida, mas vi o brilho de inquietação em seus olhos. Ele sabia. Ele sempre soube como torcer a faca.
"Solidária?" repeti, minha voz mal um sussurro, mas que cortou a multidão murmurante como uma navalha. "Ah, Heitor. Você realmente é um mestre em eufemismos, não é?" Tomei um gole lento e deliberado do meu champanhe, saboreando as bolhas amargas. Meu olhar varreu os rostos perplexos dos meus ex-colegas, depois se fixou novamente em Heitor, cuja mandíbula agora estava tensa. "Para que conste", eu disse, minha voz ganhando força, "Heitor e eu éramos casados."